INTERFERÊNCIA ANGOLANA NAS ELEIÇÕES MOÇAMBICANAS – LUCAS PEDRO



A recente mensagem de felicitações de João Lourenço a Daniel Francisco Chapo, candidato da FRELIMO, pela sua vitória nas eleições moçambicanas, poderia ser vista, em tempos mais transparentes, como um gesto diplomático comum. No entanto, o contexto conturbado em que o elogio foi emitido coloca a saudação num ângulo irónico e sombrio.


Em plena controvérsia sobre a validade do processo eleitoral moçambicano – com acusações de manipulação de votos e recurso de contestação por parte da oposição –, a decisão do Presidente João Lourenço em parabenizar Chapo por uma vitória “exemplar” levanta uma questão inquietante.


O que realmente significa “exemplar” aos olhos de regimes que resistem à alternância de poder?


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Em Angola, o MPLA e o próprio Presidente têm um histórico notório de intervenção directa na Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Este órgão, que deveria ser um bastião da neutralidade e da justiça eleitoral, opera sob a influência do partido no poder, negando a independência que os angolanos vêm pedindo há anos.


Em vez de ser um órgão ao serviço da nação, a CNE torna-se frequentemente num meio de perpetuação do partido no poder, impedindo qualquer movimento em direcção a uma verdadeira democracia.


Num exercício de cinismo quase teatral, João Lourenço envia uma mensagem de "confiança" no processo eleitoral moçambicano, ignorando as evidências gritantes de irregularidades, reconhecidos pelos próprios observadores internacionais no local.


O partido PODEMOS, que recorreu ao Conselho Constitucional de Moçambique com 300 quilos de provas documentais, afirma que a contagem de votos do seu lado aponta para uma vitória clara do seu candidato, Venâncio Mondlane, com mais de 53% dos votos.


Contrariamente, a Comissão Nacional de Eleições de Moçambique, com resultados que soam como música aos ouvidos da FRELIMO, declara que Daniel Chapo venceu com 70,67% dos votos.


Curiosamente, esses números parecem ter sido acolhidos com naturalidade por João Lourenço, talvez por ver neles um reflexo das práticas familiares de Angola, onde "quem conta os votos" importa mais do que "quem vota".


Esse reconhecimento imediato da "legitimidade" do processo eleitoral moçambicano reflecte, na verdade, uma profunda cumplicidade entre regimes que partilham uma visão peculiar de democracia. Para o MPLA, que há décadas monopoliza o poder em Angola, a alternância não é uma possibilidade; é uma ameaça.


Ao parabenizar um processo tão controverso em Moçambique, João Lourenço oferece mais do que apoio ao governo moçambicano. Ele reforça a própria narrativa de que o mais importante é manter o controlo, não ouvir os gritos da população.


Este tipo de solidariedade entre regimes autoritários é tudo menos inofensivo. Ao respaldar publicamente uma eleição que enfrenta forte oposição interna e acusações de fraude, Angola legitima a ideia de que eleições podem ser vencidas, não pelo voto popular, mas pelo controlo dos órgãos que determinam e interpretam os resultados.


A mensagem subliminar que transparece é que, quando se trata de poder, a democracia é um conceito flexível, moldado conforme as necessidades do momento. Já que, como afirmou no passado o malogrado antigo Presidente José Eduardo dos Santos, "[a democracia] nos foi imposta".


A atitude do MPLA em Angola é um retrato de como a democracia pode ser disfarçada. Embora existam eleições, estas raramente produzem mudanças reais, e a estrutura de poder permanece impenetrável, independentemente da vontade expressa nas urnas.


No caso angolano, a Comissão Nacional Eleitoral é mantida sob a tutela do MPLA, que se recusa a permitir uma reforma que assegure a total independência do órgão. Ao manipular a composição da CNE e rejeitar uma distribuição equitativa de comissários, o MPLA garante que qualquer “vontade popular” é, antes de tudo, ajustada aos seus interesses.


Assim, ao ver o Presidente angolano elogiar as eleições em Moçambique como se fossem uma aula de democracia, os angolanos talvez enxerguem mais um aviso do que uma lição. Ou seja, em 2027 teremos mais uma "surpresa que vai nos surpreender", como se diz na gíria angolana.


Para os cidadãos de ambos os países, este tipo de “elogio” representa um espelho deformado de uma democracia onde a aparência de legitimidade é cultivada à custa da integridade eleitoral.


Em última instância, a mensagem é clara: os regimes que controlam as instituições, as leis e a contagem dos votos podem fazer qualquer eleição parecer justa, ainda que a justiça esteja ausente.


Para Angola, a implicação de tal reconhecimento é também uma forma de autolegitimação. Felicitar Moçambique é, de certo modo, justificar as próprias práticas: se todos os vizinhos o fazem, por que não o MPLA?


A falta de alternância em Angola transforma-se, assim, em algo "normal", e a mensagem transmitida aos eleitores é que as mudanças desejadas dificilmente virão das urnas.


A celebração de resultados duvidosos em países vizinhos cria uma rede de validação mútua, onde cada regime autoritário se apoia no outro, mascarando a fragilidade de sua democracia por meio de gestos diplomáticos.


Portanto, longe de ser um simples gesto diplomático, a mensagem de João Lourenço a Daniel Chapo é um lembrete do jogo de espelhos em que estas nações se encontram. É um jogo perigoso, onde as aparências de democracia são mantidas, mas a essência está longe de ser genuína.


A verdadeira democracia depende da alternância, do respeito à vontade popular e da independência das instituições – valores que, ao que parece, não têm lugar neste modelo de poder contínuo e inabalável que Angola e Moçambique exibem como exemplo.

Imparcial Press 

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