Pensar Angola nas Eleições de 2027 sem o Terceiro Mandato e a Viabilidade da Alternância de Poder em Angola surge em um momento crucial para a reflexão sobre o estado da democracia angolana e os desafios que se avizinham.
Nos últimos anos, temos presenciado um retrocesso significativo dos valores democráticos em Angola, expresso pela aprovação de um conjunto de leis que, ao invés de fortalecer, enfraquecem a cultura democrática e criam desconfiança nos cidadãos quanto à legitimidade dos processos políticos.
Desde os Acordos de Bicesse, em 31 de maio de 1991, que abriram caminho para a paz e o multipartidarismo em Angola, os cidadãos angolanos viveram na expectativa de consolidar um Estado democrático de direito. No entanto, os acontecimentos políticos recentes têm frustrado essa esperança, especialmente para aqueles que valorizam a liberdade e a justiça. Um dos pilares de qualquer regime democrático é a separação efetiva de poderes — executivo, legislativo e judiciário —, mas em Angola, observa-se a crescente subordinação do poder legislativo e judiciário ao poder executivo, comprometendo a independência dessas instituições.
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O Executivo, liderado pela Presidência, controla de forma cada vez mais direta e abrangente os outros dois poderes, resultando em uma série de legislações que restringem liberdades fundamentais e reforçam a concentração de poder. Exemplos disso são a Lei das Organizações Não Governamentais (ONGs), que limita a atuação de entidades da sociedade civil; a Lei dos Crimes de Vandalismo dos Bens Públicos, que, muitas vezes, é utilizada para reprimir protestos e manifestações; a Lei de Segurança Nacional, que define de forma vaga o que pode ser considerado uma ameaça, abrindo margem para perseguições políticas; e a recente reforma da divisão político-administrativa, que levanta suspeitas de manipulação eleitoral. Todas essas leis foram aprovadas pela Assembleia Nacional, um órgão que, na teoria, deveria fiscalizar o Executivo, mas que na prática, atua como sua extensão.
A ausência de uma separação efetiva entre os poderes, somada à existência de presos políticos cujo único “crime” foi exercer direitos constitucionais como a liberdade de expressão, reforça a percepção de que o poder judiciário age de acordo com os interesses do Executivo, desvirtuando o seu papel de guardião da Constituição e dos direitos dos cidadãos. A dependência das instituições ao poder presidencial mina a confiança pública, cria desconfiança generalizada e enfraquece a própria ideia de Estado democrático de direito.
Implicações Jurídicas da Não Separação de Poderes
Do ponto de vista jurídico, a Constituição de Angola de 2010 consagra, no artigo 105.º, a separação de poderes e a independência dos órgãos de soberania. O não cumprimento desse princípio constitucional não apenas deslegitima a atuação das instituições, mas também fere gravemente o estado de direito, abrindo margem para questionamentos sobre a legalidade das ações do governo. A submissão do poder judiciário e legislativo ao Executivo compromete a garantia de direitos fundamentais, como o direito ao devido processo legal, à liberdade de imprensa e à participação política plena.
Ademais, a limitação da atuação da sociedade civil por meio da Lei das ONGs fere diretamente a Convenção Africana sobre Democracia, Eleições e Governação (CADEG), à qual Angola é signatária. Essa convenção estabelece que os Estados devem promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de associação, um direito que vem sendo restringido de forma preocupante. Da mesma forma, as novas reformas políticas e administrativas suscitam preocupações sobre sua conformidade com os princípios de transparência e justiça nas eleições, garantidos tanto pela Constituição quanto por tratados internacionais que Angola ratificou.
A Urgência de Reformas para a Alternância Democrática
A crescente centralização de poder no Executivo e o controle sobre o processo legislativo e judicial têm levado Angola a um perigoso caminho de erosão democrática. Para além do descrédito nas instituições do Estado, o povo angolano enfrenta níveis alarmantes de pobreza e desigualdade. O atual estado de miséria que afeta a grande maioria da população exige ações urgentes para reverter o curso do país. A mudança desse quadro requer não apenas uma reforma institucional profunda, mas também o fortalecimento de movimentos sociais que possam canalizar as demandas populares por justiça, equidade e respeito aos direitos humanos.
Nesse contexto, a Conferência de Lisboa propõe-se a ser um espaço para discutir estratégias de mobilização e conscientização, buscando reativar o movimento pró-alternância de poder, que ganhou fôlego em 2022, e reforçar a campanha contra um possível terceiro mandato presidencial. Embora a Constituição de Angola, no seu artigo 113.º, limite os mandatos presidenciais a dois, a atual configuração de controle sobre o Judiciário e o Legislativo levanta receios de que possa haver uma manobra jurídica ou política para prolongar a permanência do atual Presidente no poder. Este cenário coloca em risco o futuro democrático do país, exigindo que a sociedade civil, os partidos de oposição e as organizações internacionais se unam em defesa da legalidade constitucional e da alternância democrática.
Perspectivas Futuras
Angola tem diante de si dois caminhos: ou envereda por um processo de reforma democrática, que reforce a independência das instituições, promova a transparência nas eleições de 2027 e permita uma alternância pacífica e legítima do poder, ou continua no atual ciclo de concentração de poder, que inevitavelmente levará ao aumento da insatisfação popular, instabilidade social e ao isolamento internacional.
Para garantir uma transição democrática bem-sucedida em 2027, é essencial que as forças da oposição, juntamente com a sociedade civil, articulem um projeto político que promova não apenas a mudança de liderança, mas também a criação de um sistema mais equilibrado, onde a separação de poderes seja respeitada e as instituições públicas possam atuar com independência e eficiência. As lições de países vizinhos, que passaram por processos semelhantes de democratização, mostram que a pressão interna, combinada com o apoio da comunidade internacional, pode ser determinante para promover reformas estruturais.
Portanto, a Conferência de Lisboa não é apenas uma oportunidade para refletir sobre o passado e o presente de Angola, mas uma plataforma para discutir o futuro. É um chamado à ação, para que todos aqueles que acreditam na democracia unam forças em prol de um país onde a alternância de poder seja uma realidade, e não apenas uma promessa no papel.
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