Os últimos dias de Savimbi - José Gama



Entre os dias 4 e 8 de  Abril  de 2001,   a UNITA reuniu a sua direcção e militantes,  para reflectir estratégias naquilo que veio a ser  a  sua 16ª conferência partidária cuja discussão    atribuía-lhe particularidades de  um congresso. O local escolhido seria  a  área de saluka, na nascente do rio Kunguene, um afluente do rio Luengue-bungo  na província do Moxico.  O reconhecimento militar e os preparativos da área coube ao  chefe das operações das FALA, Abílio Kamalata “Numa”. Aquela foi a ocasião em que depois  muitos quadros não voltariam mais a se ver.



Coluna de Savimbi  acabaria por ficar desprotegida


No seguimento das suas recomendações, o Presidente da UNITA, Jonas Savimbi deu instruções a Missão Externa do seu partido para restabelecer contactos com o Embaixador Gambari, conselheiro de Koffi Annan, com o fito de fazer a eventual ponte de dialogo com o governo angolano. Entre Novembro e Dezembro de 2001, houve registros de encontros entre delegações da UNITA e da ONU em Nova York e Paris tendo o mesmo esforço se estendido junto da Comunidade de Santo Egidio de Roma.

 

As iniciativas de conversações da UNITA calharam numa altura em que as autoridades governamentais descartavam dialogo com Jonas Savimbi tendo o Presidente José Eduardo dos Santos atribuído a 17 de Dezembro daquele ano três cenários para por fim ao conflito armado: “Rendição de Savimbi, captura ou morte em combate”.

 



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O discurso de JES foi entendido como indicação de que Jonas Savimbi estava sitiado. No preciso dia em que lança os “três cenários”, a coluna do líder da UNITA sofreu um ataque. Savimbi advertiu aos seus colaboradores que a sua coluna seria perseguida e entretanto decide tirar da mesma dois dirigentes, em estado debilitado, Alcides Sakala e Celestino Kapapelo. Instruiu um oficial da sua escolta, brigadeiro Kalulu pra que se encarregasse pelos dois quadros fazendo manobras para áreas mais seguras. Kapapelo que se recusara deixar a coluna presidencial acabou por morrer de fome a 4 de Fevereiro de 2002.

 

Há indícios de que terá sido este ataque que dificultaria doravante os movimentos de Jonas Savimbi. Varias pessoas da sua caravana ficaram desperdiçadas o que se pressupõem dizer que as FAA passariam a estar em poder de novas pistas sobre a presença da coluna presidencial naquela zona. O grupo do Brigadeiro Kalulu veio a sofrer outros ataques o que precipitou o anuncio, por parte da presidência angolana, de que Alcides Sakala estava morto.

 

Acentuou-se o cerco com registro da redução dos elementos que integravam as colunas. Alguns morreram de fome e outros vitimas de emboscas ou captura. Dois generais, Kufuna Yembe e Samuel Epalanga, antigo chefe da BRINDE terão se rendido. No ano a seguir, isto é, a 23 de Janeiro de 2002, António Dembo, o Vice Presidente da UNITA, fala a Voz da America (VOA) desvalorizando a detenção dos dois oficiais e nega que as tropas do Governo tenham alguma vez estado próximo da coluna de Jonas Savimbi: “Do meu lado sim, houve uma vez que estiveram perto de mim, mas da parte do Dr Savimbi, ou da coluna que andava com ele nunca”.

 

O discurso de António Dembo soava como um instrumento de diversão, com vista a materializar os princípios do general Sun Nzu, no manual ‘a arte da guerra’: “quando estas longe finge que estas perto e quando estas perto finge que estas longe”.

 

A esta altura o presidente da UNITA, havia deixado de falar a rádios estrangeiras desde Maio de 2001. Não falava ao telefone ou aos rádios de comunicação como medida preventiva de detenção/identificação da sua voz por meios electrônicos. Os contactos que mantinha com a hierarquia militar da guerrilha era por intermédio do seu vice chefe do EMG, das FALA, o general Samuel Kapinala “Samy” que por sua vez, repassava a mensagem aos comandantes militares. Os contactos mais personalizados eram por intermédio de um oficial das comunicações do seu gabinete, o tenente-coronel, Bartolomeu Alicerces “Kate Hama”. Savimbi ficava do seu lado e dizia-lhe o que tinha que transmitir aos seus interlocutores. Falar ao telefone com Kate Hama era o mesmo que falar com o líder guerrilheiro.

 

Nesta época as autoridades angolanas apostaram na guerra electrónica. A partir da Alemanha houve compra de novos aparelhos de intercepção. Uma informação de inteligência, garante que as forças governamentais tiveram a seu dispor um especialista habilitado em imitar vozes. Através do mesmo entraram para a linha de rádios UHF de alguns comandantes militares da UNITA simulando orientações do alto comando da guerrilha.

