Com o custo de vida a aumentar e os rendimentos a encolherem, muitos angolanos evocam “ZéDu” com saudades e recorrem à “sócia” ou a minidoses para conseguirem adquirir bens essenciais, queixando-se da “inércia” das autoridades para travar a inflação.
As dificuldades que os cidadãos atravessam todos os dias, devido ao elevado preço dos bens alimentares e à acentuada desvalorização do kwanza, reflete-se em evocações saudosistas, que trazem à memória o antigo Presidente angolano, o já falecido José Eduardo dos Santos ou “Zé Dú”, como era popularmente conhecido.
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Se outrora o fenómeno “sócia”, que consiste em juntar valores para aquisição de um determinado produto, era uma opção, hoje, contaram os angolanos ouvidos pela Lusa, tornou-se um recurso obrigatório para conseguir obter o necessário para alimentar as famílias.
A aquisição de minidoses de produtos, desde o açúcar, óleo alimentar, sal, sabão em pó ou massa alimentar, tornou-se igualmente uma estratégia habitual para “fintar” os baixos rendimentos e garantir os mínimos de subsistência.
A comercializar o quilograma de feijão a 1.500 kwanzas (1,7 euros), Gisela Paca, 37 anos, vendedora ambulante no Mercado Guarda Passagem, no município de Viana, disse que as dificuldades no país se agravaram na governação do Presidente angolano, João Lourenço.
“Agora a vida está mal, João Lourenço tem que nos ajudar, no tempo do Zé Dú era diferente, olha o óleo, não sei se para massagem de uma criança ou mesmo para cozinhar, esse óleo são 100 kwanzas (0,1 euros)”, diz apontando para uma minidose de alguns gramas de líquido.
“Estamos a vender assim porque o bidon de 20 litros são 40.000 kwanzas (45 euros)”, justifica.
Exibindo o óleo alimentar dividido em pequenas embalagens de plástico rudimentares, a comerciante contou que a aquisição do óleo naquele formato tem sido recurso de muitos para garantir o “matabicho” (pequeno-almoço) ou o jantar, que muitas vezes é a única refeição do dia.
“João Lourenço vê a população que está a sofrer, tempo do Zé Dú não estava assim, tínhamos, sim, fome, mas esta vez está demais”, lamentou.
Também naquele mercado informal, localizado numa das ruas da zona do Capalanga, encontramos a vendedora Joana Neves, que pediu a intervenção das autoridades para amenizarem a galopante subida dos alimentos.
“Estamos a sofrer, tenham piedade de nós, têm de ter pena do povo, estamos a sofrer”, realçou a comerciante, recordando que uma coxa de frango, que custa atualmente 800 kwanzas (90 cêntimos), é insuficiente para dar de comer a oito filhos num país onde o salário mínimo ronda os 32.000 kwanzas (36 euros) e os agregados familiares têm, em média, cinco pessoas.
“Um monte de peixe de carapau (três peixes) está nos 2.000 kwanzas (2,2 euros), quantos peixes tens de comprar para dividir com os filhos?”, questionou.
Quem acorre ao Mercado da Mamã Gorda, conhecida zona comercial do Distrito Urbano da Estalagem, em Viana, com 50.000 kwanzas (57 euros) ou 80.000 kwanzas (90 euros) não consegue hoje garantir as compras mensais na totalidade, mesmo fazendo “sócia”.
Isabel Raimundo, reformada de 67 anos, levou 80.000 kwanzas à Mamã Gorda para comprar frescos para a casa, e teve de recorrer à “sócia” de coxa de frango, cuja caixa atinge atualmente os 16.300 kwanzas (19 euros).
Com uma outra cliente, angariada por jovens que, nestes locais, assumem essa missão em troca de alguns kwanzas, Isabel Raimundo repartiu os valores para aquisição da coxa de frango, o que lhe permitiu adquirir outros produtos.
“Os preços estão sempre altos, fiz sócia de uma meia de coxa e o restante comprei caixas, fizemos sócia porque o dinheiro que trouxemos não chega. Trouxe 80.000 kwanzas e restaram apenas 5.000 kwanzas, ainda assim as compras não chegam para o mês”, apontou.
Nos armazéns de frescos daquela conhecida zona comercial, clientes e operadores queixam-se de que os preços sobem diariamente. A caixa de carcaças de frango já custa 12.500 kwanzas (14 euros), a caixa de restos da costela de porco, denominada “lapiseira”, está nos 10.900 kwanzas (12,3 euros), a caixa de pescoço de frango a 13.600 kwanzas (15,4 euros) e a caixa de linguiça de 10 quilogramas no valor de 28.500 kwanzas (32,3 euros), valores incomportáveis para a carteira de muitos angolanos.
Entre as centenas de pessoas que ali aguardavam por uma “sociedade” circunstancial ou ocasional, tendo em conta o contexto de crise, encontramos Madalena Mgango que repartia com uma outra pessoa as quantidades de uma caixa de carcaças de frango.
“Comprei carcaça de frango e fiz sócia porque o dinheiro não chega para comprar uma caixa. Gastei 6.050 kwanzas, o dinheiro não chega para comprar peixe e frango e então tive de recorrer à carcaça”, contou.
A grávida de 24 anos lamentou ainda os altos preços dos principais produtos da cesta básica, referindo que as compras que fez são insuficientes para a família.
Para minimizar os efeitos da inflação e poupar nas compras, a cabeleireira Paula Mucoco, trouxe 50.000 kwanzas para repartir com as suas “sócias”.
“Vim fazer compras, mas os preços infelizmente estão muito altos, não conseguimos mais comprar uma caixa de frango sozinhas e tudo temos de fazer sócia, não está mesmo fácil, tudo está muito caro”, salientou a cabeleireira de 35 anos, acrescentando: “Graças a Deus a sócia está a nos ajudar bastante".
Para fugir aos altos preços, muitos cidadãos optam também por fazer compras, que denominam “apanhados”, ao fim do dia, nos mercados paralelos, altura em que os vendedores querem “despachar” as mercadorias e tornam os preços mais acessíveis.
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