Gato Trafigurado com Rabo de Fora (Do Mundo do Petróleo e minas ao Bananal Seco da Catumbela) - Jaime Azulay

 


Procuramos saber, por mero interesse público, o que o Grupo Trafigura, Pte Ltd, uma multinacional fundada e registada em 1993, em Singapura e escritórios em Genebra, com cerca de 100 filiais, uma das líderes no negócio de “comodities” nas cadeias mundiais de abastecimento no ramo de petróleo e seus derivados, metais e minerais, tem a ver com uma propriedade de 50 hectares de bananal que se encontra a secar por falta de irrigação, defronte ao aeroporto internacional da Catumbela. Com a fonte da Trafigura fechada, conclui que era melhor tentar descobrir primeiro as origens do conflito Israel-Palestina. Cheguei, inevitavelmente, ao mesmo dilema de ter de voltar ao ponto em que tinha começado.


Embora continuem a receber os seus ordenados, uma centena e meia de trabalhadores angolanos, olha o futuro com incerteza. A maior parte do bananal está a secar e já não tem recuperação, terá de ser mudado, mas apenas quando a agua estiver garantida.



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Há relativamente pouco tempo, a fazenda era uma das mais florescentes entre as que se instalaram nos terrenos da antiga açucareira “Kassequel” da Catumbela. A propriedade é de implantação relativamente recente, com um investimento inicial de grande vulto. De repente, a água deixou de chegar aos bananais e a pergunta que não quer calar resume-se em saber porque razão a água deixou de chegar ao bananal, que está a secar à vista de toda a gente que diariamente passa na estrada Benguela-Lobito?


A antiga “Kassequel” tinha construído uma malha hidráulica de valas e canais com mais de uma centena de quilómetros de extensão para regar os seus canaviais, que iam das portas de Benguela, até a entrada do bairro da luz, no Lobito. A água era puxada do rio Catumbela e fluía unicamente por gravidade, conseguida através de obras de engenharia hidráulica realizadas em determinados pontos, inclusivamente para transpor a estrada de asfalto. Em que estado se encontra essa imprescindível estrutura de irrigação para todo o vale da Catumbela?


Existem outros elementos de interesse público. Quando foi instalada, por investidores angolanos, a propriedade agrícola era de titularidade particular, mas gozava de protecção das Forças Armadas Angolanas. Os guardas trajavam uniformes militares, armas de guerra e distintivos da Unidade da Guarda Presidencial angolana. Quem pagava os soldados e suportava a sua logística e armamento? Em que circunstâncias a multinacional Trafigura se tornou proprietária do bananal da Gama, para exercer uma actividade que não se encontra esplanada no seu pacto social, nem nos seus propósitos quando começou a operar em Angola?


A Trafigura joga em outro campeonato, o da alta finança do petróleo, dos minérios e respectiva logística. Apesar da sua intervenção primária estar ligada a operação de mercadorias e matérias-primas ligadas ao petróleo, minerais e metais nos mercados internacionais, o seu novo desafio é integrar o consórcio que vai operar a transportação do minério do “cooper-belt” da RDC para ser exportado através do porto do Lobito.


 Na vertente económica, segundo especialistas, o importante corredor vai desbloquear outros projectos ligados ao cobre, devido aos custos logísticos mais baixos que se perspectivam. Uma cadeia logística com custos reduzidos, aumentará a quantidade de cobre economicamente recuperável em todo o “Copper-belt”. Isto tem um impacto significativo nas descobertas feitas na RDC, como aconteceu com a recente descoberta de cobre “Kitoko “, situado a apenas 30 quilômetros da linha férrea, considerado cobre de alta qualidade e de extremidade aberta em “Western Foreland”, onde se estão a intensificar as actividades de exploração de mais metal do chamado cobre ultra-verde.

 

O relançamento do projecto de reabilitação do Corredor do Lobito pelos governos de Angola, da RDC e da Zâmbia, conta com a Parceria do Investimento Global em Infra-estruturas (PGII) do governo dos EUA. O projeto prevê um empate de mais de 500 milhões de dólares durante a vigência do contrato de concessão e conta ainda com um financiamento potencial de cerca de 250 milhões de dólares da Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos EUA. Será feita a renovação de vários troços da linha férrea e infraestruturas associadas, além de garantir a aquisição de 1.500 vagões e 35 locomotivas modernas e adequadas ao tracado.

 

Em 2022, o consórcio “Lobito Atlantic Railway” (LAR) , foi constituído pela Trafigura, a Mota-Engil e a Vecturis. O consórcio obteve uma concessão, por um período de 30 anos, para a operação, gestão e manutenção do Corredor do Lobito e do terminal minério do porto do Lobito. Após a modernização, a linha férrea ganhará novamente o título de rota mais viável para transportar e garantir a cobertura regular das demandas mundiais de cobre, cobalto e outros metais estratégicos, que abundam no interior do continente africano e que durante um longo tempo tinham ficado sem o seu tradicional escoadouro, a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, durante a guerra em Angola, que terminou em 2002. O contrato inicial de concessão tinha um prazo de vigência por 100 anos e terminou logo após o dobrar do século, permitindo ao Estado angolano tomar para si a titularidade da Companhia do CFB com todos os seus activos, como previa o próprio contrato.

