No dia 12 de Outubro de 2024, farei exatos 25 anos desde que acenei com o rosto cheio de lagrimas apartir da plataforma do Aeroporto 4 de Fevereiro para a minha tia Lucrécia, que fez de tudo para conseguir chegar a tempo ao Aeroporto a fim de me despedir, mas não conseguio.
Eu tinha 19 anos e estava abrangido para cumprir o serviço militar obrigatório. Era estudante de jornalismo no Instituto Médio de Economia de Luanda IMEL e morava no Thala Hady, Cazenga (o município mais temido e perigoso de Luanda).
Eu fazia o trajeto a pé do Cazenga, na Rua da USA, próximo a TCUL até o Largo 1° de Maio e neste percurso avistava pelos becos e ruelas que perpassavam as zona da Linha Férrea, Terra Nova e Vila Alice, varias "brigadas" de rusgas.
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Temendo ser levado a força para a tropa para matar outros angolanos, que eu não tinha nada contra eles, me foi dito em casa que eu podia ficar uns dias sem ir para a escola até que as rusgas "aplacassem"...
Porém, os dias se foram passando e a situação infelizmente não dava sinais de melhora.
Naquele momento, cogitei e depois contei ao meu pai sobre a ideia de emigrar para Portugal visto que tinha amigos e alguns ex-vizinhos que já lá viviam.
Tal ideia foi prontamente contestada pelo meu falecido pai, que retorquiu dizendo que ele daria um jeito de me tirar do quartel, caso me levassem numa rusga. Ao se aperceber da resposta do meu pai, a minha avó, contestou-o veementemente e apontou-lhe o nome de uns tantos jovens, que mesmo tendo pais "influentes" haviam sido rusgados e levados para cumprir o serviço militar obrigatório.
Foi assim então que o meu pai decidiu que eu deveria ir para o Brasil e dar um jeito de me virar eu próprio para viver e estudar, visto que os angolanos em Portugal, acabavam quase todos nas obras.
À partida, a saída de Luanda não foi fácil. Já dentro do salão de embarque, pediram-me o passaporte e ao comprovarem a minha idade, fui "detido" por um agente, que só me soltou porque o meu pai trabalhava na transportadora aérea, era conhecido por aquelas salas e ao notar que eu não estava do seu lado, voltou e conseguiu me salvar das mãos do homem.
A mesma sorte porém, não teve um jovem angolano que era estudante de engenharia no Rio de Janeiro e que foi igualmente detido no autocarro que levava os passageiros até subir ao avião. O indivíduo só foi liberado após subornar os tipos, entregando os únicos 400 dólares que levava consigo. O mesmo contou ao meu pai que estava em fase de exames finais no Brasil e que tinha que subir naquele avião de qualquer jeito.
Ao chegar em solo brasileiro, tive de pedir asilo pelos motivos acima descritos, que era: fugir a participação na guerra.
Tive de esperar durante 1 ano pela análise e decisão do processo. Diferente dos asilados de paises árabes, que recebiam casa e um dinheirinho para se manter, eu e outros angolanos que eu conheço e que estavam na mesma situação, recebemos simplesmente uma carteira temporária de trabalho, um papel fotocópiado da Policia Federal, uma espécie de identidade e votos de boa sorte. Nada mais!
Por ironia do destino, mesmo fugindo da guerra, quem acolheu a mim e a um primo/irmão meu, foi um estudante agolano, militar, que estudava engenharia e morava num pequeno quartito numa moradia universitaria.
A principio era expressamente proibido, não alunos, pernoitar no local. O que transformou-se numa ginástica enorme que eu e o meu primo tínhamos de fazer afim de não sermos vistos pelas pessoas que ficavam na recepção do prédio.
As vezes não havia nada em casa para comermos, pois o nosso anfitrião passava o dia na Universidade e nós tinhamos de dar um jeito.
Ligar para Angola e dizer qua não havia pão e água, nunca passou pelas nossas cabeças. Sabíamos de antemão que quem deveria operar milagres eramos nós, caso contrário morreriamos de fome.
Arregaçamos as mangas, acordavamos sempre cedo e corriamos atrás. Eu topava qualquer tipo de trabalho que me aparecesse na frente. Fui lavador de carros, distribui panfletos o dia inteiro com o meu amigo brasileiro Marko Massai Moreira, trabalhei como ajudante de escritório e inclusive levei calote em alguns empregos descritos. Os patrões diziam no final do mês que não me pagariam porque eu era ilegal e como eu sou mbora do Zengá as situações ficavam bem azedas para os tipos (isso dá um outro post).
Meus amigos, em nenhum momento baixei a cabeça e entreguei os pontos ou decidi ir pela via mais fácil, tipo vender bagulho (drogas) ou roubar.
A vida era realmente difícil, mas eu e o meu primo sabíamos que tinhamos objetivos maiores a cumprir.
Diferente de vários angolanos filhos de governantes, ministros, empresários e filhinhos de papai, todos eles muito simpáticos e respeitosos para conosco, apesar de sermos os dois pé-rapados. Nós os 2 não tinhamos nem sequer 5% do que eles tinham em termos de qualidade de vida.
