LINHAS GERAIS DE UMA REVISÃO CONSTITUCIONAL



A Constituição de 2010 não foi uma Constituição feliz. Em primeiro lugar, resultou de uma imposição do partido então largamente maioritário, não obtendo consenso across the aisle (entre ambos os partidos mais relevantes). Em segundo lugar, os ilustres constituintes, ao adoptarem um sistema presidencial próximo do americano, apenas leram uma página do livro – aquela que confere amplos poderes ao presidente –, esquecendo-se da segunda página – aquela que cria vários mecanismos de controlo e fiscalização do presidente. O resultado foi a criação de um sistema em que o presidente é equiparado a um super-homem (ou super-mulher) responsável por tudo, o que corre bem e o que corre mal. No final, este sistema não é sequer bom para o próprio presidente, como se viu com José Eduardo dos Santos, que sucumbiu ao peso do cargo e deixou o Estado descontrolar-se, e agora com João Lourenço.

Certamente por ser evidente a inadequação da Constituição à realidade necessária para Angola, surgem de vários quadrantes apelos a uma revisão constitucional profunda.

Adalberto Costa Júnior tem defendido  (https://www.dw.com/pt-002/l%C3%ADder-da-unita-defende-alargada-revis%C3%A3o-constitucional/a-67013874)“uma alargada revisão constitucional”, Higino Carneiro, pré-candidato à presidência do MPLA, também (https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=54458:higino-carneiro-prepara-comunicacao-a-nacao-para-anuncia-reformas-constitucionais&catid=11:foco-do-dia&lang=pt&Itemid=1072). Muitos outros políticos, académicos e membros activos da sociedade partilham da mesma opinião.


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Obviamente, quando hoje se fala em revisão constitucional pensa-se na possibilidade de um terceiro mandato para João Lourenço. Temos sérias dúvidas das possibilidades constitucionais e sociopolíticas de uma revisão que apenas se debruce sobre esse tema.

Em primeiro lugar, do ponto de vista jurídico-constitucional, estaríamos, muito provavelmente, perante uma revisão constitucional inconstitucional (sobre este tema, ver Yaniv Roznai, Unconstitutional Constitutional Amendments. The Limits of Amendment Powers, Oxford, 2019). Na verdade, pode-se considerar que há determinados princípios constitucionais tão fundamentais que têm um estatuto supraconstitucional e, por isso, não podem ser revistos, a não ser que se assuma uma ruptura constitucional. Isto é, a não ser que a actual Constituição fosse abolida e se elaborasse uma Constituição totalmente nova. Este é simultaneamente o acto mais contrário ao Direito e mais afirmativo do Direito. Termina uma ordem jurídica e cria outra ordem jurídica.

Em segundo lugar, do ponto de vista sociopolítico, não existe, neste momento, um consenso suficiente para sustentar tal mudança “a seco”. Mesmo que as redes sociais não reflictam o sentir exacto do país, mesmo que as elites falantes não sejam o espelho da vontade popular, parece certo não haver um movimento suficientemente alicerçado na sociedade para levar a cabo uma revisão constitucional que se limite a dar a oportunidade de um terceiro mandato.

Um caso diferente seria ponderar a revisão constitucional com vista a alterar a estrutura de governação política. Nesse cenário, há pelo menos três linhas de revisão constitucional a considerar.

Uma primeira linha de revisão constitucional poderia diferenciar as eleições presidenciais das eleições parlamentares, passando a haver eleições distintas para estes órgãos. Uma eleição directa para o presidente da República e uma eleição directa para a Assembleia Nacional. Eleições separadas podem ajudar a garantir um equilíbrio de poder entre o Executivo e o Legislativo, evitando a concentração excessiva de poder num único partido ou grupo, e podendo cada pessoa ser eleita com base nos seus próprios méritos e qualificações, promovendo uma maior independência entre os detentores de poder. A existência de eleições em momentos diferentes permite também que o sistema político responda de forma mais flexível a crises ou mudanças nas circunstâncias políticas e económicas.

Uma segunda linha dessa revisão constitucional poderia diferenciar as atribuições do presidente da República das do primeiro-ministro, criando um sistema “à francesa”, modelo que, apesar de neste momento atravessar alguns problemas em França, funcionou bem desde 1958. Neste sistema, o presidente da República tem poderes, encarna a Nação, mas dedica-se sobretudo a questões de relações externas, defesa e segurança. Já o primeiro-ministro seria o responsável pela política interna, designadamente a gestão económica e a promoção do sector social. Não se pretende reeditar as Leis Constitucionais de 1991/1992, em que o primeiro-ministro era essencialmente uma figura decorativa; pelo contrário, pretende-se dar um passo em frente, atribuindo ao primeiro-ministro responsabilidades específicas, pelas quais teria de responder.

Uma outra linha da revisão constitucional assentaria na possibilidade de haver candidaturas independentes à Presidência da República, permitindo que grupos de cidadãos se organizassem nesse sentido. Os candidatos independentes podem trazer novas ideias e abordagens que não estejam vinculadas às plataformas dos partidos tradicionais e sem a pressão de se alinharem com uma agenda partidária. Podem focar-se mais no interesse público e menos em interesses partidários. A realidade é que as candidaturas independentes podem atrair eleitores que se sentem desiludidos com os partidos tradicionais, aumentando a participação cívica e, possivelmente, promovendo uma imagem de integridade e independência, ganhando a confiança dos eleitores que buscam  alternativas aos partidos tradicionais.

Estas linhas de força, entre muitas outras, deveriam orientar uma revisão constitucional, que é na verdade necessária e urgente. Assim se evitaria a criação de bloqueios ao sistema político e outros acontecimentos semelhantes aos que têm assolado Moçambique.

Rui Verde/ Maka Angola


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