À partida, ninguém deseja a guerra, todos querem a paz. Contudo, as boas intenções facilmente são ultrapassadas pela realidade no terreno.
É, claramente, o que se passa no Leste da República Democrática do Congo (RDC), mais concretamente nas províncias de Ituri, Kivu do Norte e Kivu do Sul.
Nestes espaços territoriais digladia-se uma imensidão de forças e interesses. São países como a RDC, o Ruanda, o Burundi e o Uganda, com participações marginais do Quénia, da África do Sul e, obviamente, de Angola. São forças informais, como o M23, as milícias Wazalendo (pró-governo RDC), as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FRDLR) (anti-Paul Kagame), ou as Forças Democráticas Aliadas (ADF) (terrorismo islâmico), entre cerca de cem grupos e grupúsculos. A confusão predomina.
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No entanto, há duas forças determinantes neste conflito, que pode rapidamente tornar-se uma grande guerra africana.
A primeira força são os interesses materiais: estas regiões possuem enormes recursos naturais, em particular o coltan e o cobalto (e também várias das chamadas “terras raras”), minerais fundamentais para a “transição energética” que se tornou o paradigma do Ocidente rico. A ironia é que boa parte da ecologia abraçada pelo Norte desenvolvido está a implicar a devastação e o conflito no Sul, neste caso no Leste da RDC.
Além disso, também abundam os minerais tradicionais, como o ouro, facto que beneficia o Ruanda, que, apesar de não o ter no seu território, se tornou um dos principais negociantes de ouro na região.
A segunda força é o Ruanda. Não que este país seja responsável por todos os males, mas tornou-se um exemplo de Estado musculado e em desenvolvimento que projecta a sua energia política e o seu dinamismo por toda a África. Se olharmos para o mapa, verificamos que o Ruanda actual é geograficamente minúsculo por comparação, por exemplo, com as províncias do Kivu. Estas províncias têm imensas riquezas, que o Ruanda sente que geriria muito melhor, alavancando-as em África e no mundo.
Se a geografia torna o Kivu apetecível para o Ruanda, os traços étnicos são em boa parte comuns. Os tutsi, de que Paul Kagame faz parte, existem em grande número no Kivu – designadamente, os banyamulenge, que vivem no extremo sul do Kivu e são descendentes de migrantes ruandeses, burundianos e tanzanianos, e os tutsis em Kivu do Norte (https://pt.wikipedia.org/wiki/Nord-Kivu) e na região de Kalehe em Kivu do Sul – que fazem parte da comunidade banyarwanda (https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Banyarwanda&action=edit&redlink=1). Alguns desses banyarwanda são descendentes de grupos que viveram muito antes do domínio colonial em Rutshuru – no que é actualmente território congolês. Não admiram, por isso, as notícias recentes (https://congovirtuelinfo.com/category/rdc/#google_vignette)de que mulheres e crianças ruandesas terão sido realojadas no Leste do Congo com a ajuda dos rebeldes do M23, aparentemente com vista a reforçar esta tendência.
Face ao dinamismo e às tendências expansionistas do Ruanda, a RDC é como um dinossauro em extinção: um pequeno cérebro longínquo em Kinshasa, que dista mais de 2500 quilómetros por estrada de Goma, uma das cidades-chave do Leste (o equivalente à distância entre Lisboa e Liubliana, na Eslovénia), e um enorme corpo territorial que a cabeça, pura e simplesmente, não consegue controlar.
A isto acresce que a instabilidade nesta região é do interesse de algumas elites congolesas. Desde logo, aquelas que beneficiam com o rearmamento rápido das Forças Armadas. Na verdade, a RDC registou, em 2023, o maior aumento da despesa militar a nível mundial. As despesas militares da RDC aumentaram 105%, para 794 milhões de dólares, de acordo com o relatório Trends in World Military Expenditure 2023 (https://adf-magazine.com/pt-pt/2024/05/rdc-e-sudao-do-sul-registaram-maior-aumento-das-despesas-militares-em-2023/), do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), coincidindo com o aumento das tensões com o Ruanda.
O problema é que este imenso aumento das despesas militares na RDC não correspondeu a um incremento da eficácia e das capacidades militares das Forças Armadas da RDC.
Temos conhecimento de vários relatos segundo os quais uma boa parte dos fundos militares têm sido apropriados por intermediários ou por líderes militares para outros fins. No fundo, estabeleceu-se um novo circuito de corrupção através da compra de armamento.
Ao mesmo tempo, muitos dos membros da elite congolesa beneficiarão da instabilidade no Leste, que lhes permite actuar como senhores feudais locais, usufruindo das riquezas e variadas comissões de negócios extractivos ilícitos. No final de contas, não é certo que os interesses de Estado da RDC correspondam aos interesses de algumas elites congolesas, a quem um prolongamento do conflito poderá interessar.
Não se poder olhar, portanto, para este conflito como um típico enfrentamento de dois Estados, ou como determinados grupos em conflito, em que é possível alcançar uma solução diplomática sentando pessoas à mesa. Trata-se de um puzzlede interesses e contra-interesses que se cruzam da forma mais inesperada possível.
Temos um Ruanda dinâmico e enérgico, mas demasiado pequeno para o peso que quer ter em África. Temos uma RDC disfuncional, com má governação, incapaz de cobrir todo o território com uma estrutura de Estado funcional e Forças Armadas eficazes. E temos tensões étnicas acentuadas, tentativas de repovoamento, e vários grupos e grupelhos em luta. Tudo isto no meio de fortes interesses económicos preponderantes.
Qualquer solução mais permanente implicará sacrifícios reais, e possivelmente, o uso de força ou, pelo menos, a ameaça do uso de uma força muito maior do que a ruandesa e a congolesa. Pequenos destacamentos militares de forças mal preparadas ou sem equipamento adequado, como a sul-africana, não resolvem nada.
Apenas uma ameaça de força militar de milhares de homens e material bélico, acompanhada por um treino intenso e equipamento eficaz das Forças Armadas da RDC, poderá motivar a paz. Caso contrário, não restará grande alternativa senão entregar esta região à influência do Ruanda, criando um Estado-tampão, ou uma soberania partilhada entre RDC e Ruanda, integrando as principais forças em disputa.
Neste momento
, a paz real parece só ser possível através de uma de duas vias: ameaça de intervenção militar maciça, aliada à reforma do treino, da disciplina e da operacionalidade das Forças Armadas da RDC, ou criação de uma solução política que permita governar a região com a colaboração/influência do Ruanda.
Maka Angola
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