Mais de quatro anos após o Tribunal da Comarca de Luanda ter declarado a falência do Banco Mais, na sequência da providência cautelar do Ministério Público contra o banco em Janeiro de 2019, motivado pela retirada da licença pelo BNA na mesma data, o processo de liquidação da instituição bancária continua em caminhos tortuosos no Tribunal, caracterizados por grosseiras violações à lei por parte do Tribunal e do Ministério Público que tentam a todo o custo responsabilizar o falido por créditos inexistentes.
No mais recente desenvolvimento, datado de Agosto deste ano, o Ministério Público submeteu ao titular da causa, o juiz Venâncio Samuel, um requerimento de “incidente atípico de exclusão do falido do autos”, o que, em termos práticos, se traduz na exclusão dos advogados que têm representando o banco desde o início do processo.
Alegando falta de legitimidade dos mandatários do banco, uma vez que estes foram nomeados apenas como auxiliares do administrador da massa falida pelo Tribunal, o Ministério Público requereu, na prática, ao juiz que sejam retirados dos autos todos os actos praticados pelos advogados, enquanto representantes do Banco Mais.
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Em reacção, o juiz de causa julgou procedente o requerimento do Ministério Público, removendo os representantes do banco, enquanto parte do processo. Ao mesmo tempo, o juiz deu cinco dias ao administrador da massa falida, o senhor João Fernando Quiúma, que havia sido indicado pelo BNA, para ratificar os actos praticados pelos advogados e que, caso não o faça, o Tribunal poderá decidir por anular todos os actos praticados até ao momento pelos representantes do banco, incluindo naturalmente todas as contestações, deixando praticamente o processo exclusivamente nas mãos do Ministério Público, que é parte do processo, e do Tribunal.
A decisão do juiz Venâncio Samuel, alegadamente motivada por orientações superiores, coloca assim o administrador da massa falida entre a cruz e a espada. Ou seja, se decidir não ratificar os actos do mandatário do falido, como é alegado desejo da justiça, poderá, ainda que futuramente, ser processado pelo banco e por seus representantes, considerando que, tal como têm procedido o Ministério Público e o Tribunal, cometeria uma grosseira violação à lei.
Documentos a que o Club-K teve acesso revelam, aliás, ao detalhe, a tonelada de violações grosseiras que vêm sendo cometidas pela justiça desde o início do processo.
Desde logo, depois de, em 4 de Janeiro de 2019, José de Lima Massano ter decidido encerrar o Banco Mais, por alegada falta de capacidade de cumprimento de um Aviso que impunha o aumento do capital social de todos os bancos para 7,5 mil milhões de kwanzas, em 4 Junho de 2019 decorreu a primeira sessão de julgamento, no âmbito da falência decretada pelo Tribunal. Na ocasião, a defesa do banco, representada pelos advogados Ana Paula Godinho, Augusto Inglês e Edson Calei, solicitou uma liquidação extrajudicial, mediante deliberação dos accionistas, processo que passaria pela liquidação dos passivos do banco, pela devolução dos depósitos bancários aos clientes e pelo cumprimento de todas as outras obrigações então existentes. Em resposta, o Ministério Público, disse enfaticamente não. “Vamos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”, sublinhou na altura o Ministério Público, fazendo alusão expressa ao slogan da campanha eleitoral de 2017 do MPLA. Este facto denunciou, desde logo, a motivação política que ditou o encerramento do banco, uma vez que a decisão do BNA não tinha qualquer suporte legal, tendo em conta que, de acordo com a Lei das Instituições Financeiras em vigor na altura e mesmo a actual, classificava o incumprimento do aumento do capital social como uma contravenção apenas punível com multa e não com a retirada da licença.
