A UNITA, maior partido político na oposição angolana, considerou hoje, durante apresentação da Declaração Política no âmbito da aprovação da Conta Geral do Estado 2022, que a apreciação deste exercício apenas em Agosto de 2024, isto é, fora dos prazos legais, não tem impacto no quadro da responsabilização na gestão financeira das entidades públicas.
De acordo com Liberty Chiyaka, presidente da bancada do Grupo Parlamentar da UNITA, o povo precisa de aferir se aqueles a quem emprestou o poder de administrar os bens públicos, estão comprometidos com o bem-estar geral ou se aproveitam da sua condição para benefício próprio. O “Governo tem de prestar contas, porque o dono do dinheiro, o Povo angolano, por intermédio dos seus representantes, precisa de saber se o dinheiro está a ser aplicado de acordo com a autorização dada pela Assembleia Nacional para realizar as funções e as tarefas essenciais do Estado, satisfazer as necessidades das pessoas”, afirmou.
Para a prestação de contas, segundo fez saber o político, nos termos da Lei, deve ser regular e periódica, transparente, verdadeira, credível e, mais importante, o seu exercício formal deve ser relevante na vida das pessoas, das famílias, das empresas e útil para os exercícios futuros do Estado – “A Lei estabelece que o Presidente da República remete à Assembleia Nacional a Conta Geral do Estado até 30 de Setembro do ano seguinte àquele que diz respeito. A Assembleia Nacional recebeu a Conta Geral do Estado de 2022 em Outubro de 2023. A Assembleia Nacional aprecia a Conta Geral do Estado até 30 de Junho do ano seguinte ao da sua recepção. Recebido o Relatório Parecer Conjunto, a Presidente da Assembleia Nacional agenda, no prazo de 30 dias, a apreciação da Conta Geral do Estado.”
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“Apreciar a Conta Geral do Estado de 2022 em Agosto de 2024, fora dos prazos legais, não tem impacto no quadro da responsabilização na gestão financeira das entidades públicas”, sublinhou Chiyaka que, por outro lado, “O presente exercício político só será útil e relevante se assegurar a legalidade e a regularidade da gestão de recursos públicos; contribuir para uma melhor gestão dos recursos públicos; promover a transparência e a responsabilização de quem gere os recursos públicos, mas que não respeita os princípios gerais que regem a actividade financeira à saber: princípio da justiça financeira, princípio da primazia do interesse público, princípio da indisponibilidade das relações e dos poderes financeiros, princípio da legalidade financeira e o princípio da responsabilidade.”
O princípio constitucional da responsabilidade de titulares de cargos públicos e o dever de prestar contas pelos resultados das decisões, acções ou omissões não têm sido observados pelos poderes públicos.
Na perspectiva da responsabilização na gestão financeira das entidades públicas, a responsabilidade pode ser política, criminal, civil, disciplinar e financeira. A natureza política da responsabilidade envolve sanções como a destituição, que deve ser efectivada por órgãos de natureza política, neste caso a Assembleia Nacional, a exoneração e a censura pública.
Entretanto, o controlo financeiro pode ser administrativo, político, exercido pelo Parlamento, jurisdicional, exercido pelo Tribunal de Contas e social, exercido pela sociedade. A eficiência e a eficácia exigem adequado sistema de controlo dos recursos financeiros públicos e é feito em três momentos: prévio, concomitante e sucessivo e, neste caso, enquadramos a presente apreciação da Conta Geral do Estado de 2022 pela Assembleia Nacional.
Na ocasião, a bancada parlamentar do “Galo Negro” aproveitou o agendamento da apreciação da Conta Geral do Estado relativa ao exercício de 2022 para propor à reflexão da sua tese, três moldes, por considerar que as contas públicas de um Estado, “os governantes são mais ricos que os empresários pelo facto de o exercício de funções governativas ser rentável e gerar mais riqueza pessoal do que o exercício de actividades industriais ou comerciais”, não podem estar certas. E, se parecerem corretas, então, estas contas não são verdadeiras.
“1- Primeira razão, o País funciona com duas constituições: no plano formal, Angola funciona com a Constituição de 2010, que consagra a República de Angola como um Estado Democrático e de Direito. No plano prático, Angola funciona com uma outra Constituição, não escrita, que consagra a República de Angola como um Estado autocrático, dirigido por um Partido-Estado. Os dois ordenamentos complementam-se e legitimam-se. Por meio deles estruturam-se transacções comerciais opacas que visam o enriquecimento pessoal dos governantes, seja por via da inclusão de projectos, serviços ou contratos no OGE, seja por via do acesso a empréstimos ou a garantias do Estado à margem dos procedimentos de compliance, sabendo-se à partida que não irão pagar, seja por via do acesso privilegiado e sem competição a oportunidades de enriquecimento nos vários sectores da economia.
