O professor Ismael Mateus e o ensino do Jornalismo - José Raimundo

 


Hoje, 22 de Novembro, celebra-se o Dia Nacional do Educador e propomo-nos a abordar, um pouco, a facéta de docente de alguém que muito se empenhou na formação de jornalistas no país e que, recentemente, nos deixou: o jornalista e professor Ismael Mateus. No ano de 2005, foi aberto o primeiro Curso de Licenciatura em Comunicação Social (variante jornalismo) na extinta Faculdade de Letras e Ciências Sociais (FLCS), actualmente Faculdade de Ciências Sociais (FCS), da Universidade Agostinho Neto (UAN), na altura a única pública.

Os professores Ismael Mateus, Paulo de Carvalho e Joaquim Paulo da Conceição foram os principais incentivadores para o surgimento do curso que, inicialmente, tinha algum vínculo com o então Ministério da Comunicação Social.

Os três tiveram as suas impressões no plano curricular e, inicialmente, só eram admitidos ao curso profissionais deJornalismo que estivessem no exercício da profissão.



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Inicialmente, integraram a primeira turma cerca de 50 profissionais, mas por várias razões somente concluíram a jornada os jornalistas Adão Tiago, Sandra Mainsel, Olívio Gambo, Bernardo Ventura (de feliz memória) Fernando Baxi, Ernesto Bartolomeu, João Marçal, Anaximandro Magalhães, José Raimundo, Nicolau Chimbila, Ana Pires, Agnelo Nogueira, Angélica Janota, Justino Bueth, Afonso Lumfuankenda (de feliz memória); Pertenceram também à turma, Gaspar Francisco, Lígia Mendes, Rodrigues Cambala, Venâncio Rodrigues, Analtina Dias, José da C. Zua, Hélder V. Dias, Domingos dos Santos (de feliz memória), Paulo Miranda, Carlos Queirós, Presbítero Lundange, Natacha Roberto, Luís Ribeiro, Bernadeth Horta, Manuel Chamata, José Meireles (de feliz memória), Neusa Alexandrino, Henriqueta Lopes, Florência Baltazar, Maria Goreth (de feliz memória), Maria Damião, Roque René, Isaac Canga, Nilsa Ricardo, Judith Ferreira e Heitor Lourenço (o delegado da turma). Tivemos bons professores, mas o professor Ismael pertenceu, claramente, a um grupo mais restrito que muito marcou a nossa trajectória pela universidade.

O professor Ismael, da escola de Jornalismo da Universidade de Coimbra, ensinava o Jornalismo com muito empenho, dedicação e profissionalismo. Dos estudiosos do Jornalismo e dos meios de comunicação mais citados pelo professor, destacamos Jean-Claude Guillebaud, Mikhail Bakhtin, Nelson Traquina, Dênis de Morais, Mauro Wolf, Carlos Camponez, Noam Chomsky, Marshall McLuham, Hugo Aznar, Ignácio Ramonet, Jorge Marques de Melo, Denis McQuail e Mário Mesquita. Na faculdade, o professor Ismael ministrou aulas de Análise do Discurso dos Media, Socioeconomia dos Media, Jornalismo de Investigação, Metodologia de Investigação Jornalística e Direito e Deontologia do Jornalismo, esta partilhada com o professor Carlos Baptista, jurista.

As suas aulas eram, sobretudo, do tipo expositivas modernas, em que o espaço de participação do estudante é uma preocupação do professor, diferente das aulas expositivas tradicionais em que o professor é visto como o detentor do conhecimento.


O professor tinha grande interesse em saber do nosso ponto de vista sobre o sumário em abordagem e acolhia com humildade as opiniões contrárias quando bem fundamentadas.

As disciplinas do professor eram daquelas em que os estudantes procuravam não faltar. Eram muitos e interessantíssimos os “descobrimentos”, do nosso lado, acerca da compreensão e dos fundamentos das narrativas jornalísticas. Nos exames escritos, os casos práticos eram a sua preferência, com destaque para as perguntas situacionais, em que o estudante tinha de responder, dentro de um cenário específico criado, como lidaria na condição de jornalista.

Algumas vezes, o professor permitia a consulta de bibliografia para uma fundamentação mais rigorosa, desde livros, códigos deontológicos, lei de imprensa e estatuto do jornalista.

Obviamente, uma prova com consulta não é sinónimo de prova fácil. Uma mensagem muito comum nos seus enunciados era a seguinte: “obs.: os erros retiram pontos.” Não obstante a tarimba, essa chamada de atenção requeria sempre maior cuidado do nosso lado.

Outra modalidade de prova consistia em analisar, de forma académica, uma matéria jornalística publicada por determinado meio de comunicação e, com base no aprendizado, a nossa tarefa era avaliar os aspectos técnico-deontológicos e de direito (identificação dos comunaltemente chamados “crimes de imprensa”, tais como injúria, difamação e calúnia) e propor soluções.

A propósito, o professor Ismael Mateus partilhava connosco que um dos seus maiores interesses , na academia, era estudar as áreas de intercepção entre o Jornalismo e o Direito, tendo em vista os cuidados necessários no tratamento da informação jornalística, razão pela qual insistia na necessidade de dominarmos os conceitos jurídicos referidos. O professor fez-nos notar que, muitas vezes, os cidadãos devem gozar de uma espécie de “direito ao esquecimento”. Ou seja, a possibilidade de não serem divulgadas notícias passadas (verdadeiras) negativas à sua imagem, sem motivo legítimo, protegendo-se assim a privacidade e personalidade.

Até porque, alguns casos já podem ter transitado em julgado. O “caríssimo” (uma das suas formas de tratamento predilectas) professor dismitificou muitas das nossas ideias preconcebidas de jornalistas com vários anos de tarimba, introduzindo-nos nos alicerces éticos e deontológicos da profissão. Alguns anos depois, o professor suspendeu as actividades na FLCS e assumiu novas responsabilidades no Instituto Superior Metropolitano (IMETRO), na licenciatura em Jornalismo. No IMETRO, o professor ministrou aulas de Teorias da Comunicação, Ética e Deontologia e Mutação dos Media. Em decorrência de desafios profissionais, o docente tornou a assumir novas funções, desta vez no então Ministério da Administração do Território (MAT), nomeadamente como director do Instituto de Formação da Administração Local (IFAL).

O professor Ismael foi o arguente do meu trabalho de fim de curso de licenciatura. Um dia, o professor chamou-me ao IFAL e propôs-me que fosse o seu assistente no IMETRO, desafio que aceitei, com algum receio, pois, embora com alguma experiência docente, não conhecia bem o Subsistema de Ensino Universitário. Assim entrei, por via do professor Ismael Mateus, para a docência universitária, como seu assistente. Corria o ano de 2011. Sempre tive o seu apoio na implementação de técnicas e metodologias de ensino mais adequadas ao Jornalismo e muito aprendi.

Partilhámos, ainda na qualidade de docentes e formadores, os mesmos espaços na FCS e no Centro de Formação de Jornalistas (CEFOJOR), estabelecimento de formação profissional com o qual muito colaborou, durante anos, palmilhando o país para ministrar formações sobre Jornalismo. Faz pouco mais de um mês desde o factídico 1 de Outubro. Uma coisa é uma certeza, foi-se o professor, mas outra, também uma certeza, é que ficaram as lições, ficaram as boas memórias, ficou o legado.


Muito obrigado, “caríssimo” professor Ismael Mateus.

* Funcionário parlamentar

Jornal de Angola

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