PR e Vice-PGR: curtos circuitos à vista?



A lua de mel entre o Presidente da República e a vice-Procuradora Geral da República pode não durar muito tempo.

Vencedora, com 11 votos, da eleição promovida pelo Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público para a escolha do novo Procurador Geral da República, Inocência Maria Gonçalo Pinto foi relegada para segundo plano, sendo nomeada, no dia 25 de Abril, pelo Presidente da República, para o posto de vice-Procuradora Geral da República.

O sorriso circunstancial de Inocência Pinto quando era empossada não disfarçou a mágoa por ter sido preterida de um posto a que chegaria por mérito próprio.

A mágoa da nova vice-PGR pode acentuar divergências com o Presidente da República a respeito de matérias relativas ao combate à corrupção.

Como foi referido na peça “Com João Lourenço a Presidência continua no epicentro da Corrupção” (Correio Angolense de 28 de Abril), Inocência Pinto entende que o ajuste directo é uma das principais portas de entrada da corrupção no aparelho do Estado.



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A Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção em Angola, que Inocência Pinto apresentou no dia 18 para consulta popular, identifica o ajuste directo como uma das principais alavancas da corrupção.

Desde que chegou ao poder, em Setembro de 2017, o Presidente da República transformou o ajuste directo no padrão de adjudicação de empreitadas públicas, geralmente favorecendo empresas em que

supostamente terá interesses, como a Omatapalo, o Grupo Carrinho e Gemcorp.

De acordo com a newsletter Africa Monitor Intelligence,  nesse período a Omatapalo abocanhou, por ajuste directo, empreitadas no valor de mais de 3 mil milhões de dólares. Uma das principais obras públicas executadas por essa construtora, o canal de transferência de água de Cafu, desabou parcialmente, pouco mais de um ano depois de o Presidente João Lourenço toma-la como uma ou a sua principal realização no mandato.

Sem o ajuste directo como o Presidente João Lourenço não saberia justificar a adjudicaria a um familiar, um imberbe que nunca trabalhou, de uma empreitada pública que consiste no fornecimento de carteiras escolares e que está orçado em 15 biliões de kwanzas.

Coordenadora do subgrupo técnico encarregue de elaborar a Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção, a nova Vice-Procuradora Geral da República também está num “fuso horário” diferente do Presidente da Repúblico a respeito do regime de declaração de bens por parte  dos titulares de cargos públicos. 

Actualmente, todos os detentores de cargos públicos devem declarar os seus bens num documento lacrado entregue à Procuradoria Geral da República. Essas declarações só podem ser abertas por ordem judicial em sede de um processo-crime ou processo administrativo.


Inocência Pinto defende procedimento diferente.

“Se nós estamos a lutar contra a corrupção e queremos promover a transparência, como é que vamos acompanhar a evolução financeira e patrimonial de quem declara se não tivermos acesso ao conteúdo da declaração de bens?”, perguntou.

Ela defende que as declarações de bens de detentores de cargos públicos estejam sob regime semiaberto,  que permita o seu acesso aos operadores de justiça e fiscais da legalidade para que possam  prevenir atos de corrupção, peculato e outros crimes económico-financeiros.

Em “fuso horário” diferente, o Presidente da República defende que “ser nomeado para um cargo governativo não é um castigo. Essa condição não deve levar a que o direito ao seu bom nome seja violado (…) não é justo que o cidadão, apenas porque exerce um cargo público, tenha de ver a sua vida patrimonial exposta: o que tem ou não tem, as contas bancárias no País ou no estrangeiro (…) Não é assim que funciona, e é por isso que nem a PGR está autorizada a abrir o envelope lacrado com essa informação”.

Diferentemente de outros países democráticos de direito, em Angola aos cidadãos é vedado o conhecimento do património dos titulares de cargos públicos.

A Lei da Probidade exige que todos os servidores públicos declarem os seus bens num prazo de 30 dias, após a tomada de posse. A declaração é entregue à Procuradoria Geral da República, mas o seu conteúdo só é acessível à própria guardiã por via de uma decisão judicial.

Falando a jornalistas, em Janeiro do ano passado,  o Presidente João Lourenço, de quem não se conhece muita simpatia com realidades de países mais adiantados que visita com frequência, disse que “nenhuma democracia do mundo a declaração de bens é pública”.

Em Portugal, onde João Lourenço também tem familiares a residir, todo o cidadão tem acesso à declaração de bens dos titulares de cargos públicos. 

O cidadão angolano não sabe quanto ministros como o Energia e Águas, Finanças ou Saúde,por exemplo, totalistas no Executivo de João Lourenço, declararam no princípio e no fim dos 5 anos em que permaneceram no primeiro Governo.   

A decisão das autoridades angolanas de não tornar públicas as suas declarações de rendimentos está fundada em ”ponderosas” razões.  

Se expostos, os rendimentos individuais dos governantes angolanos deixariam a comunidade internacional de queixo para a nuca e dariam razão a Bob Geldof, um conhecido músico e activista dos direitos humanos irlandês, que na década de 80 qualificou os governantes angolanos como um bando de criminosos. 

Qual é a fonte de rendimentos lícitos que o ministro Manhã de Domingo apontaria para as mansões que compra a ritmo alucinante em Madrid e outras cidades espanholas?

A Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção em Angola pode transformar-se numa renhida luta de titãs.

De um lado estará a personalidade forte de Inocência Pinto, como a descrevem os seus colegas, e do outro a conhecida teimosia, que roça à casmurrice, do Presidente João Lourenço.

PS: Iniciativa dele próprio, por via da revisão constitucional de 2021 o Presidente da República desperdiçou uma extraordinária oportunidade de eliminar a ”chatice” que consiste na submissão, ao voto dos seus pares, dos candidatos a presidente do Tribunal Supremo e a Procurador Geral e Vice Procurador Geral da República. Se tivesse liquidado esse requisito “pequeno burguês”, o Presidente da República ficaria com caminho totalmente livre para colocar à testa do Supremo e da PGR os amigos e parentes que quisesse, não lhes sendo exigível qualquer qualificação técnica ou académica. E, com isso, o Presidente teria morto o cajado e mostrado a cobra.


Correio Angolense 



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