Estas transacções comerciais feitas às escondidas para benefício próprio, são branqueadas quando o OGE é aprovado pela Assembleia Nacional e executado à margem dos mecanismos de controlo, especialmente por via de adjudicações directas. Nesse ambiente, a Contabilidade que produz a Conta Geral do Estado, deixa de ser utilizada como ciência que estuda e pratica as funções de orientação, de controlo e de registo relativas à administração económica, para praticar apenas as funções de orientação e registo. As normas inerentes ao controlo, são dolosamente desrespeitadas e os procedimentos ignorados.
2-Segunda razão, a tese é verdadeira, porque a Contabilidade Pública não está estruturada para detectar fraudes e desvios. Por um lado, permite que o pagamento seja executado mesmo que o processo de aprovação da despesa não tenha passado pelo escrutínio dos mecanismos de controlo estabelecidos. Por outro lado, os controlos estabelecidos não são testados nem são suficientemente robustos para acautelar, detectar e prevenir a MIXA.
A sobrefacturação implícita nas adjudicações directas não é detectada nem quantificada, nem registada. As fugas de capital associadas aos negócios consigo mesmo não são detectadas nem registadas. O expediente relativo às obras feitas uma vez, mas pagas duas ou três vezes, não é detectado nem registado. O valor real dos desvios ao erário não é reflectido na Contabilidade Pública como tal. E os envolvidos, mesmo depois de identificados, não são responsabilizados. Até sentem-se à vontade para procurar desempenhar cargos mais elevados.
É do conhecimento geral que os preços que Angola paga pela compra de bens e serviços são astronomicamente elevados. São imorais, sem comparação com os preços de bens e serviços similares oferecidos pelo mercado em qualquer parte do mundo.
Não é segredo para ninguém que parte do valor pago é repassado para o benefício último dos titulares de cargos públicos. Os próprios fornecedores e investidores, vítimas do sistema que o Estado autocrático criou, chamam a esta prática “custos do contexto”.
Há muitos governantes a ganhar milhões com este ambiente fraudulento de negócios que utiliza os investidores estrangeiros, não para arriscar capital, mas para dar cobertura a roubos estruturados para o benefício final de quem governa. Cinquenta anos depois da proclamação da Independência, os angolanos que se ocupam da função não lucrativa de governar temporariamente Angola constituem a classe mais rica do País, acima dos industriais e comerciantes que desenvolvem actividades lucrativas.
Este paradoxo revela por si só que a Conta Geral do Estado de 2022 não pode reflectir de forma alguma a fotografia real e completa da situação financeira e patrimonial do País.
3- Terceira razão, a tese é verdadeira, porque a conduta dos órgãos de decisão transformou também o processo de apreciação e votação da Conta Geral do Estado num exercício de cosmética, um ritual formalístico, sem consequências reais para aqueles que prestam contas. Quem vai responsabilizar quem?”
Não obstante a tese aludida, a UNITA levantou uma série de suspeições das quais apresenta a execução da Conta Geral do Estado:
I. Afirma-se que a Conta Geral do Estado foi elaborada com base nos princípios da transparência e da boa governação. Onde estão a transparência e a boa governação quando o decisor principal da alocação de recursos viola ostensivamente as regras e procedimentos de controlo, desrespeita os limites orçamentais impostos por Lei e não presta contas? Que boa governação é essa?
II. Afirma-se que a informação contida na Conta Geral Geral do Estado foi sustentada pelos dados constantes no SIGFE, nos relatórios de prestação de contas dos vários organismos do Estado e também nas recomendações da Assembleia Nacional e do Tribunal de Contas, feitas em sede da aprovação do OGE e da Conta do exercício fiscal passado. Pode ser verdade. Porém, trata-se apenas de informação relativa à forma, depois de se assumir a obrigação de pagar. As transacções escondidas, que incluem as mixas, não são verificadas, porque o sistema contabilístico não as detecta. E o problema não reside na forma, o problema reside no conteúdo dos mecanismos de controlo interno a observar antes de se assumir a obrigação. Estes mecanismos preventivos, que não são observados, deixam a baliza aberta, no futebol político, para todo o tipo de golos, até com a mão! Assim como nos processos judiciais a não observância das normas do direito processual pode invalidar e anular a razão substantiva dos factos, assim também, no planeamento e execução de obrigações contratuais, a não observância das normas e procedimentos de controlo interno pode invalidar ou anular a integridade de uma transacção. A Contabilidade Pública não pode registar factos inválidos, falsos, ilegais ou fraudulentos. E se o fizer, estas contas não podem ser verdadeiras.
