TRIBUNAL CONSTITUCIONAL VS TRIBUNAL SUPREMO



Laurinda Cardoso, presidente do Tribunal Constitucional (TC), expressou publicamente o seu desagrado com o facto irónico de serem precisamente os órgãos judiciais – em concreto, o Tribunal Supremo – que mais resistem a respeitar as decisões deste tribunal. Mas a lei angolana é clara: as decisões do TC têm de ser acatadas pelo Supremo, e Laurinda Cardoso pode tomar acções concretas, muito para além das palavras.

A presidente do Tribunal Constitucional surpreendeu a comunidade jurídica num recente discurso em Moçambique, no âmbito da VI Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa. Aí Laurinda Cardoso afirmou sem hesitações a ironia de ser “em relação aos órgãos judiciais, e em particular à jurisdição suprema comum, que as decisões do Tribunal Constitucional encontram maiores constrangimentos (resistência) em termos de execução”. 



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As palavras da presidente do Tribunal Constitucional são claras e seguem-se à fingida decisão do Tribunal Supremo relativamente ao “caso dos 500 milhões”. Os tribunais ordinários, em especial o Tribunal Supremo, não estão a cumprir as decisões do Tribunal Constitucional. Isto é gravíssimo.


Contudo, não se pense que o Tribunal Constitucional é impotente para agir e que à sua presidente apenas resta denunciar o tema à opinião pública. A verdade é que o Tribunal Constitucional tem poderes para agir e deve usá-los sem temor.


O Tribunal Constitucional é competente para conhecer oficiosamente, isto é, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, as violações dos seus casos julgados. Este é o ponto essencial.


A Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional –, no seu artigo 6.º, é cristalina, determinando que as “decisões do Tribunal Constitucional são de natureza obrigatória para todas as entidades públicas ou privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer autoridades, incluindo do Tribunal Supremo”.


Portanto, não há qualquer dúvida de que os julgamentos do Tribunal Constitucional são obrigatórios para os tribunais, incluindo o Tribunal Supremo. e estão acima de qualquer aresto do mesmo Tribunal Supremo.


Então, o que acontecerá se esses tribunais incumprirem as decisões constitucionais, designadamente se não acatarem expressa ou tacitamente a obrigação de reforma (modificação de acordo com a decisão do Tribunal Constitucional) das suas sentenças que foram objecto de recurso?


A resposta é simples e linear. Ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional, aplicam-se supletivamente as normas do Código do Processo Civil. E, nessa sequência, é-lhe atribuída competência para agir em caso de eventual violação das suas decisões pelos tribunais ordinários, mesmo sem considerar esgotadas as possibilidades de recurso, uma vez que o conhecimento de violação do caso julgado é de natureza oficiosa (artigo 500.º do Código do Processo Civil angolano).


Uma vez que a estruturação do Tribunal Constitucional angolano foi inspirada no desenho do Tribunal Constitucional português, tem relevância chamar à colação alguma jurisprudência desse tribunal que confirma o que aqui se afirma, uma vez que estamos, igualmente, perante o mesmo tipo de leis processuais, quer civis, quer constitucionais.


Assim, tem relevância para este caso o acórdão n.º 150/2001 do Tribunal Constitucional português. Aí se escreve: “Não se põe em dúvida a possibilidade de o Tribunal Constitucional sindicar a eventual violação de caso julgado – (…) que se consubstancie na circunstância de o órgão de administração de justiça que, antecedentemente, viu uma sua decisão ser objecto de reforma por determinação de outra, proferida por este Tribunal, não ter, na reformada decisão, acatado o sentido e alcance daquela última, e isto sem sequer se entrar em linha de conta com as possibilidades recursórias".


Torna-se óbvio que o Tribunal Constitucional pode pronunciar-se acerca da violação do caso julgado, não apenas através dos recursos de inconstitucionalidade normais, mas também através de recurso autónomo. 


Num outro acórdão do Tribunal Constitucional português (acórdão n.º 340/00), explicita-se bem que “não é admissível que qualquer outro tribunal censure ou ponha em causa os julgamentos feitos por este Tribunal, no âmbito da sua própria e específica competência. Portanto, na linha do citado acórdão n.º 532/99, e da jurisprudência acabada de referir, e sem esquecer que a ofensa de caso julgado é de conhecimento oficioso (n.º 1, alínea i) do artigo 494.º e artigo 495.º do Código de Processo Civil), passa-se a conhecer se in casu tal ofensa ocorre, independentemente de se apurar se se verificam ou não os pressupostos específicos das invocadas alíneas b) e i), do n.º 1, do artigo 70.º”. 


Em resumo, o Tribunal Constitucional tem poderes para, perante qualquer tipo de recurso, conhecer directamente a questão da violação do caso julgado e ordenar aos tribunais o seu cumprimento.


Se, porventura, ainda assim, os tribunais ordinários, máxime o Tribunal Supremo, não cumprirem a injunção do Tribunal Constitucional, os juízes responsáveis cometerão um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 340.º do Código Penal. Em última análise, o Tribunal Constitucional tem o dever funcional de apresentar queixa-crime contra quem não cumpre as suas injunções.


Em suma, a presidente do Tribunal Constitucional tem meios e acções ao seu dispor para ultrapassar os incumprimentos de que se queixou publicamente. Estão previstos na lei, e consolidados na jurisprudência estrangeira. Basta querer.


Maka Angola

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