A questão principal acerca da saída de Manuel Nunes Júnior como ministro de Estado e da Coordenação Económica não é porque aconteceu neste momento, mas sim porque só agora aconteceu.
A carreira política do ex-ministro é emblemática do grande equívoco de João Lourenço. Nunes Júnior começou o seu percurso político relevante em 2002, como vice-ministro das Finanças. Em 2003, foi designado secretário do Bureau Político do MPLA para a Política Económica e Social. De 2008 a 2010, ocupou as funções de ministro da Economia. Em 2010, tornou-se ministro de Estado e da Coordenação Económica. Entre 2012 e 2017, foi presidente da 5.ª Comissão de Economia e Finanças. Em 2014, foi empossado como presidente do Conselho de Administração da Fundação Sagrada Esperança (Angop). Em 2017, tornou-se o ministro de Estado e da Coordenação Económica de João Lourenço.
Facilmente se vê que Manuel Nunes Júnior foi uma das pessoas-chave do MPLA para a economia desde 2002. Ora, afirmando João Lourenço, e bem, que queria reformar o modelo económico adoptado a partir de 2002, nunca se percebeu porque foi buscar um dos principais responsáveis por esse modelo falhado.
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O resultado só poderia ser a floresta de equívocos que se seguiu.
A narrativa que corre por estes dias liga a queda de Nunes Júnior ao aumento do preço da gasolina e à reacção adversa da opinião pública a esse anúncio. Não sendo mosca no Palácio Presidencial, desconheço se esse foi o gatilho da exoneração ou não. Contudo, o facto é que causas mais profundas aconselhavam há muito o afastamento de Nunes Júnior e do seu modelo económico.
É inegável que, desde 2016, Angola enfrentou uma profunda crise recessiva que teve impactos financeiros, obrigando a um controlo da despesa orçamental e da dívida pública e a algumas medidas de austeridade, que foram impostas em Angola sob a batuta do Fundo Monetário Internacional (FMI), com coordenação de Manuel Nunes Júnior.
No entanto, não reside aqui o principal problema da economia angolana, nem tais medidas seriam sustentáveis sem verdadeiras reformas económicas. A economia continuou demasiado dependente do preço do petróleo e de narrativas sem qualquer adesão à realidade.
Foi por isso que, depois de algum alívio das condições económicas entre 2022 e 2023 – que a população quase nem chegou a sentir –, a situação ameaça tornar-se de novo insustentável, parecendo que os sacrifícios dos últimos anos não terão compensado. Esse será o motivo fundamental da saída de Manuel Nunes Júnior.
A suposta austeridade financeira e a falta de reais reformas económicas levaram a economia angolana a mais um “beco sem saída”. Uma série de erros sucessivos foram sendo cometidos, e a economia não saiu efectivamente reformada e robusta. Os velhos fantasmas voltam a assombrar o país.
Como se sabe, o Orçamento Geral do Estado para 2023 teve como base uma estimativa do barril de petróleo a 75 dólares americanos. Na altura, alertámos, sem sucesso, para o facto de nos parecer pouco cautelosa essa previsão, e o tempo deu razão a esse alerta. O preço tem andado várias vezes abaixo dos 75 dólares americanos. No momento em que escrevo, o barril brent está a 74,76 dólares americanos, tendo baixado até 72,89 na quinta-feira, 8 de Junho, e até 73,55 na terça-feira, 6 de Junho.
Quer isto dizer que a margem orçamental está muito reduzida, o que talvez explique os eventuais atrasos nos pagamentos dos salários públicos de que se ouvem queixumes nas redes sociais, designadamente, por parte de professores primários, que não receberão ordenado há um mês. Bem se vê, tal não é admissível, ainda para mais em época de exames, sendo quase um convite à pequena corrupção. Certo é também que o preço do petróleo menos generoso tem implicações no valor do kwanza, que tem vindo a baixar, fazendo reavivar as pressões inflacionistas.
Quer isto dizer que, aqui chegados, depois dos anos de sofrimento económico infligido à população em nome da recuperação económica, se está a correr o risco de não ter resultados sustentáveis, pelo facto de se ter adoptado um modelo errado, apenas centrado nos aspectos financeiros e não na realidade da economia.
Para avaliarmos esse modelo, façamos um teste muito simples: o teste da fábrica de rebuçados: um empresário angolano ou estrangeiro, sem quaisquer ligações políticas, pode desembarcar no aeroporto de Luanda e fundar com facilidade uma fábrica de rebuçados? Não tem de obter inúmeras licenças que tardam, contratar primos de um ministro, enfrentar dificuldades para mover capital? Dispõe de estradas e comunicações para distribuir os rebuçados, aceder a matérias-primas? Tem mercados para venda?
Estas questões são a chave de uma economia de sucesso. Poder montar uma fábrica de rebuçados sem impedimentos nem obstáculos. E é precisamente neste aspecto que não se sente a evolução positiva que se queria.
Para um país como Angola, não há qualquer relação directa entre o equilíbrio financeiro e o crescimento económico, e, sobretudo, não se abandona a maléfica ligação entre petróleo e economia sem se criar dentro do país uma economia e um mercado livre de ligações políticas e impedimentos burocráticos.
Isto leva-nos à nomeação do novo ministro de Estado e da Coordenação Económica. José de Lima Massano é outro “velho conhecido” na condução da economia angolana, com antigas ligações ao sistema predatório da economia e que foi várias vezes denunciado no Maka Angola. Tem direito ao benefício da dúvida. Sai do Banco Nacional de Angola com dois supostos sucessos: a liberalização da taxa de câmbio e o controlo da inflação por um breve período. Deixa, porém, um problema estrutural por resolver: a fundamental reorganização da banca angolana.
Todavia, os sucessos de Massano estão debaixo de pressão, uma vez que a desvalorização acentuada do kwanza coloca em causa a descida da inflação. E há uma pergunta que não se cala: não há mais ninguém em Angola que saiba de economia? Não foram enviados tantos quadros para o estrangeiro para se doutorar? Não seria tempo de entregar as pastas económicas definitivamente a uma nova geração de técnicos, sem ligações com o passado, com visões desassombradas do futuro? Não existem? Vamos estar sempre numa permanente reciclagem de dejectos?
Dizia Ronald Reagan que as pessoas fazem a política. Com as mesmas pessoas, não é possível fazer uma política diferente, mesmo que mudem as palavras. Um vento novo de liberdade e dinamismo deveria entrar abruptamente pela economia angolana. Enquanto não se libertarem as forças da economia, não haverá resultados sustentáveis. É preciso que, enfim, qualquer pessoa com capacidade empresarial consiga criar uma fábrica de rebuçados em Angola.
Maka Angola
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