Na sequência da resposta negativa do Ministério Público à proposta de solução extrajudicial e que acabou ratificada pelo Tribunal, o processo foi decorrendo, conhecendo várias peripécias. A título de exemplo e sem qualquer prova, o Banco Nacional de Angola reclamou um crédito alegadamente concedido ao Banco Mais no valor 900 milhões de kwanzas. O crédito vinha ferido no relatório-parecer do administrador da massa falida, por sinal indicado pelo BNA, mas sem qualquer prova. Curiosamente, os 900 milhões de kwanzas correspondiam justamente ao montante dos capitais próprios do Banco Mais que se encontravam depositados do BNA. Assim como o BNA, a Administração Geral Tributária, igualmente sem prova alguma, apresentou uma reclamação de crédito tributários de 1,144 mil milhões de kwanzas, alegando que havia tentado antes contacto para a confirmação da suposta dívida com a instituição bancária, incluindo com os seus accionistas, numa altura em que o banco já se encontrava, entretanto, à guarda do Banco Nacional de Angola, como fiel depositário. Ao contrário do crédito sem prova do BNA que acabou por admitir no seu relatório, o administrador da massa falida até chegou a protestar contra o crédito reclamado pela AGT, mas, no decurso do processo, o então juíz da causa, Osvaldo Malanga, acabou por admitir todos os créditos.
Na altura, a defesa do banco contestou a decisão do juiz já que, além do facto de ter admitido entre as responsabilidades do banco créditos nunca provados, Osvaldo Malanga acabaria por violar a sua própria decisão que foi publicada em edital da edição de 13 de Maio de 2020, do Jornal de Angola, em que fixava prazos para que todas as entidades que tivessem créditos junto do Banco Mais o fizessem nas datas estipuladas no edital. Segundo o edital do juiz, todos os que não apresentassem as reclamações nos prazos fixados ficariam definitivamente impedidos de apresentar qualquer reclamação no seguimento do processo. Na altura, nem o BNA nem a AGT apresentaram as respectivas reclamações. A defesa do banco decidiu agir outra vez. Convencida da actuação eivada de parcialidade do juiz em prejuízo do património do banco, a defesa do Banco Mais chegou mesmo a pedir a substituição de Osvaldo Malanga, solicitação que acabou por ser aceite pelo Tribunal, numa altura, entretanto, em que sobre o juiz em questão já pesava também um processo disciplinar promovido pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).
A saída do juiz Osvaldo Malanga que terá sido precipitada mais pelo processo disciplinar do CSMJ do que propriamente pelo pedido da defesa do banco não mudou, no entanto, o curso das arbitrariedades, como se veio a provar com a intervenção do novo juiz Venâncio Samuel.
Ao longo de todas estas fases do processo, o Ministério Público jamais reclamou contra os actos praticados pela defesa do banco. O Club-K sabe que, na contestação enviada ao juiz, a propósito deste pedido exclusão do falido do processo, os advogados explicam que, além de nunca ter protestado em todas as fases anteriores até à data contra a presença dos advogados de defesa, o Ministério Público está deliberadamente a confundir os papéis de auxiliar do administrador da massa falida e o de mandatário do banco, uma vez que o primeiro decorre de uma decisão do Tribunal e o segundo resulta de imposição da Lei. O Código do Processo Civil distingue claramente o falido como parte do processo em todas as fases, incluindo na falência e na liquidação, sendo naturalmente representando por um mandatário, no caso os advogados.
Leituras políticas apuradas sugerem que, à semelhança do que ocorre com o Banco Mais, há muitos outros processos que estão a correr com vários atropelos à Lei na justiça, mas que estão a acelerar agora com decisões contundentemente arbitrárias, por razões políticas. “Os que estão no poder agora e que têm estado a fazer todos os desmandos estão a perceber que afinal 10 anos passam rápido. Ou seja, já estão a vislumbrar o fim de João Lourenço, por isso querem acelerar as grosseiras violações à Lei para darem já estes temas como encerrados e para poderem ir atrás dos bens das pessoas, mesmo ao arrepio da Lei”, comenta um observador expedito da política e da justiça angolana.
Club-K
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