A Recusa de um Indulto Presidencial: O Caso Zenu dos Santos e o Debate Jurídico em Angola- Silvana Dos Santos



No dia 27 de dezembro de 2024, escrevi um artigo intitulado “O Natal e o Drama Judicial em Angola” sobre o indulto concedido pelo Presidente da República a um grupo de prisioneiros, num gesto de clemência institucional. O anúncio incluiu nomes notórios, entre os quais o de Zenu dos Santos, figura central de um dos processos judiciais mais mediáticos da história recente de Angola. A inclusão de Zenu na lista de beneficiários despertou curiosidade e gerou controvérsia, pois, desde o início, era previsível que ele não aceitaria o benefício. A confirmação veio através da declaração pública do seu advogado, rejeitando formalmente o indulto presidencial.


Este pronunciamento deu início a um debate aceso na esfera pública e jurídica, com vários advogados de renome a manifestarem opiniões divergentes. Contudo, a análise de algumas dessas posições revelou uma surpreendente falta de rigor jurídico, especialmente entre aqueles que afirmaram que o indulto é de aceitação obrigatória pelo beneficiário. Este artigo tem como objectivo esclarecer, com base nos princípios jurídicos vigentes em Angola, o que é um indulto e quais os direitos do beneficiário, abordando também o impacto do caso Zenu dos Santos na prática jurídica do país.



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O Que é o Indulto?


O indulto é uma medida de clemência concedida pelo Chefe de Estado com o objectivo de extinguir ou reduzir penas impostas pelo sistema judicial. Trata-se de um acto soberano de carácter humanitário, previsto na Constituição da República de Angola e no Código Penal Angolano.

Constituição de Angola: O artigo 127.º, alínea h), atribui ao Presidente da República a prerrogativa de indultar e comutar penas.

Código Penal Angolano (Lei n.º 38/20): Refere-se à extinção da pena por meio de indulto, sendo mencionado como uma das causas que terminam a execução de penas privativas de liberdade.

A aplicação do indulto também encontra paralelos em ordenamentos jurídicos como os de Brasil e Portugal, entre outros países de tradição civilista. Em todos estes contextos, o indulto visa promover a reintegração social ou reconhecer circunstâncias que justificam um perdão parcial ou total da pena.


Formas de Indulto na Legislação Angolana.


1. Indulto Colectivo:

Concedido a um grupo de pessoas que se enquadram em critérios previamente estabelecidos, como idade avançada, doenças graves ou cumprimento parcial da pena. O indulto natalício é um exemplo típico. Embora este tipo de indulto seja aplicado automaticamente, o beneficiário pode recusá-lo formalmente, seja por razões pessoais, estratégicas ou jurídicas.

2. Indulto Individual (ou Graça Presidencial):

Trata-se de um perdão concedido a uma pessoa específica, geralmente devido a circunstâncias particulares do caso. A aceitação deste indulto depende expressamente da vontade do beneficiário, que pode recusá-lo por motivos diversos.


A recusa de um indulto baseia-se no princípio da autonomia individual e no direito de defesa. O beneficiário tem plena liberdade para rejeitar o benefício, especialmente quando a sua aceitação pode implicar o reconhecimento implícito de culpa ou prejudicar estratégias jurídicas em curso.


Motivações para a Recusa do Indulto

Preservação da Reputação: Para muitos condenados, aceitar o indulto é interpretado como uma admissão de culpa, mesmo que seja um acto de clemência e não de responsabilidade penal.

Continuidade de Recursos Judiciais: A aceitação do indulto pode extinguir processos judiciais em andamento, inviabilizando a possibilidade de revisão da sentença e, consequentemente, a declaração de inocência.

Motivações Políticas ou Pessoais: Figuras públicas ou pessoas com fortes convicções podem recusar o indulto como uma demonstração de integridade ou resistência a acusações consideradas injustas.

Em Angola, a recusa do indulto deve ser formalizada através de um requerimento dirigido à autoridade judicial responsável pela execução da pena. Este documento deve expressar, de forma inequívoca, a intenção do condenado de continuar a cumprir a sua pena.


Zenu dos Santos recusou o indulto presidencial alegando que aceitá-lo seria admitir implicitamente as acusações feitas contra si. O caso de Zenu é marcado por alegações de irregularidades processuais e atropelos à lei, que levantam dúvidas sobre a imparcialidade do julgamento. Desde Abril de 2024, o Tribunal Supremo tem falhado em implementar a decisão do Tribunal Constitucional, que ordenou a reanálise do processo. Essa demora reforça as críticas à aplicação selectiva da justiça no país.


A recusa de Zenu trouxe à tona fragilidades no entendimento jurídico de alguns advogados e formadores de opinião. Ao defenderem a obrigatoriedade de aceitação do indulto, evidenciaram uma interpretação incorrecta do quadro legal. Essa postura levanta questões sobre a qualidade do debate jurídico e a responsabilidade dos profissionais do Direito em informar correctamente a população.


O caso Zenu dos Santos destaca a necessidade de maior clareza e rigor no exercício da advocacia em Angola. A controvérsia em torno da recusa do indulto revela lacunas no entendimento dos direitos fundamentais e na aplicação do princípio da legalidade. Advogados e juristas devem priorizar a transparência e o conhecimento técnico, evitando declarações que confundam o público ou contribuam para a desinformação.


Além disso, o caso evidencia a importância de fortalecer as instituições judiciais, garantindo que as decisões sejam cumpridas em tempo útil e respeitando os direitos dos condenados. Uma justiça eficaz e imparcial é essencial para consolidar o Estado de Direito em Angola.


O indulto é um acto de clemência, não de submissão. O direito à recusa, como no caso de Zenu dos Santos, é uma garantia fundamental que preserva a dignidade e a autonomia do indivíduo. Este caso serve como um alerta para a necessidade de maior rigor na interpretação e aplicação da lei em Angola, bem como para o fortalecimento das instituições jurídicas do país.

Silvana Dos Santos



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