Mano Chaba, o Poeta do Paraíso- Sousa Jamba



Embora a nossa era digital frequentemente nos apresenta artistas apenas no momento da sua partida, a morte de Mano Chaba, cuja música emergiu do bairro do Paraíso em Luanda, gerou uma forma de luto que, apesar de fluir através dos algoritmos das redes sociais, carrega uma autenticidade que a tecnologia não consegue fabricar. 


Nas horas que se seguiram ao seu afogamento na praia da Ilha de Luanda, fragmentos da sua vida — videoclipes, letras de músicas e fotografias — começaram a popular os feeds nas redes sociais, revelando um jovem artista que dominava aquela que se tornaria a forma de arte definidora da sua comunidade: a ironia destilada da dificuldade.


Através da revolução eletrónica que transformou a paisagem musical de Angola, particularmente em Luanda, onde jovens artistas combinam ritmos tradicionais com batidas digitais, Chaba emergiu como uma voz de singular clareza, embora a sua arte permanece firmemente enraizada na estirpe particular de resiliência criativa do Paraíso. 


O seu bairro, que começou na década de 1990 como um conjunto de tendas antes de se transformar gradualmente em estruturas de betão mal planeadas, serviu não apenas como pano de fundo, mas como uma metáfora física para a urbanização improvisada de Angola, onde o cascalho irrompe através do solo erodido após cada chuva, e habitações de um único quarto partilham cantos com casas de banho comunais.


A tragédia da sua morte carrega a sua própria ironia amarga: que um artista que deu voz às lutas da sua comunidade se perca num lazer de tarde numa praia onde, como os locais observam com uma familiaridade sombria, não há nadadores-salvadores para proteger nem mesmo aqueles cujas canções protegeram outros. 


Quando Chaba mencionou nas suas últimas transmissões que não sabia nadar, ele, sem o saber, forneceu o que se tornaria epitáfio e metáfora — no Paraíso, onde as piscinas existem principalmente em sonhos, o mar permanece como convite e ameaça.


Tendo acabado de concluir uma campanha para aumentar a consciencialização sobre a cólera na sua comunidade, Chaba demonstrou um compromisso com a consciência social que transcendeu a mera expressão artística, mesmo quando o seu sucesso poderia ter permitido escapar às mesmas condições que ele documentou. O seu trabalho, que atraiu outras vozes jovens da periferia para a ribalta, seguiu uma linhagem que inclui os retratos de Bob Marley do pátio governamental de Trench Town — não apenas documentando a pobreza, mas escavando esperança a partir dela.


Esta tragédia na Ilha de Luanda serve como uma lembrança brutal de uma crise que há muito assola as águas recreativas de Angola. Não se trata apenas de um incidente trágico. Desde os lagos artificiais do Huambo às praias de Luanda, as nossas águas tornaram-se cemitérios involuntários para jovens angolanos que procuram nada mais do que uma tarde de lazer. O que torna estas mortes particularmente dolorosas é a sua prevenibilidade.


A situação na Ilha de Luanda personifica esta crise. Não há nadadores-salvadores em muitos dos nossos locais de natação mais populares. Como um banhista disse sem rodeios, "salva-se quem puder". Este é um status quo inaceitável para uma sociedade moderna.  O padrão é perturbadoramente previsível: jovens, muitas vezes não nadadores, reúnem-se para um dia de recreio. São atraídos para a beira da água pelo desejo humano natural de se refrescarem e divertirem-se com os amigos. Sem medidas de segurança adequadas ou habilidades de natação, o que começa como uma tarde alegre pode tornar-se fatal em momentos.


Precisamos de ação urgente em três frentes. Primeiro, devemos implementar serviços obrigatórios de nadadores-salvadores em todos os locais de natação populares. Segundo, precisamos de um programa nacional de educação em natação nas nossas escolas. Finalmente, devemos lançar campanhas de sensibilização pública sobre segurança na água.


O custo da inação é medido em vidas perdidas — vidas jovens cheias de promessa, como a de Chaba, interrompidas em momentos que deveriam ter sido de simples prazer. Quantas mais famílias terão de receber a notícia devastadora de que o seu ente querido foi nadar e nunca mais voltou?


De facto, a água, que os luandenses dizem que nunca perdoa, reclamou uma voz que se recusou a esquecer as suas origens, mas o legado artístico do Mano  Chaba, nascido da necessidade e não da escolha, fala de verdades que ressoam muito além das fronteiras do Paraíso. No seu bairro hoje, onde a música surge de cantos onde a esperança não deveria logicamente sobreviver, a sua mensagem persiste: que a dignidade não é determinada pela geografia, que a arte pode emergir da privação sem ser definida por ela, e que a verdadeira medida de um artista não reside em quão alto ele se eleva, mas em quão profundamente permanece enraizado no solo que o moldou.

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