III. Afirma-se que foram pagos em restos a pagar dos exercícios anteriores o montante de 1,25 biliões de kwanzas e cancelados valores na ordem de 214,35 mil milhões de kwanzas. Porém, esta informação não está completa, não aborda o contexto. Quanto deste valor refere-se a negócios consigo mesmo? Qual é o valor da mixa que lá está embutida? Ninguém sabe!
IV. Afirma-se também, por outro lado, que as empresas Sonangol, Sodiam, Unitel, Prodel, Taag, Ende, RNT, representam, em termos financeiros, 85% do activo, 81% do passivo e 91% do capital próprio de todo universo do sector empresarial público. Muito bem. Mas qual é o estado operacional desses activos? Estão todos registados em nome do Estado? O valor patrimonial registado é verdadeiro? Os auditores externos examinaram a contabilidade destas empresas e não ficaram convencidos. Por esta razão não emitiram opiniões limpas. Emitiram relatórios com sérias reservas.
“Nenhum negócio pode ser considerado seguro num ambiente político governado por ordens superiores violadoras da Constituição e da Lei. Nenhum País pode prosperar quando os seus governantes, que não produzem riqueza, ficam com a riqueza da Nação e espalham a pobreza pelo Povo. As provas estão à vista de todos”, sublinhando, por outro lado, que as contas públicas de um Estado onde os “governantes são mais ricos que os empresários não podem estar certas. E, se parecerem correctas no plano formal, então, estas contas não são verdadeiras no plano material. Nenhum auditor independente as vai certificar. Só poderão ser certificadas quando as normas e os procedimentos de controlo interno forem observados pelos gestores públicos em todas as etapas do processo, incluindo o planeamento e a orçamentação, a contratação e o pagamento da obrigação.”
“Dito isto, há duas verdades que devemos assinalar: a primeira é que as contas de 2022 são estáticas e já não podem ser alteradas. As melhorias que se registaram na forma de apresentação em relação ao ano de 2021 e outras recomendações que foram observadas não tiveram nem têm qualquer impacto na transparência governativa nem na integridade das contas públicas actuais, que continuam ameaçadas pelos riscos de fraude, peculato e corrupção.
Em termos de desempenho, a situação do País agravou-se: a fome tornou-se uma pandemia que deve ser tratada com a mesma diligência e sentido de emergência nacional como foi a pandemia da COVID-19.
Em termos de disciplina orçamental, a situação agravou-se ainda mais: nunca o País teve tanta adjudicação directa de contratos sem qualquer controlo! Nunca a gestão orçamental do País testemunhou a autorização de tantos créditos adicionais para aumentar a despesa pública não orçamentada, como agora! Nunca o País teve níveis insustentáveis de endividamento público como agora! Nunca os investidores estiveram tão hesitantes e confusos como agora! Nunca a fome afectou tantas famílias ao mesmo tempo como agora! Nunca os angolanos estiveram tão desesperados e tão temerosos quanto ao futuro como agora!”
“O Estado precisa de encontrar uma solução duradoura que ataque as causas da fome e traga estabilidade e esperança. Estabilidade dos preços, incluindo as taxas de juro, as taxas de câmbio, os salários e as pensões. Esperança para as famílias angolanas em especial para os jovens. O Governo sozinho não vai conseguir, mesmo que façam novas divisões político-administrativas não se vai resolver a crise, porque temos um Estado falhado, um governo fracassado e um modelo de governação esgotado. Os órgãos do Estado devem fazer uma avaliação profunda da situação e encontrar, no Interesse Nacional, uma solução consensual para esta crise de governação”, instou aquela ala política afecta à casa das leis do país.
“O modelo de governo das finanças públicas não está ajustado à dimensão e à complexidade das transacções nem ao contexto de debilidades endógenas e ameaças exógenas que a contratação pública enfrenta. O modelo deve ser revisto de forma a garantir a eficácia dos sistemas de controlo interno e dos processos de gestão dos riscos de fraude, peculato e corrupção. A natureza do Tribunal de Contas e a estrutura do Poder público não se coadunam com as necessidades de um sistema sólido, independente e eficaz de controlo interno como aquele que Angola precisa”- afirmou.
Folha 8
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