Quando Eva RapDiva, figura cimeira do rap angolano, anunciou a sua candidatura ao Parlamento português, onde nasceu, houve quem manifestasse surpresa. Tal reação, porém, carece de fundamento. O seu percurso — musical, intelectual e, agora, político — revela uma existência que une duas nações sem visível fratura. Longe de abandonar Angola, como alguns insinuam, Eva encarna uma continuidade que liga Luanda a Lisboa. A sua mente aguçada, moldada pelo estudo e por uma curiosidade insaciável, distingue-a, mas a incursão na política portuguesa é um passo lógico, não um salto.
A infância forjou-lhe esta identidade dual. Nascida Eva Marise Cruzeiro Alexandre em 1988 de
Pais Angolanos em Portugal, cresceu no bairro da Amadora, em Lisboa. Recorda o pai correndo a enfrentar um rapaz que a agredira, apenas para descobrir que era mais pequeno e jovem. A mãe, pragmática, mandou-a resolver a questão: “Não podes deixar que alguém mais fraco te vença.” Esta lição precoce de resiliência afiou-lhe a capacidade de gerir tensões e afirmar-se — competências que mais tarde se revelariam na sua resistência a normas musicais e sociais.
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Testemunhei esta dualidade em pessoa, há alguns anos, no Hotel Ekuikui, no Huambo. No átrio, duas jovens modestamente vestidas, nervosas entre hóspedes mais abastados, pediram-me que intercedesse para uma fotografia com Adilson, filho do grande Ernesto Bartolomeu. Ele acedeu gentilmente. Identificaram-se como parte do clube local de fãs de Eva RapDiva, distintas da juventude privilegiada de Huambo, mas atraídas por uma estrela das periferias pobres de Luanda, agora voltada para Lisboa. Ao sair, vi Eva surgir num fato preto marcante, cercada de admiradores, visivelmente à vontade. Intrigado, demorei-me, refletindo sobre o que unia este recanto rural a uma rapper de alcance global.
O seu apelo abrange os mundos urbano e rural de Angola. Enraizada nas margens de Luanda — Lobito e os bairros mais rudes da capital —, construiu a sua arte, enfrentando o cepticismo quanto à longevidade das rappers femininas. “Abri caminho quando era difícil,” declarou outrora. Contudo, a sua influência vai além da capital angolana. Em Huambo, a 600 quilómetros de Luanda, aquelas fãs viam-na como sua — uma voz dos esquecidos, ressoando o seu próprio passado em Portugal. A sua música, que funde rap e kizomba apesar das objeções puristas, combina ritmos angolanos com um toque global, ecoando das províncias aos palcos lisboetas.
O seu intelecto sustenta este alcance. Eva transcende o papel de mera intérprete. Com licenciaturas em ciência política e relações internacionais, complementadas por uma pós-graduação em gestão financeira, aporta uma profundidade rara. Afirmou que as suas letras abordam temas que exigem reflexão, evidenciando uma mente que perscruta sistemas — musicais, sociais, políticos. Os estudos apuraram-lhe o discernimento: “Sem conhecer política, vê-se tudo com encantamento… [o estudo] ajudou-me a compreender as dinâmicas de poder.” Diferente de pares que se apoiam na fama, Eva busca compreensão, impulsionando-a dos estúdios de Luanda ao palanque português.
Portugal não é terra alheia — é lar, tanto quanto Angola. Disse não encarar a escolha entre uma e outra. A sua candidatura pelo Partido Socialista (PS), ligado ao MPLA angolano, amplia a sua influência no mundo lusófono. Os críticos que questionam se servirá interesses portugueses ou angolanos não captam a sua visão: não há conflito, assim como não sente cisão entre a alma angolana e as raízes portuguesas. De Huambo a Lisboa, o seu olhar permanece coeso.
A fricção acompanha-lhe o caminho. Alguns em Angola duvidam da sua lealdade; nativistas portugueses podem rejeitar uma “angolana” entre si. Mas o seu historial refuta-os. O podcast Pode Tudo analisa género e poder com lucidez, enquanto a sua música une culturas. “Não estou aqui para cumprir expectativas alheias,” declarou. Em Huambo, aquelas fãs — hesitantes mas fervorosas — atestam o seu magnetismo. Viram nela não só uma estrela, mas um espelho das suas lutas, amplificado das margens de Luanda aos corredores lisboetas.
Assim, deixemos a surpresa. A candidatura de Eva é uma culminação, não uma excentricidade. A sua inteligência e curiosidade, forjadas numa infância bicultural e provadas em Angola, desafiam limites — musicais, culturais, agora políticos. Angola e Portugal, na sua perspetiva, são afins, os seus destinos entrelaçados pela história e pela sua vida. “Se as portas se fecham, entramos pela janela,” disse a uma multidão em Lisboa. No Parlamento português, encontrou a sua janela. A vista, de Huambo a Luanda e Lisboa, abarca ambas as margens.
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