Lourenço Compensa no Exterior Efeitos do Mau Ambiente Interno

 


O regime angolano tem praticamente garantida a eleição do país para a próxima presidência rotativa da União Africana (UA), o que, por inerência, conferirá a João Lourenço (JL) a presidência da organização. O sucesso, considerado resultado de uma intensa campanha de lobbying junto dos países africanos, faz parte de uma estratégia de afirmação externa da imagem de JL, associada a dois objectivos em especial:

Compensar e/ou tentar inverter o ambiente interno adverso a JL, alimentado pela contestação política e social que lhe é movida pela oposição e pela sociedade.

Contrariar uma eventual propagação ao plano externo do mau ambiente interno.

A eleição de Angola para a presidência da SADC, NOV. 2023, já fez parte da referida estratégia. O especial interesse com que o governo encarava tal eleição, no momento em que ocorreu, levou mesmo a diligências destinadas a levar o país a que a mesma competia, por ordem alfabética, a Namíbia, a ceder tal prerrogativa. A realização em Angola da última reunião da assembleia geral da União Interparlamentar (UIP), OUT. 2023, para a concretização da qual o governo garantiu generosas facilidades, também fez parte da mesma estratégia. A imagem internacional de JL ainda é considerada positiva, mas têm vindo a acumular-se sinais de uma provável degenerescência, provocada não apenas por reflexos da contestação política e social de que é alvo internamente, mas também por relatórios de organizações internacionais com enfoque em realidades como a violação de normas do estado de direito, desrespeito de direitos humanos e práticas repressivas.



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A reputação de que JL goza na maior parte das embaixadas de países da União Europeia (UE) em Luanda mais atentos à situação em Angola não é favorável – evidência baseada em relatos fiáveis de conversas privadas dos respectivos embaixadores e/ou do conhecimento do conteúdo de reuniões de concertação comunitária destinadas a definir posições comuns, nas quais são trocadas impressões sobre a situação no país.

Os juízos negativos ou pouco positivos que os referidos diplomatas fazem de JL aparentam fundar-se em análises que em geral apontam a maneira como o mesmo tem vindo a desempenhar o cargo presidencial como uma das causas do estado de crise em que o país se encontra. Supõe-se que as referidas análises são influenciadas por contactos que cultivam com meios da oposição e da sociedade, bem como por avaliações dos oficiais de informações que as embaixadas albergam.

A hipótese de as políticas dos governos europeus para Angola virem a ser condicionadas por efeito de avaliações das suas embaixadas no país é, porém, considerada “muito remota” por habilitados analistas internacionais. O seu ponto de vista é o de que a grandeza dos interesses económicos e políticos desses mesmos países tenderão sempre a levá-los a contemporizar com quem está no poder – o que confere ao regime de JL uma vantagem geopolítica. A elevada taxa de impopularidade interna de JL, amiúde assinalada em análises de situação, terá contribuído decisivamente para o reconhecimento da inexistência de condições para “tentar” um prolongamento do seu mandato como PR devido a fenómenos associados à mesma (AM 1460).

A actual crise social apresenta “tendências de agravamento” capazes de vir a conduzir a reacções “extremadas”. É cada vez mais frequente o conhecimento de casos de desespero na população trabalhadora, do mesmo modo que se avoluma na mesma uma consciência de protesto. O crescimento do desemprego, provocado pela falência de empresas, está a agravar a situação (AM 1454).

A sociedade civil, é o foco da contestação a JL que mais tem vindo a expandir e a afirmar-se, aproximando-se assim à própria oposição. Entre as instituições mais activas avultam igrejas, meios universitários, ordens profissionais, colectivos liberais, sindicatos, associações cívicas e ONG de carácter social ou cultural. As influências que no passado o regime exercia sobre as mesmas têm vindo a esbater-se ou mesmo a dar lugar a manifestações de rejeição.

O foco de contestação a JL que mais o inquieta e mais atenções lhe merece por também ser considerado o mais delicado, é, porém, o constituído por meios e correntes do MPLA e do regime. Por reflexo do conhecimento que os seus protagonistas têm da natureza do regime, em especial da maneira como “pune” actos ou comportamentos vistos como desleais, a sua intervenção é sigilosa ou discreta. São vistas como manifestações ilustrativas dos “especiais cuidados” com que JL encara os focos de contestação interna à sua pessoa, medidas como as seguintes:

Recorrentes mudanças de responsáveis de instituições críticas do Estado, mas também de órgãos de direcção do partido, em geral ditadas por suspeitas de quebra de lealdade.

Reorganização do aparelho de segurança, com fito aparente específico de controlar/vigiar adversários.

Redução do acesso a JL a pessoas da sua inteira confiança.

As referidas mudanças de responsáveis, não resumidas a actos de exoneração/nomeação, mas também a outros de pendor “marginalizador”, têm na sua maior parte ocorrido nas Forças Armadas (FA), Polícia, e aparelho de segurança, mas também no governo, administração pública em geral, órgãos do partido e até no corpo das autoridades tradicionais.

Ao contrário, responsáveis que em circunstâncias diversas são publicamente postos em causa por razões como falta de idoneidade ou de competências, mas gozam da confiança pessoal de JL são por via de regra mantidos nos cargos. Os casos apresentados como mais paradigmáticos são os do presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo; o director de gabinete de JL, Edeltrudes Costa e o ministro dos Transportes, Ricardo Viegas de Abreu. Nenhum oficial oriundo da UNITA ocupa agora qualquer posto de chefia ou comando nas FAA. Foram removidos por alegado temor do regime de JL de que pudessem vir a ser “contagiados” pelo ambiente de contestação ao mesmo, para o qual decisivamente contribui a oposição que lhe é movida pela actual direcção da UNITA. O último a ser removido foi o Gen. Artur Vinama, que exercia o cargo de adjunto do CEMGFA.

O estado de crise em que o país se encontra, incluindo riscos de instabilidade política, é especialmente embaraçoso para JL por ser geralmente visto como uma realidade contrária àquela com que se comprometeu na sua campanha eleitoral, a isso tendo ficado a dever a sua eleição, mas também porque o desfavorece notoriamente em comparação com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos.

A contestação a JL é alimentada por elementos no essencial relacionados com a sua governação do país, considerada inepta, mas também com traços do seu carácter, considerados desajustados da magistratura que exerce. Entre os “males” associados à sua governação avultam a corrupção, na sua expressão mais alta beneficiando pessoas a ele ligadas, bem como o reforço do pendor controlador e repressivo do seu regime. Informações consistentes indicam que o governo procedeu recentemente a uma grande encomenda de material destinado à PIR, um corpo especial de Polícia, normalmente empregado no controlo e repressão de manifestações públicas. Uma das especificidades comuns ao material encomendado (viaturas semi-blindadas de transporte, sistemas de interceção de comunicações, drones e explosivos de dispersão de multidões) é a da sua utilização em acções de vigilância e controlo.

África Monitor

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