Os desafios do investimento na construção de refinarias, da privatização, do combate à corrupção entre outros, foram os pretextos desta entrevista exclusiva. Sem entraves, quem responde é a ex-ministra dos Petróleos e da Indústria Albina Assis, hoje na pele de Comissária da Expo, que acredita ser possível o País tornar-se vertical e incorrupto. Uma conversa com o Jornal de Angola nas vésperas da viagem para a Expo-Doha, no Qatar, que decorre desde 2 de Outubro a 28 de Março do próximo ano.
Que tipo de satisfação encontra em desempenhar o papel de comissária das Expo?
A alegria de poder apresentar e posicionar Angola no mesmo nível de outras nações, e isso tenho alcançado, seja ao encontrar investidores ou ao cultivar boas amizades. Porém, não faço a exposição apenas pelo pagamento, mas sim porque me traz satisfação.
Em que é que (ainda) acredita? O que a faz ficar longe da família?
Acredito fundamentalmente na Humanidade. Com todos os erros, acho que se exercermos bem a nossa profissão, podemos lutar por boas causas.
A propósito, Angola tem aproveitado ao máximo as oportunidades que possui, por exemplo, com os Estados Unidos, especialmente os acordos da AGOA?
Não. Nós deveríamos aproveitar essas oportunidades como uma plataforma… não apenas para importação, mas também para exportação. Por exemplo, em vez de exportarmos a banana apenas para Portugal, deveríamos fazer o mesmo com os Estados Unidos. Além disso, temos uma fruta muito valiosa e rica, que é o mangostão. Na Inglaterra, um quilo custa mais de 70 libras
Qual é a sua percepção em relação à nova política do FMI para Angola?
Sinto que o País tem sabido conduzir uma política externa monetária, de tal maneira que permitiu que o FMI tivesse confiança por Angola. É uma vitória dos angolanos, porque felizmente nada nos está a ser imposto, o que é muito difícil de acontecer em países africanos.
Quer dizer que Angola está a tornar-se um país vertical?
Espero que mesmo depois de eu desaparecer desta terra, os nossos sucessores mantenham essa verticalidade. Temos que ser verticais em tudo.
Por que não se construíram refinarias à época que as receitas fiscais com a exportação de petróleo, por exemplo, renderam ao País 256 mil milhões de euros entre 2002 e 2014?
Acredito que cometemos um erro estratégico ao não investirmos na construção de uma ou mais refinarias. Recordo-me de ter sugerido que o engenheiro Desidério Costa, na época vice-ministro dos Petróleo, fosse à África Austral para verificar que países estavam dispostos a colaborar connosco nesse empreendimento. Porém não consegui apoio, nem mesmo internamente. Portanto, reafirmo que foi um erro estratégico não termos construído uma refinaria quando os preços do petróleo estavam elevados.
Chegou a haver, no mínimo, uma discussão profunda sobre o assunto, ou nem tanto?
Acredito que nunca houve uma discussão aprofundada. Mencionou-se o assunto e eu tentei impulsioná-lo, mas quando percebi que encontrava alguns obstáculos, preferi acalmar as coisas. Soube que logo após a minha saída, foi designado um engenheiro que trabalhava comigo para o projecto da Refinaria do Lobito que até hoje não foi iniciado.
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Essas coisas doíam-lhe? Ou acordava bem disposta no dia seguinte à mesma?
Na verdade, uma das grandes tristezas, como responsável pelo Ministério dos Petróleos durante seis anos, foi não ter conseguido deixar uma refinaria em funcionamento. Poderia não tê-la deixado completamente operacional, mas ao menos ter avançado com a construção, o que infelizmente não aconteceu. Além do Lobito, ouço falar de outras refinarias…
…Soyo e Cabinda…
… exactamente. E será que essas três refinarias são voltadas para a produção de gasolina? O senhor jornalista já leu alguma coisa sobre isso?
Não.
Pois, é que uma refinaria tem a capacidade de fabricar diesel, gás natural e outros produtos. Contudo, para produzir gasolina é necessário possuir uma unidade específica, que é mais dispendiosa e requer catalisadores caros. É nessa unidade que a gasolina passa por uma transformação antes de ser enviada para as bombas de combustível e, consequentemente, para os veículos.
Tem-se ouvido, com mais insistência recentemente, que o País está a construir refinarias a mais. Qual é a sua opinião?
Na qualidade de um país que importa produtos prontos para o consumo diário, uma única refinaria não é suficiente para suprir todo o mercado. É verdade que uma refinaria possui custos de produção bastante elevados, mas não perdemos tanto quando nos tornarmos especialistas em produtos acabados. Poderemos lucrar bastante.
Há quem diga que a segurança industrial é quase impraticável apesar da existência de leis. Concorda?