 

Voltamos ao princípio, para não fugirmos ao propósito do nosso artigo, a fazenda de bananas da Gama, na Catumbela.


A Pumangol, uma sociedade retalhista de derivados de petróleo implantada massivamente em Angola, era parcialmente pertença da Trafigura, pois, esta detinha acções da empresa mãe, a Puma-Energy, que opera em mais de vinte países na América do Sul e África. A Puma-Energy,  chegou a Angola por mãos conhecidas, que passaram a deter ~uma respeitável participação na sociedade, através da sua criação, a Pumangol.


Juntou-se assim a fome com a vontade de comer. A Trafigura, que era um “player” experiente no fornecimento de recursos naturais nas cadeias mundiais de abastecimento, vendia petróleo bruto de Angola para o estrangeiro e importava do estrangeiro, os refinados de petróleo…para Angola, onde eram vendidos pela Pumangol.


Como é sabido, em Angola, a indústria de refinação de petróleo é praticamente incipiente, se tivermos em conta as necessidades internas do país. As refinarias projectadas e com construção iniciada, não estão concluídas e não o serão tão cedo, pelas informações disponíveis. Nenhum dos projectos está a cumprir os prazos estabelecidos, nem no Lobito, nem no Soyo, nem em Cabinda. Algumas reportagens na mídia, sustentam que elas estão em execução.


 O accionista angolano da Trafigura saiu da sociedade na sequência da mediática purga dos marimbondos, iniciada em 2017. Com o escândalo do esquema de corrupção a vir à tona com a saída de José Eduardo dos Santos do poder, o general do seu Gabinete Leopoldo do Nascimento (Dino) achou ser a altura para desfazer-se da posição de accionista da Trafigura, vendendo a sua participação societária por 400 milhões de euros.


Foi assim, que, no inevitável acerto de contas com as figuras dos chamados marimbondos, donos da Pumangol, a Trafigura, ficou com a fazenda situada defronte ao aeroporto Internacional da Catumbela. Mais de 50 hectares de terreno da antiga açucareira “Kassequel” vedados com arame, com um bananal novo, tudo feito com recursos locais, falou-se numa oferta de um governador que por aqui passou quando fazia poeira, ao antigo vice da República, daí talvez se explique a antiga presença da guarnição da UGP.


A Trafigura tem um historial de sobrevivência a problemas com a justiça e outros. Na Costa do Marfim, em 2006, esteve envolvida num escândalo de despejo de resíduos tóxicos, que deixaram mais de 100 mil pessoas com problemas de saúde, e do escândalo da troca de petróleo por alimentos no Iraque.


Em 2023, a multinacional Trafigura foi acusada pela justiça suíça de ter subornado funcionários públicos angolanos. Mike Wainwright, o seu director de operações foi um dos mais altos negociantes de “commodities” a ser acusado de corrupção, segundo a agencia de informação Blooemberg.


A agência revelou que o gabinete do Procurador federal suíço considerou que a multinacional  Trafigura, através da sua unidade Trafigura Beheeer BV, com sede nos Países Baixos,  não tinha tomado as “medidas organizacionais necessárias para evitar o pagamento de subornos em Angola entre 2009 e 2011.”


Na ocasião, as autoridades suíças disseram que a Trafigura tinha transferido a quantia de 4,3 milhões de euros para uma conta bancária em Genebra e fez também pagamentos em dinheiro de 604 mil dólares a um funcionário angolano não identificado, subornos relacionados com a sua actividade no ramo petrolífero em Angola.


Segundo o “Jornal de Negócios”, a própria Trafigura reconheceu as imputações que lhe foram feitas, revelando que estava a ser alvo de uma investigação levada a cabo pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a propósito de “Pagamentos impróprios”, realizados no brasil, como adiantou a bloomberg.


Até ao ano de 2018 a Trafigura detinha o monopólio da importação de refinados de petróleo em Angola, a que não estava alheia a influência de funcionários de alto escalão do gabinete do antigo presidente José Eduardo dos Santos, e que detinham quotas no pacto societário da multinacional.


Perguntei a Trafigura se, com o fim da cultura de bananas na sua fazenda da Gama e com a implementação do “Corredor do Lobito” os terrenos não serão transformados em talhões para a implantação de projectos imobiliários. Perante as suspeitas, que lhes apresentei, na pessoa da sua responsável para a área de comunicação, eles preferiram calar-se.


Então prevalece a dúvida: haverá interesses inconfessos para que o bananal seque por suposta falta de água para rega, a fim de se dar outro destino?


Moral da história: aqui tem gato trafigurado com rabo de fora!

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