É irônico, para não dizer trágico, ver o Presidente João Lourenço, representante de um regime que há quase cinco décadas governa Angola com mão de ferro, discursar com eloquência sobre a fome e a pobreza no G20. Fala de forma erudita sobre solidariedade global, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza, enquanto a realidade angolana contradiz cada palavra dita em solo brasileiro.
João Lourenço começou agradecendo ao presidente Lula e exaltando a criação de uma “Aliança na Luta contra a Fome e a Pobreza”. Como um actor experiente, ele pintou Angola como um país comprometido com a agricultura sustentável e a segurança alimentar. No entanto, nas zonas rurais angolanas, onde a fome não é conceito, mas uma sentença de morte, as comunidades continuam abandonadas, vítimas de promessas não cumpridas e de políticas que priorizam os interesses de elites em detrimento do povo.
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Ele destacou os esforços de Angola na agricultura, vangloriando-se de terras férteis e vastas reservas de água. Mas esqueceu de mencionar que essas riquezas naturais frequentemente beneficiam investidores estrangeiros e empresários ligados ao regime, enquanto os pequenos agricultores, verdadeiros heróis da segurança alimentar, sobrevivem com enxadas desgastadas e sem acesso a crédito ou tecnologia.
O discurso também exaltou projectos de mitigação da seca no sul de Angola, como o canal do Cafu e futuras albufeiras. Certamente, essas iniciativas são positivas, mas é importante lembrar que o sul do país viveu décadas de negligência antes de finalmente atrair alguma atenção estatal. Além disso, esses projectos se tornaram vitrines para o marketing político, sem resolver o problema sistêmico da má gestão hídrica e da corrupção que drena os recursos alocados para tais obras.
E o que dizer do programa KWENDA, comparado ao “Bolsa Família” brasileiro? João Lourenço apresenta-o como uma solução temporária para a pobreza, mas omite que muitos angolanos veem esses auxílios como esmolas que não atacam a raiz do problema. A perpectuação da pobreza em Angola não é fruto apenas de fenômenos climáticos ou da história colonial, mas também de um regime que prefere distribuir migalhas a abrir mão de privilégios e promover mudanças estruturais.
João Lourenço ainda falou da combinação de esforço nacional e investimento estrangeiro para alcançar a erradicação da pobreza. Mas, em um país onde o desemprego atinge níveis alarmantes e a corrupção corrói as instituições, como confiar que essa combinação será realmente eficaz?
Por fim, ele agradeceu ao Brasil pela liderança no G20, como se a sua participação nesse palco global fosse um símbolo de credibilidade e respeito. Mas, para o cidadão angolano que acorda todos os dias sem saber se terá comida à mesa, o discurso soa vazio e hipócrita.
O palco do G20 ofereceu a João Lourenço a oportunidade de reescrever a narrativa do MPLA, mas não há retórica que apague os fatos. Fome e pobreza não se combatem com discursos elaborados; combatem-se com liderança ética, vontade política e ação concreta. Até lá, a participação de Lourenço em fóruns internacionais seguirá sendo um espetáculo: muito brilho para os olhos externos, mas vazio de substância para o povo que deveria beneficiar.
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