A biografia de Abel Chivukuvuku, um político “sem papas na língua”, deve encorajar mais testemunhos sobre Angola e outras versões dos acontecimentos num país que teve durante muitos anos apenas uma única verdade, espera o escritor José Eduardo Agualusa.
O novo livro do romancista, desta vez na pele de biógrafo, vai ser lançado em 15 de novembro em Luanda, depois da ideia que surgiu nas inúmeras conversas que ambos – amigos e conterrâneos, do Huambo – mantiveram ao longo de anos, se materializar nas “Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku”.
À oportunidade de retratar a vida aventurosa do biografado, Agualusa juntou a história do surgimento do nacionalismo angolano a partir do planalto central, do Reino do Bailundo, de onde descende a linhagem do ex-dirigente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
“Agradou-me trabalhar com uma pessoa como o Abel que, sendo um político, não tem papas na língua, é muito direto, não esconde nada, facilita muito o trabalho do biógrafo”, contou o escritor, em entrevista à Lusa.
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Para Agualusa, esta é apenas uma biografia de Angola entre as várias possíveis: “há muitas histórias e esta não é muito conhecida”, disse, assinalando que toda a história recente se cruza com a vida de Abel Chivukuvuku, que se tornou guerrilheiro pouco depois da independência de Angola, em 11 de novembro de 1975.
Para o escritor, apurar a verdade dos factos não foi o mais relevante: “a verdade é um conceito muito totalitário, não existe uma verdade, existem muitas versões de um mesmo acontecimento. O que conto são algumas versões de alguns acontecimentos, mas não tenho a pretensão de contar uma verdade porque não acredito nisso, não existe tal coisa”.
E dá como exemplo um dos episódios mais dramáticos da vida de Chivukuvuku, narrado no livro, que foi uma tentativa de linchamento em 1992 durante os conflitos políticos que se sucederam às primeiras eleições multipartidárias em Angola, em que vários dirigentes da UNITA foram “massacrados”.
“Eu conversei com a pessoa que estava a liderar o grupo que matou alguns desses dirigentes e que quase matou o Abel e tenho as duas versões desse acontecimento”, referiu o escritor, dizendo que até pequenos pormenores, como o facto de ser de noite ou de dia, divergem consoante as fontes.
“Eu limito-me a ouvir as pessoas, não preciso de tirar conclusões”, realçou.
O romancista defende que livros como este, que dão o testemunho de uma época, são importantes e espera que a biografia abra a discussão sobre uma série de temas que são abordados e encoraje mais pessoas a transmitir a sua versão dos acontecimentos.
Aliás, sublinhou, nunca nenhum dos seus livros despertou tanta curiosidade.
“Sinto que essa curiosidade vem em grande parte de jovens que não viveram esses acontecimentos, que ouviram falar, têm uma visão incompleta destes acontecimentos, destas versões dos acontecimentos”, disse à Lusa.
E acrescentou que Angola conheceu, durante muitos anos, apenas uma única verdade, a verdade do partido que está no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
“Isso gera uma certa curiosidade porque as pessoas conhecem aquela verdade, mas não conhecem outra, conhecem aquela versão, mas não conhecem outra, há esta curiosidade de conhecer o outro lado, do que foi a UNITA, como foi constituída, como foram os anos de guerra, os massacres em 1992 e os tempos complicados que se seguiram”, notou.
A biografia torna-se também apelativa pela própria personalidade do político, de 65 anos, que depois de deixar a UNITA liderou a coligação CASA-CE e luta agora pela legalização do seu novo projeto político PRA-JA Servir Angola.
“É uma figura muito conhecida e desperta grande simpatia em Angola”, afirmou Agualusa, descrevendo a vida de Abel Chivukuvuku que sobreviveu a duas quedas de avião, uma tentativa de linchamento em Luanda e um atentado quase como “um romance de aventuras”.
O escritor acredita que há 20 anos o livro seria “talvez recebido de outra maneira”, mas notou que a situação política evoluiu e que nas eleições do ano passado, a UNITA, partido que considera ter caminhado mais rapidamente para a democratização do que o MPLA, conseguiu pela primeira vez a vitória em Luanda.
“A maneira como os jovens olham hoje para pessoas como o Abel Chivukuvuku é muito diferente do que era há 20 ou 30 anos”, disse à Lusa.
Mas continua por fazer, destacou, uma grande historia da guerra civil, que opôs durante três décadas as forças governamentais do MPLA aos rebeldes da UNITA, fundada por Jonas Savimbi.
“Terá de ser escrita um dia e certamente recolherá essas diferentes vozes que se têm vindo a manifestar e espero que mais ainda nos próximos anos se manifestem”, sugeriu Agualusa, exortando a que mais protagonistas destes momentos históricos deixem os seus testemunhos sob a forma biográfica ou autobiográfica.
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