MARFIM ANGOLANO REGRESSA ÀS ORIGENS



Dezenas de peças de marfim produzidas em Angola, que foram recolhidas por um missionário português e se encontravam num convento espanhol, regressaram ao país de origem, sendo agora protagonistas de uma exposição sobre a devolução dos bens culturais.

Embora não se conheçam todos os detalhes da viagem destes artefactos, sabe-se que foram recolhidos no século passado por um missionário português que viveu vários anos na região de Cabinda e os levou consigo quando regressou a Portugal.

Os objectos acompanharam o religioso salesiano quando este cumpriu uma nova missão em Espanha, tendo as madres espanholas que receberam a “herança” após a sua morte encetado contactos com as autoridades angolanas em Portugal para fazer a devolução das peças, cuja origem “não sabem definir com precisão, a não ser que são provenientes de Angola”, segundo a directora geral do Arquivo Nacional de Angola, Constança Ceita.



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A exposição patente no Arquivo Nacional de Angola até 17 de Janeiro inclui peças decorativas e de uso ritual, adornos pessoais e instrumentos musicais esculpidas em marfim, um material que chegou a ser considerado o “ouro branco” de Angola e que além de estética e funcionalidade carrega também uma importante simbologia, como explicou à Lusa.

“Até hoje são utilizados pelas populações, não só como objectos de adorno ou mobiliário, mas fundamentalmente no contexto da cosmogonia africana, angolana”, realçou a historiadora, destacando que o marfim seguiu também as rotas transatlânticas do comércio de escravos.

A académica apontou ainda a relação entre as chefias políticas africanas e os europeus através deste material extraído das presas dos elefantes que passou a integrar símbolos de cristandade, desenvolvendo “afinidades profundas” através do cruzamento entre culturas europeias e africanas.

“O símbolo mais forte são os crucifixos e os santos de protecção que passaram a fazer parte da veneração aos espíritos dos antepassados”, afirmou.

A mostra “O regresso do marfim: por uma política de recuperação das obras de arte em Angola”, inclui algumas dezenas de objectos dos séculos XIX e XX que desvendam aos angolanos parte da sua história, retratando, por exemplo, os ciclos de vida das populações.

“É extremamente importante porque temos de munir a sociedade do conhecimento dos seus bens, da sua cultura”, um complexo unitário que compreende património material e imaterial, formas de agir e de pensar.

Para Constança Ceita, é preciso que a sociedade angolana reconheça e se identifique com os seus bens culturais, essenciais para a valorização da história identitária do país e de culturas “ainda vivas”, bem como para o conhecimento histórico, social, político e económico.

É igualmente importante para conhecer o processo de relações entre angolanos e portugueses, que se deu fundamentalmente num contexto de troca de bens culturais, acrescentou.

A exposição é constituída essencialmente por objectos com origem nos antigos estados de Luhango, pertencentes ao grandes grupos etnolinguísticos das regiões a norte e noroeste de Angola nomeadamente Ngoyo, Vili, Cacongo e Yombe.

Entre estes destacam-se peças como o Ngudi, uma espécie de trompete usado em rituais de entronização e cerimónias de puberdade, entre outras.

Outros exibem, esculpidos nas presas de elefantes, elementos da vida quotidiana, fauna e flora angolanas, actos de veneração e culto aos antepassados, interligando o sagrado e o profano da cosmogonia dos bantos, um vasto grupo etnolinguístico africano do qual são originárias muitas etnias angolanas.

Muitos foram recolhidos no âmbito de “campanhas etnográficas” promovidas por missionários como foi o caso.

“Os missionários jesuítas salesianos tiveram uma tarefa árdua no contexto da recolha destes bens culturais”, considerou Constança Ceita, lembrando que durante as grandes viagens de exploração à África Central, viajantes, curiosos, cronistas, missionários e comerciantes se relacionavam com o marfim, até que o elefante se foi tornando uma espécie rara.

Os soberanos africanos faziam trocas ou oferendas destas peças preciosas aos europeus com quem contactavam, atraídos pela raridade e beleza do marfim, e os artefactos acabavam por circular e atravessar o Atlântico.

A especialista salienta que a recuperação dos bens culturas “é uma preocupação do Estado angolano” que tem vindo a desencadear políticas nesse domínio.

“Tem sido um esforço diplomático entre os Estados (…) no contexto de negociações para que esses bens sejam repostos, seguindo também as recomendações da UNESCO”, referiu.

A responsável do Arquivo Nacional de Angola adiantou que há peças identificadas em Portugal, em Espanha e em França, mas ainda “não estão tratadas”, já que decorrem processos de negociação com os seus detentores, particulares e instituições, escusando-se a revelar mais pormenores.

“Mas as pessoas estão muito disponíveis em ceder, há doações que estão a ser feitas espontaneamente, tem havido uma boa política nesta fase”, garantiu, salientando que não tem encontrado entraves do lado português, com as negociações “a correr a bom ritmo”.

Lusa 

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