Recentemente, o Departamento de Justiça (DJ) norte-americano (mais ou menos o equivalente ao Ministério de Justiça) anunciou publicamente ter decidido não acusar criminalmente, nos termos da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, de 1977, o Boston Consulting Group (BCG) – uma das grandes empresas de consultoria de gestão do mundo – relativamente a actos de corrupção praticados pela sua filial portuguesa em Angola.
A decisão do DJ foi justificada pelo facto de o BCG se ter autodenunciado, despedindo os responsáveis portugueses e comprometendo-se a devolver os ganhos (cerca de 14,4 milhões de dólares) à justiça norte-americana. Levanta-se de imediato uma dúvida: este dinheiro não deveria ser enviado para Angola?
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O cerne dos actos de corrupção praticados pelos responsáveis da BCG portuguesa em Angola dizem respeito a 11 contratos com o Ministério da Economia de Angola (MINEC) e um com o Banco Nacional de Angola, realizados entre 2011 e 2017.
Em concreto, e segundo o DJ norte-americano, os portugueses da BCG enviaram uma parte das comissões em moeda angolana para funcionários do governo angolano associados ao MINEC, em conexão com a obtenção dos contratos do BCG. Para obter tais fundos, os contratos públicos foram facturados cerca de 25% a 30% acima do valor real.
Em resumo, temos uma empresa americana cuja filial portuguesa suborna agentes públicos angolanos ligados ao Ministério da Economia para obter contratos que lhes dão um lucro de 14,4 milhões de dólares, e que são sobrefacturados em 25% a 30%.
É simples e linear. A comunicação do DJ esclarece que a não inculpação criminal da empresa não afasta qualquer investigação e procedimento criminal contra pessoas individuais, designadamente os que corromperam e os que foram corrompidos.
Não é difícil perceber por onde se pode começar a investigação, o que não significa que as pessoas que vamos apontar sejam as culpadas ou responsáveis. São, simplesmente, os pontos de partida para esclarecer a verdade.
Em Angola, durante toda esta época (2011-2017), foi ministro da Economia Abraão Pio Gourgel, hoje presidente do Conselho de Administração do Banco Yetu. Será ele a pessoa indicada para esclarecer que contratos o Ministério assinou com a BCG, quem os assinou, quem os preparou e, sobretudo, quem os negociou.
Em Portugal, também é fácil identificar alguns dos altos executivos com ligações a Angola e que abandonaram a BCG nos anos 2019 e 2020. Serão eles, igualmente, o ponto de partida para qualquer investigação.
Assim, a questão que se coloca é a de saber se a Procuradoria-Geral de Angola vai agir ou se, pelo contrário, vai repetir a comédia do caso Manuel Vicente.
Lembremo-nos de que em Portugal, numa acusação de 2017, Manuel Vicente, antigo vice-presidente da República e presidente do Conselho de Administração da Sonangol, foi incriminado como corruptor activo do procurador português Orlando Figueira.
Depois de várias peripécias processuais e da intervenção pública do próprio presidente da República de Angola, João Lourenço, que alegou estar em causa a dignidade e soberania do Estado angolano, o processo contra Manuel Vicente foi enviado para Angola em 2018…
Até hoje, a PGR angolana nem sequer produziu a acusação, colocando em causa a imagem internacional de boa administração da justiça angolana. Primeiro, foi invocada uma imunidade duvidosa; depois, o processo foi-se arrastando sem justificação aparente.
A questão não é da culpabilidade ou inocência de Vicente. Ele até pode ser inocente, mas nesse caso a justiça tem de declarar isso mesmo, absolvendo-o. Em alternativa, Vicente também pode já estar abrangido por uma das várias Leis da Amnistia que foram publicadas em Angola – mas também isso tem de ser declarado.
O que não se compreende é a inacção. E pergunta-se: será que o caso BCG vai ser alvo do mesmo tipo de inacção que manteve Vicente fora da justiça?
Também aqui temos os factos essencialmente alinhados e públicos, e uma situação envolvendo Portugal e Angola (e os Estados Unidos).
Os Estados Unidos podem avançar com o processo criminal contra os portugueses e os angolanos, atendendo à interpretação ampla que têm da sua jurisdição e da aplicação da Lei contra a Corrupção Internacional já mencionada. Contudo, o seu sistema jurídico não obriga a que tal aconteça – é uma decisão que depende da apreciação da conveniência e oportunidade avaliada pelas autoridades locais.
Já em Portugal e Angola, o princípio é outro. É sempre obrigatório agir quando há notícia de um crime. Obviamente, o anúncio do DJ é a notícia de um crime praticado em Portugal e Angola. Ambas as PGR têm o dever legal de abrir uma investigação.
Tanto quanto se sabe, em Portugal, a PGR iniciou um processo de inquérito com base no crime de corrupção no comércio internacional (Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril, versão mais recente Lei n.º 94/2021, de 21/12).
Ficam as questões: em Angola, a PGR já começou a investigação do caso BCG? Vai começar ou teremos nova inacção?E o país não vai pedir que lhe seja entregue o dinheiro sobrefacturado, que foi recuperado pelos EUA?
Maka Angola
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