Uma das coisas que eu criei no Ministério dos Petróleos foi uma direcção que se dedica à segurança e supervisão, aliás, a Sonangol possui administradores que estão atentos a tudo o que acontece no sector petrolífero, sendo a segurança uma parte essencial disso. A segurança é uma parte fundamental do dia a dia das operações petrolíferas. Não é possível trabalhar nesse ramo sem segurança.
E nessa qualidade, de engenheira preocupada com a segurança, considera que em Angola se discute o bastante sobre os desastres ambientais?
Nós discutimos pouco, mesmo sendo vítimas desses desastres. Estamos a pagar pelas consequências da poluição causada por outros. É impressionante ver que Angola só tem uma refinaria, enquanto a França tem 13 ou mais.
Ou seja?
Ou seja, aqueles que têm grandes refinarias, grandes produtos industriais e grandes indústrias petroquímicas foram os principais poluidores. O desenvolvimento veio acompanhado da poluição. No entanto, no final de contas, todos nós pagamos, porque o impacto climático é global.
Por que defendeu há tempos a privatização de empresas do sector dos serviços industriais, indústrias ligeiras e de todas as subsidiárias da petrolífera Sonangol?
Devido à existência de várias subsidiárias que não possuem uma ligação lógica com a indústria petrolífera. A Sonangol deve focar-se na produção, refinação de petróleo e na Angola LNG, bem como, possivelmente, investir na indústria petroquímica no futuro. Essas devem ser as principais funções da Sonangol, não a gestão de imóveis ou automóveis. Seria mais adequado, por exemplo, criar uma fundação para auxiliar na formação das pessoas e melhorar os recursos humanos, entre outras iniciativas
Disse há três anos que iria falar com o Presidente da República sobre a privatização destes sectores. Chegou a encontrar-se com João Lourenço?
Nunca disse isto. O que disse foi que será o Presidente da República a decidir sobre as privatizações dos sectores.
E na sua opinião… é o mais correcto ser o Presidente?
Sim, porque é a política do Estado. Por mais que não desejemos, é o Estado que deve decidir quais as empresas a serem privatizadas, dentro da sua estratégia.
Também é daquelas que defende que empresas como a Sonangol e a TAAG não devem ser privatizadas por questões de soberania?
Não se trata de uma questão de soberania, mas sim de um bom funcionamento das empresas em questão. Se as empresas não apresentarem um desempenho satisfatório, elas podem ser privatizadas total ou gradualmente através da Bolsa de Valores, por meio de uma decisão superior. No entanto, talvez o País ainda não esteja pronto para optar pela privatização de empresas com um impacto significativo na economia.
E acha que existem quadros nacionais com competências e em número suficiente para estarem à frente de empresas como a Sonangol e a TAAG, privatizadas?
Pode ser que tenhamos. Afinal de contas, durante muitos anos formamos muitos quadros que merecem, agora por direito, oportunidades.
Por ironia, as privatizações tiveram início durante o período em que a senhora ocupava o cargo de ministra da indústria. O resultado não foi satisfatório?
Não foi possível realizá-las adequadamente. Cheguei a preparar um caderno com a lista de empresas que seriam privatizadas durante uma viagem que fizemos ao exterior. Eram empresas que valiam a pena ser transferidas para o sector privado.
A posição de liderança de Angola em África em matéria de produção de petróleo não devia exigir um ensino da Engenharia de Petróleos de qualidade reconhecida internacionalmente que passava por estreitas ligações entre petrolíferas e universidades?
Concordo consigo. Aliás, notei isso nos Estados Unidos. Nesse País há uma ligação muito estreita entre as petrolíferas e as universidades. Muitas empresas do ramo tendem a apadrinhar e apoiar iniciativas ligadas a universidades. Angola devia seguir estes bons exemplos que, certamente, resultam em desenvolvimento.
Na qualidade de ministra dos Petróleos, conseguiu que fosse aplicada com rigor a política da angolanidade no sector petrolífero. Qual foi a sua receita?
[Risos]. Fiz o meu máximo, mas não fiquei cem por cento satisfeita. Em primeiro lugar, iniciei visitas às empresas petrolíferas, onde descobri que, além da falta de profissionais qualificados em engenharia de Petróleo...
...Algo que o país mais necessitava naquela época...
Correctamente. Havia poucos angolanos a ocupar cargos de liderança e tomada de decisões. A reviravolta ocorreu por meio do sistema de bolsas de estudo. Abri um leque de bolsas para os Estados Unidos e para o Reino Unido, numa altura em que a maioria estava a ser direccionada para Portugal. A seguir, propus aumentar o número de bolsas para o Brasil, um país que possui universidades com qualidade semelhante à dos Estados Unidos. Pouco tempo depois para a África do Sul, pois além do domínio do português e da formação, os profissionais também deveriam saber.
