Crise económica e o lobby das importações – Ismael Mateus



A crise económica, que estamos a viver, deixa à mostra a ineficácia dos discursos da diversificação da economia e a excessiva demora na alteração da nossa mentalidade imediatista, que privilegia a importação em detrimento da produção nacional.


Apesar de toda a narrativa de diversificação da economia, combate à corrupção e apoio à produção nacional, os factos indicam um aumento das importações. Só em 2022, o aumento foi de 40% comparado ao ano anterior e este ano prevê-se um salto maior.


Os produtos alimentares mais importados são arroz, açúcar, óleo de palma, perna de frango e óleo de cozinha e outros géneros alimentícios que podem ser produzidos no país. O negócio das importações continua de vento em popa e a ser bastante lucrativo.



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Os empresários angolanos continuam a queixar-se de falta de apoios e dizem-se asfixiados pelo lobby das importações, que em muitos casos são fomentadas pelas próprias instituições do Estado, funcionários públicos em busca de comissões e empresas privadas com “gente poderosa” por trás.


A prioridade e a agenda dessas “instituições e entidades públicas” continuam a ser o comércio e as importações que transformam em afortunados pequenos grupos económicos e de pessoas.


Apesar de todas as iniciativas governamentais, tardam os resultados na economia real, nomeadamente ao nível da redução dos custos de produção nacional, aumento da competitividade dos produtos nacionais e, em resumo, da criação de capacidade produtiva interna.


Há a necessidade de uma tomada de posição administrativa e política que definitivamente proíba por lei (não basta reduzir) a importação de determinados produtos, sobretudo para algumas instituições capazes de influenciar o mercado.


As Forças Armadas e a Polícia Nacional, tal como a Reserva Estratégica Alimentar, deveriam ter a obrigação legal de não importar nenhum (leia-se mesmo nenhum) dos produtos da cesta básica, como medida de estímulo à produção nacional.


No caso específico da Reserva Estratégica Alimentar (REA), há a necessidade de alteração profunda do seu posicionamento estratégico no mercado. Ao invés de ser um instrumento regulador do consumo a partir das importações, a REA tem de ter a coragem de investir na criação de capacidade produtiva nacional através do fomento da agricultura e da criação de níveis de competitividade mais elevados para os produtos nacionais.


A empresa que gere a REA deveria aplicar mais de metade dos seus 200 milhões de dólares para o financiamento (com acompanhamento técnico e definição de critérios de qualidade) de produção nacional de feijão, soja, trigo, milho, mandioca, batata e outros produtos, assim como estimular a indústria transformadora nacional ligada a moagens, produção de óleos vegetais e outros bens de consumo.


O mesmo se aplica a todas as empresas públicas e instituições do Estado, que (por lei) deveriam ser obrigadas a ser unicamente clientes da indústria nacional, para dar o exemplo aos demais actores.


Mesmo que inicialmente enfrentássemos algumas dificuldades, em médio e longo prazos essa seria uma medida administrativa muito acertada, uma vez que acabaria de modo sustentável por estimular os negócios dos pequenos produtores, dar empregos e criar condições para o surgimento de uma verdadeira indústria nacional.


O PLANAGRÃO prevê um investimento médio anual de cerca de 670 milhões de dólares para a produção de cereais e cerca de 471 milhões de dólares para a construção de infra-estruturas de apoio ao sector produtivo e social.


O Plano tem, nesta primeira fase, como foco as províncias da Lunda-Norte, Lunda-Sul, Moxico e Cuando Cubango e será financiado pelo Estado, através do Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA) e o Fundo Activo de Capital de Risco Angolano (FACRA) e desenvolvido pelo sector privado.


Se não forem tomadas medidas administrativas e legais no sentido de “forçar” a criação de um movimento de estímulo à produção nacional, temos dúvidas que mesmo programas como o PLANAGRÃO venham a ter condições de sucesso.


Vejamos o caso do arroz, que talvez seja o produto mais importado da cesta básica. Havendo consciência de que o país produz apenas 6% do arroz que consome, a solução não é a aposta na importação, mas, antes, na criação de condições financeiras, técnicas e logísticas para que mais fazendas do agro-negócio, cooperativas e milhares de famílias possam produzir arroz.


O PLANAGRÃO, a ser desenvolvido no Leste de Angola, dominado pela actividade mineira, deveria mobilizar, além dos planos do Governo, o envolvimento dos projectos mineiros que, no âmbito da sua responsabilidade social, deveriam apadrinhar os agricultores familiares e camponeses, tornando-os partícipes activos do PLANAGRÃO e fornecedores directos das necessidades dessas empresas.


Cabe ao Estado usar a participação social pública nessas empresas mineiras para direccionar o apoio técnico, financeiro e material aos pequenos produtores agrícolas e ao aparecimento de indústrias de transformação. De outro modo, só o Estado sem esse movimento, o lobby das importações continuará a vencer.


A situação é exactamente a mesma com os planos governamentais de produção de frangos à escala industrial para abastecer os mercados das províncias da Huíla, Namibe e Cunene.


O país gasta anualmente mais de 80 milhões de dólares na importação de frangos e necessita de cerca de mil toneladas/ano para atender as necessidades de consumo interno.


Como noutros produtos, a solução não é cobrir o consumo interno com importações, mas ter a coragem de apostar seriamente na formação de jovens empresários e cooperativas que possam massificar a produção em qualidade dentro das recomendações internacionais.


Um país com 35 milhões de hectares de terras aráveis para a prática da agricultura (apenas cinco milhões de hectares cultivados), uma rede hidrográfica de 47 bacias e 140 mil milhões de metros cúbicos não deveria ter dificuldades em produzir os seus próprios alimentos. Está tudo por fazer. Basta querer.


Isso resume a mentalidade imediatista. No geral e isso funciona assim em quase todas as áreas da nossa vida, sempre que temos um problema pela frente buscamos soluções imediatistas.


Enquanto tivermos o dinheiro do petróleo para gastar, não resistiremos à tentação de importar e importar cada vez mais, em vez de “semear para depois colher”. É isso que garante a sobrevivência do lobby das importações.


Em vez de desenvolverem projectos de auto-sustentação e auto-emprego, desenvolvendo as suas próprias capacidades e independência, os nossos jovens querem todos ser funcionários públicos e da AGT.


Em vez de desenvolver a agricultura, que mata a fome e dá sustento, emigram para as grandes cidades para serem kupapatas ou para viverem de esmola na rua. É, como diria o bispo de Cabinda, Dom Belmiro Chissengueti, a nossa mentalidade de pobre, que prefere o fútil, o imediato e a vaidade ao estável, ao consistente e sério.


A diminuição das receitas do petróleo e a subida do dólar são formas dolorosas de enfrentar a nossa realidade imediatista. Se formos todos semear, na próxima colheita, o dólar alto já não nos vai incomodar tanto.

Ismael Mateus- Jornalista e escritor, in JA

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