O aterro sanitário dos Mulenvos, em Luanda, tornou-se um destino desesperado para muitas pessoas em busca de alimento. Crianças, jovens e adultos escalam montanhas de lixo, que chegam a 15 metros de altura, na esperança de encontrar algo que alivie a fome. A cena é comum: sacos de plástico e outros materiais são levados por aqueles que veem no lixo uma oportunidade de sobrevivência.
Na quinta-feira, 19, por volta das 15 horas, uma equipe de reportagem do Valor Económico visitou o aterro para observar a realidade das centenas de angolanos que dependem desta prática. O acesso ao local, embora guardado por uma empresa de segurança e pela Polícia Nacional, não é difícil. O cheiro nauseabundo se intensifica à medida que se aproxima do topo, onde pessoas sem proteção buscam restos de alimentos e materiais recicláveis.
Um jovem, que se dedicava à coleta de cobre, comentou que o que conseguia era vendido para sustentar sua família. No espaço chamado “lixo bom”, onde são descartados alimentos estragados, a situação é ainda mais alarmante. Crianças e adolescentes, muitas vezes sem supervisão, escalam caminhões em movimento para garantir o que podem. A reportagem flagrou a movimentação de sacos de alimentos expirados, que são guardados por seguranças e, em muitos casos, revendidos nos mercados locais.
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Os grupos de coleta, organizados em turnos de 24 horas, foram uma resposta à crescente demanda. Atualmente, os cidadãos são divididos em quatro grupos, liderados por moradores de bairros vizinhos. Contudo, regras rígidas são impostas: alimentos enlatados e outros itens específicos são confiscados pelos seguranças, que alegam ter direitos sobre esses produtos.
A equipe de reportagem ouviu relatos sobre os perigos enfrentados pelos coletadores. Embora todos reconheçam os riscos à saúde, a necessidade de alimento fala mais alto. Um jovem, que vive há dois anos da coleta, comentou: “Estamos aqui porque não há trabalho, a vida está difícil.”
Um atentado à saúde pública
O aterro sanitário dos Mulenvos levanta sérias questões de saúde pública. O lixo é queimado a céu aberto, a poucos metros de residências, e a falta de saneamento básico agrava a situação. Especialistas alertam para os riscos de doenças como tétano, malária e febre-tifóide, que afligem a população local.
Jeremias Agostinho, especialista em saúde pública, afirmou que a forma como o aterro opera é um "atentado à saúde". A mistura e queima de resíduos, especialmente em épocas chuvosas, contribuem para a contaminação das águas subterrâneas, essenciais para a comunidade.
Adriano Manuel, médico, acrescentou que o lixo hospitalar misturado ao lixo comum eleva ainda mais o risco de doenças infecciosas, como hepatites, que podem ser transmitidas pelo contato com os resíduos.
A solução para os resíduos
Vladimir Russo, ambientalista, argumenta que os aterros já não são uma solução viável para a gestão de resíduos sólidos. Ele defende a criação de centrais de valorização de resíduos, que transformariam o lixo em biogás e outros produtos, evitando a queima e a poluição resultante.
A falta de monitoramento e controle sobre a gestão de resíduos no país é alarmante. Apesar da existência de legislação, a prática continua a colocar em risco a saúde pública e o meio ambiente, revelando a urgência de uma resposta efetiva das autoridades.
Esta realidade, que se repete diariamente, exige não apenas atenção, mas ações concretas para garantir a dignidade e a saúde dos cidadãos que sobrevivem em meio ao lixo.
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