A areia assentou, o Natal passou. É altura de perceber melhor o que de facto aconteceu no recente Congresso Extraordinário do MPLA e as suas implicações.
É um facto que João Lourenço ganhou o Congresso: mudou o que quis, como quis e quando quis. Os estatutos foram revistos, umas pessoas foram nomeadas, outras defenestradas. E, aparentemente, Lourenço reforçou os mecanismos de controlo do partido, tendo nomeado o general Pedro Neto para a comissão de disciplina. A oposição interna terá de buscar outras formas, menos partidárias e mais civis, para manter a sua chama, uma vez que as vias internas ficaram bastante condicionadas.
Contudo, esta vitória pode assemelhar-se àqueles magnificentes castelos de areia feitos à beira-mar: são uma maravilha até vir uma onda que em segundos arrasa tudo. Os unanimismos nos partidos, sobretudo naqueles que têm uma matriz estrutural nascida do marxismo, desvanecem-se com muita facilidade. Lembremo-nos do modo como Nikita Khrushchov, sucessor de Estaline, o denunciou de forma intensa no famoso discurso secreto de 1956. Os mesmos que aplaudiam unanimemente Estaline uns poucos anos antes, agora aplaudiam Khrushchov a vergastar Estaline. Nem dez anos depois, correram alegremente com o mesmo Khrushchov do poder, para deixar entra Brejnev e outros. E assim foi, até que o Partido Comunista da União Soviética se esboroou sob o peso da sua ineficácia e do seu desprezo pelos anseios materiais do povo. Em Angola, a mudança de José Eduardo dos Santos para João Lourenço não foi diferente. Os que aplaudiam o camarada Zedu rapidamente o mandaram embora e comemoraram João Lourenço.
Fisioterapia ao domicílio com a doctora Odeth Muenho, liga agora e faça o seu agendamento, 923593879 ou 923328762
É aqui que entra o que João Lourenço não ganhou com o Congresso. O que não ganhou com o Congresso foi o povo. Já não basta ganhar o MPLA, é preciso ganhar o povo. Norberto Garcia, assessor presidencial, terá reconhecido isso de forma corajosa quando afirmou que o povo está cada vez menos com o MPLA porque o partido não tem sabido materializar os sonhos das pessoas.
Assim, o Congresso pode ter sido a vitória de Pirro de João Lourenço. Pirro foi um rei da Antiguidade grega que combateu os romanos e ganhou uma grande batalha. Porém, depois dessa batalha, consciente da realidade, perante um indivíduo que se lhe demonstrou efusivo pela vitória, Pirro terá respondido que mais uma vitória como esta o arruinaria completamente: havia perdido uma parte enorme das suas forças, incluindo quase todos os seus amigos íntimos e principais comandantes; não havia outros homens para formar novos recrutas. Do outro lado, como que numa fonte constantemente fluindo para fora da cidade, o acampamento romano era preenchido rápida e abundantemente por novos recrutas, e ninguém ali se deixava abater pela derrota sofrida, antes extraíam da sua ira novas forças e determinação para seguir adiante com a guerra.
Podemos facilmente comparar os romanos ao povo angolano, que, como refere Norberto Garcia, espera ansiosamente por cumprir os seus sonhos.
O Congresso deveria ter sido um momento de abertura e renovação estrutural do partido. Além das pessoas, deveriam ter sido lançadas novas ideias, novos programas, novos desafios. Preferencialmente, até uma nova denominação e simbologia. Teria igualmente sido amplamente justificado uma chamada à participação da sociedade não filiada no partido, para obter o seu contributo. Professores, médicos, juristas, economistas, engenheiros, artistas, jornalistas, activistas cívicos, membros de Igrejas, todos poderiam ter beneficiado o partido se tivessem estado presentes e dado as suas opiniões, se tivessem apresentado os seus diagnósticos, realizando uma actualização capaz, um aggiornamento (modernização), como se dizia no Vaticano, quando o papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II para modernizar a Igreja Católica.
Infelizmente, nem novas ideias, nem sociedade, nem modernização — nada disso surgiu no Congresso Extraordinário do MPLA.
O MPLA está a perder a sua base de apoio e, se não tentar aumentá-la, não conseguirá ganhar mais eleições. Não basta deter as alavancas do poder — é preciso contar com uma massa popular suficiente e motivada para apoiar o partido. O passado do MPLA não é o penhor do futuro, já não serve para legitimar o poder. Esgotou-se. Portanto, a mensagem silenciosa que sai do Congresso não é a nomeação de fulano ou sicrano, mas sim um ostensivo ignorar da necessidade premente de olhar para o povo e de se abrir à sociedade. O MPLA continuou no seu processo de divórcio do povo.
Maka Angola
Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação
0 Comentários