Quando liderava o BNA, Lima Massano (hoje ministro de Estado para a Coordenação Económica) anunciou descidas de inflação inverosímeis, propondo as correspondentes medidas financeiras, tudo sem nenhuma adesão à realidade. O FMI, depois de aplaudir e sustentar a fantasia segundo a qual faz sentido aplicar a Angola receitas económicas próprias da Europa e da América do Norte, vem agora "descaucionar" o governo. Afinal, está tudo na mesma, e a população terá de fazer mais um furo no apertado cinto em que vive.
Sempre duvidámos fortemente da política monetária seguida por Lima Massano enquanto governador do banco central angolano (Banco Nacional de Angola, BNA) e, sobretudo, dos resultados apresentados sobre a inflação.
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Numa economia que apresentava consistentemente uma inflação acima dos 20%, como era possível que, de repente, essa inflação baixasse para metade? Deveríamos acreditar num milagre? Na verdade, em Dezembro de 2020, a inflação situava-se em 25,1%; um ano depois, em Dezembro de 2021, alcançava os 27,03%; em Agosto de 2022 estava em cerca de 20%. Não nos pareceu possível que estes números correspondessem a uma descida consistente ou ancorada na realidade, tema sobre o qual escrevemos, desaconselhando a baixa de taxa de juros indicativas que o BNA implementou em Setembro de 2022. Para nossa surpresa, em Março de 2023 foi anunciado, sem nenhuma causa justificativa aparente, que a inflação tinha baixado para 10,8%.
Tudo isto nos pareceu apressado e inconsistente, mas, para nossa ainda maior surpresa, o Fundo Monetário Internacional (FMI) caucionou estes números e estas baixas das taxas de juro.
Começa agora a ver-se que, de facto, Lima Massano apenas assegurou um muito breve alívio da taxa de inflação e uma descida das taxas de juro, os quais nem sequer contribuíram para acelerar o crescimento do produto interno bruto (PIB).
O FMI finalmente acordou, e referiu recentemente que, apesar de se prever "que o impacto inflacionário da supressão dos subsídios aos combustíveis seja mais forte em 2024, é necessário adoptar este ano uma política monetária mais restritiva, tendo em conta a forte depreciação da taxa de câmbio registada recentemente, que se repercute fortemente na inflação".
Há aqui dois aspectos a considerar: em primeiro lugar, o FMI antecipa uma forte subida da inflação; em segundo lugar, continua a insistir na eliminação total do subsídio dos combustíveis. Ao mesmo tempo, quer que a taxa de juros suba ou que o dinheiro em circulação diminua. Portanto, um novo aperto aplicado a uma população já extremamente apertada.
Sublinhe-se que a receita proposta pelo FMI é uma receita que trará estagnação, senão recessão, à economia angolana, para não falar do acréscimo de problemas sociais e, consequentemente, políticos. Este cenário demonstra que Lima Massano se limitou a proceder a umas quantas proezas técnicas de muito curto prazo, que depressa se esfumaram – o país está de novo com os problemas de sempre. Não se aprendeu nada.
Na mesma linha, o Banco de Fomento Angola (BFA) prevê que a “inflação pode ficar acima de 20% no final do ano se o kwanza não recuperar e não forem adoptadas políticas monetárias mais restritivas”.
Os problemas persistem e a economia angolana continua sem beneficiar de nenhuma mudança estrutural significativa. A grande razão para a permanência dos problemas não é económica – é, essencialmente, política e cultural. As equipas económicas que governam Angola, salvo substituições de pormenor, são sempre as mesmas. São nomes que, ao longo das décadas, vão trocando entre si os postos e mantendo a abordagem do costume. Ao nível teórico, são pessoas que geralmente têm uma formação em boas universidades, que seguem os manuais ortodoxos de economia adoptados nas universidades norte-americanas, inglesas, alemãs, etc. O problema é que essas escolas, sejam liberais, neoliberais ou keynesianas, aplicam modelos económicos que nada têm que ver com a realidade angolana ou africana; são modelos conjunturais que assumem uma sociedade razoavelmente desenvolvida, com instituições a funcionar e um nível de vida suficiente. Nada disto se passa em Angola. Formados nestas escolas, os ministros “empinam” uma realidade que dista enormemente de Angola. Chegados a Luanda, geralmente vivem em “bolhas”, com poucos ou nenhuns contactos com a população e os seus problemas. Não fazem estudos empíricos sobre a economia angolana – limitam-se a tentar aplicar modelos verdadeiramente inaplicáveis. Aliás, o mesmo faz o FMI, cujas intervenções em países não desenvolvidos institucionalmente são desastradas, como se verifica em Angola, onde caucionam políticas que meses depois têm de “descaucionar”.
Um segundo aspecto liga-se ao “rapto” dos ministros das áreas económicas por parte dos interesses estabelecidos. A tradição angolana dos políticos-empresários ou empresários-políticos faz com que tudo seja uma misturada: assim, temos no governo ministros que são sócios de grandes empresas ou de alguma forma têm interesses nelas (basta ler os arquivos do Maka Angola para encontrar inúmeras associações entre políticos e empresas). Assim, os ministros defendem acima de tudo os vários interesses a que estão ligados, e não necessariamente o interesse nacional.
Temos, portanto, uma mistura politico-cultural explosiva, que envolve uma amálgama de modelos económicos inaplicáveis a Angola com interesses comerciais dos variados ministros económicos sobrepondo-se ao bem comum. O resultado só pode ser a trapalhada económica e financeira em que o país se arrasta há anos.
É fundamental criar espaço para uma nova geração de responsáveis económicos que conheçam a economia angolana, que a estudem e lhe dediquem trabalhos empíricos, e que, ao mesmo tempo, não estejam submetidos a interesses económicos de terceiros. Caso contrário, não sairemos desta crise permamente e estrutural, que exige um ambicioso programa de reformas bem diferente das receitas requentadas e recessivas do FMI.
Maka Angola
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