Apartamentos, carros, compras nos shoppings, roupas e calçados, geladeiras apetrechadas, matriculados em universidades caras do Brasil etc.
Nós tinhamos os pés no chão e os olhos fixos numa meta: ESTUDAR! ESTUDAR! ESTUDAR! E quase todas as noites deitados no colchão daquele quartito projetado para 1 estudante, mas que abrigava 3 marmanjos, olhavamos os catálogos das universidades, os cursos que ofereciam e os nossos olhos brilhavam.
E foi assim que re-fizemos o ensino médio, eu tendo tido inclusive o 3° melhor rendimento semestral global da turma, numa escola do Rio Grande do Sul, terminei anos mais tarde o bacharelado na terceira melhor Universidade do Brasil UFMG com a nota 96.
Após terminar a Universidade e receber várias portas na cara em São Paulo, porque não acreditavam que eu era o dono do meu próprio currículo. Decidici procurar emprego de dia e de noite das 18:00 até às 22:30 voltar a estudar no Senac: illustrator, Corel Draw, Photoshop, Premiere, After Effects, Dreamweaver, Fireworks e Flash.
Anos mais tarde, já na Alemanha, decidi mesmo sem ter fundos para pagar o mestrado numa das melhores Universidade do país, por onde passaram Koffi Annan, John F. Kennedy, Umberto Eco, Günter Grass dentre outros. Escrever um projeto e concorrer a uma das 14 vagas para o mestrado que eles tinham. Eu fui aceito, mas como nenhuma das fundações que oferecem bolsas, aceitou as minhas cartas, eu tive de trabalhar num call center na época até as 22 horas, que pasmem, se chamava: Jamba, para pagar cada centavo dos 10 mil Euros.
Como nota final do mestrado, 1.3 algo como 95 valores, muito bom.
Em 2020 portanto, decidi me candidatar para o meu segundo mestrado, desta feita em Ciências da Computação em quatro Universidades do Reino Unido, e fui aceito em todas elas.
Quem me acompanha nas redes sociais, acompanhou a minha luta ao longo dos dois anos de mestrado. Trabalhando 40 horas por semana, me trancafiando no escritório todos os sábados e domingos das 10 da manhã até às 22 horas, e estudando muitas das vezes até às 4 da madrugada.
Foram dois anos de muito sacrifícios e graças a Deus, no final conclui o mestrado em Ciência da Computação pela Staffordshire University do Reino Unido com Mérito.
Em 2024 conclui o curso a distancia em Liderança pela Universidade de Harvard, recebi a certificação e fui inclusive parabenizado pela mesma Universidade de Harvard, reza salientar que este foi o segundo curso na área, pois em 2018 já havia concluido igualmente a distância o curso em Gerênciamento de Tecnologia da Informação pela Universidade de Washington.
Hoje levo no currículo a experiência de trabalho na Microsoft, Osram, Deutsche Welle, Perfect Vision, Deutsche Bank, Siemens, Visão Mundial/World Vision, World Of Medicine, Novanta Inc., dentre outras empresas e sinto-me muito orgulhoso por isso.
Muitos dos filhinhos de papai acima citados, com regalias de dar inveja na época aos sheiks das Arábias, tiveram que se refugiar em universidades brasileiras do estilo (pau grande "mayuya") para fazerem cursitos de 2 anitos, afim de receberem um certificado e não voltarem com as mãos a abanar, após chumbarem inúmeras vezes e serem expulsos das universidades de peso em que estiveram. Muitos dos tais, hoje são grandes chefes no país.
Eu poderia ir mais longe, ser mais detalhista e escrever sobre muitas outras dificuldades e perrengues que passei até chegar onde cheguei. Onde? Num estágio de não temer perder um emprego e ao mesmo tempo de puder dizer para um chefe, eu me demito hoje mesmo. Mas com certeza os meus dedos iriam se "contorcer" de dor do tanto que eu teria para escrever.
Se conseguiste ler até aqui, fico muito feliz. Porém a mensagem que deixo a todos aqueles que após que pensam que "nenhum angolano que foi lá fora mudou de vida", e passam a apontar dedos aos angolanos na diáspora, chamando-os de preguiçosos, antipatriotas e que deveriam ter vergonha por terem saído do país é: Não julgue o todo pela parte!
*Quase que me esqueço sobre o final que teve o meu primo/irmão. Formou-se em Direito no Brasil e logo a seguir juntou as moedinhas e foi fazer uma pós graduação em Espanha. Hoje é Juiz de Direito em Angola e pela educação que tivemos em casa e por ser alguém temente a Deus tenho fé que atua com justiça e ponderação.
Modéstia a Parte: Em nenhum momento citei os palcos que pisei por este mundo afora e com quem os dividi. Os prémios que ganhei ao redor do mundo, as entrevistas, noticias e materias que saíram sobre o meu trabalho em meios de comunicação de peso. E o respeito que granjeio dos meus pares músicos e rappers de peso e renome na Europa, América do Norte e do Sul.
Um grande abraço
Diamantino aka Mc Diamondog
Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação
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