SALAS NETO, O «VINGADOR»!



Quando, em Janeiro de 1991, o camarada Adelino Marques de Almeida foi transferido para a TPA, quem o substituiria na direção-geral das Edições Novembro seria o jornalista e escritor David Mestre, o  chefe de redação do Jornal de Angola, que passara a ser na prática o segundo homem da empresa, desde a extinção uns meses antes do departamento de informação, que havia sido comandado por José Ribeiro, o nosso Man Ribas.


Desconfio que o próprio Matxiânvua, homem de peso na informação e propaganda do «Kremlin, é quem fora a figura determinante para a surpreendente ascensão do Man David, de quem era admirador assumido, já que, com um histórico partidário muito pobre e, pior ainda, sendo um boémio militante como se sabia, ele não teria passado pelo crivo dos «estrategos» sem uma muleta forte dentro da estrutura, igual à do cidadão que viria a suceder.



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Ainda assim, acredito que a proximidade do fim do monopartidarismo amunciado pelas negociações que nos levariam a Bicesse também terá concorrido para o governo enviar um sinal de «abertura democrática» na comunicação social, nomeando um intelectual progressista branco de origem lusitana, para a direção-geral da empresa que edita o único jornal diário do país.


Não se podendo questionar já se a opção do regime eduardista fora boa ou um grande disparate, havia no entanto uma certeza: a nomeação de David Mestre era a pior coisa que me podia acontecer. O homem implicava-se com a minha pessoa por tudo e por nada, recebendo, todavia, o troco na medida certa, uma vez que eu nunca fui de dar a outra face.


A implicância, que já parecia doentia, era causada por uma certa ciumeira. Embora, em termos literários, fosse um autêntico piolho em comparação com o grande David Mestre, poeta e ensaísta de craveira internacional, certo mesmo é que,  pelo menos nos diferentes círculos de interesses de Luanda, incluindo os conspirativos, à época falava-se mais de mim do que dele, em razão da «cuiação» das minhas crónicas, tanto as desportivas como as sociais. Faltou pouco para me tornar num lendário, já que, sendo conhecido apenas pelo nome, muita gente pensava que eu fosse um mulato grande, cheio de carros e casas, que entrava no Futungo quando quisesse. E isso fazia confusão ao Man David, por quem eu, entretanto, enfrentamentos à parte, condescendente como sempre, continuava até a dedicar algum carinho, simpatia e compreensão, talvez por ser também muito dado a boemias ou assim. Para mim, ele era um zaquela bem curtido.


Contudo, tal como temia, David Mestre, em associação diabólica com Manuel Dionísio, jornalista português que ascenderia a chefe de redação, seu colega das noitadas e tudo, não demoraria muito para se lançar desabridamente contra mim, que era tido como o seu principal opositor, para não dizer único, um alvo a abater, portanto.


Abusando ostensivamente do seu poder recém-adquirido, arranjou um pretexto bizarro, para mandar instaurar um processo disciplinar sem lógica , cujo desfecho me obrigaria a ir procurar outros ares.

Seria submetido a inquérito apenas por ter feito uma brincadeira, tal como todo o mundo, ao assinar o relatório do piquete a que os jornalistas de primeira eram obrigados com um inocente «Salas Neto, o vingador».


David Mestre nega a proposta de Fernando Cunha, o diretor administrativo, para que fosse sancionado com três dias de desconto no salário, agravando a condenação para uma criminosa baixa de categoria de jornalista de primeira a revisor de terceira, por tempo indeterminado, algo que ele já sabia que eu não aceitaria.


«Vais é vingar a tua mãe!», xingou-me ele, quando fui ao seu gabinete contestar a estapafúrdia decisão. O camarada encontrava-se fechado com o Manuel Dionísio, pelo que o mais certo é que já estivesse estimulado.


«Vocês já estão mazé boiados!», retruquei, antes de bater com a porta, a caminho da televisão, a convite do Adelino de Almeida.


Deixem-me revelar o que realmente se passou: eu seria «trucidado», ao invés de felicitado, não pela brincadeira da assinatura do relatório do piquete, mas sim por ter alterado, corrigindo-o, o título da manchete, algo que ninguém ousava, por a primeira página ser considerada território intocável do Manuel Dionísio. Em face desse «atrevimento», a tremura dos branquelas aumentou. Era preciso neutralizarem-me o mais rápido possível. E conseguiram-no. Foi só isso.

Salas Neto em (Sueu na «ecos do areal» do Metropolitano)

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