Recordar Valentim Amões: O ALFAIATE QUE SE TORNOU UM EMPREENDEDOR DE RARA CEPA



Na manhã do dia 19 de Janeiro de 2008, um sábado, Angola despertou com uma notícia fatídica: morria, num acidente de aviação, o empresário Valentim Amões. Um Beechcraft 200, modelo King Air, que o levava de Luanda para a cidade do Huambo embateu, fatalmente, numa montanha da Serra do Mbave, quando estava a apenas 26 quilómetros do aeroporto de destino. Ironicamente, o acidente, em que pereceram 12 outras pessoas, entre as quais um filho do empresário, acontecia bem pertinho da aldeia que o viu nascer. Ironicamente também, o acidente dava-se com um avião da Gira-Globo, empresa do ramo aeronáutico que integrava o vasto império de negócios que Valentim Amões construíra graças a um descomunal faro para os negócios – como poucos houve em Angola até hoje. 


 Valentim Amões, que tinha apenas 47 anos quando a morte o colheu abruptamente, fez o seu trajecto como empreendedor de sucesso com a rara particularidade de começar com capital próprio e sem depender do poder político. E aqui começa a admiração que se teve – e ainda se tem – por Valentim Amões.


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Neste tributo ao empresário, que faço a título pessoal, há que destacar, efectivamente, a obra que ele deixou. Mas não apenas a obra tangível, como também a do foro imaterial. Muito do que Valentim Amões edificou deveria constituir, indiscutivelmente, caso de estudo para os académicos nacionais na área das ciências económicas. Ele fez escola realmente. Os demais empresários, mesmo aqueles que foram seus concorrentes, têm nele um exemplo a seguir, não apenas pela honestidade e lisura dos processos, mas também pela tenacidade com que se entregou aos múltiplos empreendimentos que amealhou no país e além-fronteiras. Com eles, contribuiu para a afirmação e projecção da classe, mostrando aos governantes que valia a pena apostar nos homens de negócios para dar impulsão ao crescimento e desenvolvimento do país. Não foi por acaso que por altura da sua morte, em meio a uma nação que se mostrava fortemente consternada diante do infausto, os representantes da classe, em particular, resolveram prestar-lhe homenagem velando o seu corpo com incontida emoção.


Valentim Amões não foi um Rei Midas. Mas teve realmente génio e faro para fazer dinheiro, correndo a maior parte do tempo por conta e risco próprios. De resto, na génese do seu percurso – que parece tirada de um fabulário – está a prova de alguém que nascera para erigir o seu pedaço de história no país. Alguém que começou como um simples alfaiate de bairro na cidade do Huambo, serviu mata-bichos à beira de estrada e, grade-a-grade, vendeu refrigerantes a retalho. E assim mesmo, artesanalmente, foi escalando o gigantesco sonho que o levaria ao cume de uma carreira empresarial de sucesso. Chegou lá bem perto – pois no seu conceito estar no cume era ir mais além –, não fosse aquela montanha do Mbave, que ele conhecia tão bem como a palma da mão, lhe ter travado o avanço para patamares maiores. Destino ingrato!


O inventário do património deixado por altura da sua morte era de uma dimensão que pedia meças a outros homens de negócios por cá, pois foi essencialmente construído numa época em que o principal inimigo era a guerra que obstaculizava a circulação de pessoas, bens e mercadorias. Mas foi exactamente nesse contexto adverso – com minas plantadas nas estradas e nos campos – que ele logrou fazer o caminho e triunfou. 


Se até aos anos 90 da última centúria, ainda antes de Angola ter encetado a  transição para a economia de mercado, Valentim Amões já suscitava espanto aos seus conterrâneos com a empresa Waposoka & Nambula Lda, foi logo após o tumultuoso processo multipartidário de 1992 que ele deu o que verdadeiramente se pode considerar um salto de cavalo no mundo dos negócios, fazendo emergir o colossal Grupo Empresarial Valentim Amões. Um património valiosíssimo que se espalhava um pouco por todo o país e avançava, firmemente, para a internacionalização com negócios na África do Sul, Portugal e Estados Unidos da América. 


Durante muitos anos incompreendido pelos integrantes do poder em Angola, Valentim Amões manteve-se arredio à política, ocupando-se exclusivamente a edificar o seu império de negócios. Mas chegaria, finalmente, o tempo em que, sem rebuços nem pruridos, se envolveria igualmente no mundo da política. Em 2003, tornou-se membro do Comité Central do MPLA, o partido que tem governado o país desde a independência em 1975. Fazia-o com hombridade e sem dever nada a ninguém. 


Nessa altura concretizava igualmente a sua afirmação como homem de valores e causas múltiplas. Cristão e filantropo por natureza, imprimiu ao seu grupo empresarial um pendor de solidariedade social, sem anular a busca pelo lucro nem frear os objectivos de expansão do negócio. Isto num momento também em que o conceito de responsabilidade social ainda era deficientemente dominado pelo empresariado nacional. Tornou-se assim um dos primeiros mecenas da cultura a emergir no país. Estendeu a mão a músicos como os Irmãos Almeida, Bessa Teixeira, Chissica Artz e tantos outros. Também apoiou clubes e desportistas. Mas foi a região planáltica em torno do Bailundo, berço da aldeia que o viu nascer, a absorver-lhe uma atenção desmedida. Almejava reduzir o fosso que a separava dos grandes centros urbanos de Angola e aumentar, enfim,  a qualidade de vida dos seus habitantes. Não foi a tempo de concluir o sonho de ver brilhar a chama flamejante do desenvolvimento e da modernidade na “sua” Camela. Mas nem por isso este objectivo se gorou. Está a ser prosseguido, intrépida e voluntariosamente, pelos seus familiares, entre os quais esteve o  irmão António Segunda -- empresário também já falecido, que lhe seguiu as pisadas com a fibra rara dos Amões. 


Abra-se, então, o pano para este tributo -- que faço por conta e risco pessoais-- a Valentim Amões, o alfaiate que se tornou um empreendedor de rara cepa.


SEVERINO CARLOS


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