A credibilidade da justiça angolana entre as nações - Rui Verde



Por duas vezes, em locais solenes (Assembleia-Geral da ONU e Assembleia Nacional de Angola) e de forma incisiva, o presidente da República, João Lourenço, vergastou as nações estrangeiras por não cooperarem devidamente com Angola na recuperação de activos provenientes da corrupção. João Lourenço apresentou como excepção a Inglaterra, mas, implicitamente, incluiu, provavelmente, na sua crítica países como Portugal, Suíça, Espanha, Emirados Árabes Unidos e Singapura, entre outros.

É verdade, que a Inglaterra, findo o seu sonho imperial, vê-se agora como uma referência para o mundo em termos de boa aplicação da lei, com um poder judicial independente, íntegro e competente, e, tenta libertar-se da fama de ter sido um paraíso financeiro para os desmandos dos oligarcas russos. Os outros países não têm as ambições pós-imperiais de Inglaterra, nem uma imagem global a corrigir e, por isso, preocupam-se, sobretudo, em não perder activos relevantes para a sua economia. O caso português é singular, pois não hostiliza Angola, mas também não avança, na atitude pantanosa habitual do seu sistema judicial. Diz que faz, mas não faz, refugiando-se em formalismos exagerados.

Portanto, o facto é que assiste razão a João Lourenço quando afirmou no seu discurso do estado da nação, em 15 de Outubro passado: “É hora de exigir que os vários Estados que foram os destinos dos recursos ilicitamente adquiridos se juntem ao esforço que o nosso país tem feito e disponibilizem esses recursos que pertencem ao povo angolano para que sejam colocados ao serviço da economia nacional.”



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No entanto, esta é apenas uma das faces da moeda.

A exigência do presidente da República às justiças internacionais tem como condição a credibilidade da justiça angolana. Ninguém vai entregar nada a Angola se a sua justiça não for credível e não der garantias de cumprimento das normas fundamentais aceites de direito penal e dos tratados internacionais.

Quer isto dizer que o sucesso da recuperação de activos no estrangeiro começa em casa. É Angola que tem de se apresentar ao mundo com uma justiça para além de qualquer suspeita. E esse é um problema real, pois a justiça angolana tem perdido variadas oportunidades de se afirmar como credível, independente e imparcial. E cada oportunidade perdida tem sido amplificada e utilizada em tribunais estrangeiros para desqualificar a justiça angolana.

Por exemplo, o Tribunal Constitucional espanhol decidiu anular a extradição para Angola de Carlos Panzo, antigo secretário económico do presidente da República, devido a eventuais crimes de corrupção. O tribunal espanhol fundamentou a sua decisão da seguinte forma: “No parece posible entender que en el órgano competente para formular las demandas de extradición de la República de Angola se cumplan los estándares de independencia del poder ejecutivo a que hemos hecho referencia anteriormente.” [Não parece possível compreender que o órgão competente para formular os pedidos de extradição da República de Angola cumpra os padrões de independência do poder executivo a que nos referimos anteriormente.]

Igualmente, na Suíça, os advogados de Carlos São Vicente deram nota de que um tribunal suíço decretou a suspensão da cooperação com as autoridades judiciais angolanas, devido à falta de imparcialidade no processo judicial contra o seu cliente.

Torna-se evidente que existe um problema de percepção internacional que tem de ser confrontado.

À anunciada iniciativa política e legal de combate à corrupção não tem correspondido uma actuação sistemática, imparcial e determinada da Procuradoria-Geral da República (PGR). E, isso, obviamente, levanta dúvidas e dá argumentos aos tribunais estrangeiros para não confiarem nas autoridades judiciárias angolanas.

Os casos inexplicados que descredibilizam sucedem-se. Além de alguns mencionados neste portal recentemente, é fácil fazer uma lista não exaustiva de outros casos:

Surgiu, há uns meses, um acordo entre o Departamento de Justiça norte-americano e a empresa de consultoria Boston Consulting Group (BCG) [filial de Portugal] referente a actos de corrupção em Angola. O acordo foi público e divulgado, os factos bastante cristalinos, envolvendo o Banco Nacional de Angola e o Ministério da Economia durante a década de 2010. Aparentemente, a PGR portuguesa abriu um inquérito criminal para apurar responsáveis singulares. Em Angola, silêncio da PGR.
Em tempos, a propósito de eventuais suspeitas sobre o presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, o presidente da República disse, e citamos: “Alguma suspeição paira também no Tribunal Supremo estando o Ministério Público a trabalhar no apuramento da verdade dos factos.” E, nessa sequência, pediu que se aguardasse pela conclusão do inquérito e não se retirassem conclusões precipitadas. Isto ocorreu em Março de 2023. Também até hoje não houve conclusão de eventual inquérito. Nem acusação, nem arquivamento. Mais um silêncio.


Não vale a pena falar dos processos em relação a Isabel dos Santos. Em primeiro lugar, porque em Angola há apenas há um processo com acusação deduzida, o qual não saiu dessa fase. Tanto quanto se percebe, nem em instrução contraditória entrou. Lembremo-nos de que em Janeiro deste ano o procurador-geral-adjunto da República, Pedro Mendes de Carvalho, anunciou que o julgamento poderia começar em Março de 2024. O tempo passou e o que temos, como habitualmente, é silêncio.


No princípio de 2022, foi noticiado que a PGR de Angola abrira um inquérito à compra de um edifício pelo ministro dos Transportes a um amigo, resultado de uma denúncia feita pelo responsável do Maka Angola. Mais tarde, insinuou que poderia ser arquivada. Possivelmente até foi, mas não há conhecimento público de nada.
Em Julho deste ano, o procurador-geral afirmou, a propósito de uma eventual acusação a Exalgina Gamboa, antiga presidente do Tribunal de Contas: “Estamos a trabalhar para que o processo [por tentativa de extorsão e corrupção] siga para o tribunal, ainda não foi, mas está tudo pronto para isso.” De novo, não há notícia de que o processo tenha seguido os seus trâmites.

E há, agora, o caso Eduarda Rodrigues. A sua exoneração não foi um acto normal e previsível. Logo após a mesma, surgiram advogados responsáveis a contar histórias sobre eventuais actos de tentativa de extorsão (Carlos São Vicente), abuso de poder e coacção (generais Kopelipa e Dino, Manuel Rabelais) com inúmeros factos detalhados pelo advogado João Gourgel em recente entrevista. Os factos podem ter acontecido como os advogados contam, ou podem ter explicações diferentes. O que não se entende, mais uma vez, é o silêncio da PGR. É evidente que tem de ser aberto um inquérito a estas alegações. A actuação de Eduarda Rodrigues à frente do SENRA tem de ser investigada. O resultado desse inquérito não é predeterminado. Repete-se, qualquer investigação pode terminar em acusação, arquivamento/absolvição. O que não pode acontecer é o nada. O silêncio.


São precisamente estes silêncios, estas omissões, que descredibilizam a justiça angolana, que a tornam vulnerável a todo o tipo de acusações, que lhe retiram autoridade internacional.

É por isso que, tendo o presidente da República razão, o primeiro passo para o sucesso das investidas internacionais é a arrumação da casa judiciária. E o presidente Lourenço tem poderes para arrumar a casa.

Maka Angola

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