Já foi alvo de suborno?
Uma vez ofereceram-me um milhão de dólares para desviar o designer de uns blocos de petróleo com o objectivo de obter mais campo de exploração, ao que respondi que lamentava, mas ainda não tinha preço. Talvez um dia tivesse um preço.
Quem tentou suborná-la?
Não o digo.
E quanto à política contra a corrupção desenvolvida por João Lourenço, é a favor ou contra?
Vamos superar a corrupção. No entanto, infelizmente, ela está profundamente enraizada em todos os níveis hierárquicos. Até mesmo um simples estafeta se tornou num "especialista”, capaz de alterar o valor de algo simples, de 500 para 1000 kwanzas, sem hesitar.
E não a incomoda particularmente, este quadro?
Incomoda-me profundamente.
Na sua opinião como dar a volta a este estado de coisas?
Chegará um momento em que uma classe média será formada no país, e, assim, não haverá tanta necessidade de corrupção.
Seria capaz de deixar o que está a fazer e aceitar um convite para fazer parte de uma equipa de luta contra a corrupção?
Não aceitaria.
Porquê?
Não é fácil, disso quero passar o resto dos meus dias em paz. Tenho dito que admiro muito a coragem do presidente João Lourenço para combater esse processo, pois não é fácil, nem linear e muito menos imediato. Todavia, respeito e acredito que terá seu fim.
É milionária?
(Risos). Não sou milionária, nem rica. Vivo do trabalho.
Quando é que se vai reformar?
Praticamente já estou reformada, só faço Expos
E onde pensa gozar a sua reforma?
Penso gozar em Luanda, minha terra natal
Não a cria luandense?
(Sorrisos) Não sei porque razão muitos acreditam que sou de Malanje. Mas não sou. A mãe do meu pai era da Catumbela (Benguela) e os avós dela do Huambo, uma cidade que adoro, mas que também me traz más recordações. Foi no Huambo que perdi um irmão durante a guerra.
Outras boas recordações?
(Sorrisos) Outra cidade encantadora é a Huíla. Conheci-a quando tinha apenas 15 anos, numa excursão de finalistas em que muitos de nós viu pela primeira vez uma maçã na árvore. Em Luanda, só conseguíamos comprá-las nas lojas. Devemos aproveitar os recursos existentes nela, creio que serão demasiado benéficos para a nossa economia.
Conte-nos as suas histórias do Marçal e do futebol?
(Risos) Morei durante alguns anos no Marçal, onde joguei pela equipa de futebol feminino do Benfica local. Além disso, ainda muito jo- vem, tornei-me responsável pelos espectáculos infantis. Por exemplo, fui responsável da preparação do primeiro espectáculo infantil em que o actual ministro de Estado José de Lima Massano, participou.
Perfil
Apreciadora de Carlos Burity e de Manu Dibango
Nascida há 78 anos, na cidade de Luanda, Albina Assis Africano obteve a sua licenciatura em Química, pela Universidade Agostinho Neto, antes de se especializar em diversas áreas da ciência relacionadas à produção de petróleo. Essas especializações ocorreram tanto no Instituto Francês de Petróleo quanto no Instituto para Estudos de Energia da Universidade de Oxford.
A ela aplica-se na perfeição o pensamento segundo o qual a mulher nada deve ao homem em potencial intelectual, político e de gestão, quando se lhe dão as mesmas oportunidades. Albina Assis Africano é, seguramente, uma das mulheres angolanas que mais alto galgou na esfera da política e da governação em Angola. Dona de um intelecto e capacidade de gestão notável, a agora Comissária da Expo- Angola, foi ministra das Obras Públicas e Presidente do Conselho de Administração da Sonangol .
Contudo, terá sido na condição de ministra dos Petróleos que mais se notabilizou. Liderou o pelouro, numa altura em que o sector estava longe do frenesim actual, com loucas subidas e quedas do preço do barril, cortes de produção, alinhamentos geoestratégico, entre outros.
Do pelouro responsável pela política energética nacional passou a um outro não menos sensível: a Indústria.
Confessa que conhece muitos escritores angolanos, mas, em termos de música, tem no Carlos Burity, em Angola, e em Emanuel Dibango (no exterior) a sua preferência. Tem, neste momento, um livro na sua cabeceira: "Reencontro com o Passado: contributos para a história do Marçal”, de Joaquim Marques Batalha.
"Adivinha Quem Vem Jantar?”, com Sidney Poitier, é um filme que marcou o engenheira "pela forma suave e civilizada como retrata uma história do racismo”.
Se a falta de amor ao próximo intimida a católica "bastante crente”, a também admiradora de Luther King, tem como frase de meditação "A maior arma do ser humano é a educação”, de Nelson Mandela.
Jornal de Angola
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