 

Por mais de duas vezes, a coluna do general Esteves Pena “Kamy” notou terem recebido coordenadas de movimentação em que cujo ponto de estacionamento eram surpreendidos com disparos ou vultos de patrulhas das FAA. A certa altura, o grupo deixou de ter confiança, nas alegadas orientações dos seus camaradas acabando por se instalar em afluentes próximos a fronteira com a Zâmbia.

 

Uma semana antes do dia 22 de Fevereiro, o representante da UNITA em França, Isaías Samakuva recebeu, de Angola, um telefonema do tenente coronel, Kate Hame informando que o “mais velho” orientava que cessasse os contactos diplomáticos com a ONU. Na verdade, Kate Hama e um outro coronel, Kassique Pena, ambos das comunicações da coluna presidencial, tinham sido raptados a 2 de Fevereiro (data em que Savimbi fica sem contacto). Desta vez, o telefonema estava a ser feito a partir de Luanda na presença do general Manuel Vieira Dias, chefe da casa militar da Presidência da Republica.

 

No entanto, no dia em que perdem o deputado Kapapelo, a coluna presidencial tem a primeira dispersão. Um major, Guido Junjevili que ia pegar água é subvertido e de seguida apresentado no programa “Nação Coragem” da TPA. Desde então as FAA passaram a ter informações mais precisas sobre a localização da coluna de Jonas Savimbi. O Presidente da UNITA decide proceder algumas manobras e convoca o Vice Presidente, Antonio Dembo, o Secretario Geral, Lukamba “Gato, o secretario para as relações externas, Alcides Sakala, e outros para irem ao seu encontro a fim de tomarem decisões defendidas na 16ª conferencia. Mais estes tardam a chegar devido ao cerco das FAA.

 

Na manha do dia 17 de Fevereiro, ao longo do rio luoli, uma unidade das FAA que desembarcava na parte leste com a Zâmbia interceptou pela retaguarda uma coluna da UNITA que mudava de base operacional. O comissário geral das FALA, Galliano da Silva e Sousa “Bula Matadi” que se encontrava na parte de trás da caravana recusou o apelo de rendição das FAA e acabou por ser atingido mortalmente. Ele e uma menina de 12 anos foram as únicas vitimas mortais.

 

Foi também atacada, uma caravana que levava civis para a Zâmbia provenientes do Huambo. O oficial que os dirigia era o general Ezequiel Chissende “Búfalo Bill”, chefe de uma unidade de inteligência clandestina. O mesmo saiu ferido e levado para o hospital do Luena onde viria falecer.

 

Neste mesmo dia (17) a coluna de Savimbi é abalada por mais uma dispersão em conseqüência de ataques. Perdem alguns operadores com realce a um senhor identificado por Bonga e o general Malungo “Kalias” Pedro, que são capturados nas áreas do rio Luzy. Jonas Savimbi, António Dembo, general Samy e a coronel “Aninhas” Sachiambo caminharam para sul enquanto que o general Abreu “Kamorteiro” é dado como desaparecido. Em função de manobras a coluna presidencial volta a ter outra dispersão no dia 19. A esposa, de Savimbi, “mãe” Catarina é dada como estando em paradeiro incerto. O grupo que acompanha Jonas Savimbi ficou reduzido em nove elementos, (um coronel “Quim”, um guarda, o cozinheiro, uma menina, a esposa do Vice Presidente Dembo, um responsável do controle aéreo, etc.) .

No vigésimo dia de fevereiro, juntou-se a coluna presidencial, o general Abílio Kamalata “Numa” acompanhado com mais 04 pessoas que andaram dispersas desde dia 18 no Luzy. A senhora Valentina Seke, esposa de Savimbi também estava neste grupo. Durante estes dois dias com o Presidente da UNITA, o general Numa desempenhou o papel de guarda e cobriu as tarefas de comandante da coluna presidencial.

 

Savimbi, decide, entretanto, ir ao encontro do general Dembo a fim de porem em marcha a reunião que convocara desde o dia 4 daquele mês. Ia travando “briefings” com os seus colaboradores que procuravam convencê-lo a chegar até a Zâmbia mas recusara por alegados princípios de luta.

 

Na manha do dia 22 de fevereiro, há registro de fogo intenso nas margens do Rio Luio. Era o terceiro anel de segurança da coluna presidencial que estava a ser atacado. No cruzamento de fogo, foi atingido, o general Njolela Diamantino George “Big Jó” que tinha a fama de ser um dos melhores especialistas em explosivos das FALA. No seguimento, da sua morte, a unidade das FAA rompeu outro anel de segurança ao qual fazia parte, o brigadeiro José Mbule que é mortalmente atingido. A coluna de Savimbi acabaria por ficar desprotegida. Estava, inclusive sem meios de comunicação. Dispunha apenas de um radio terra-ar.

 

Ao meio dia, o grupo de 13 elementos que acompanhavam, Jonas Savimbi atravessou uma chana e ao mesmo tempo passa um pequeno avião telecomandado que se supõe ser robô de reconhecimento do exército governamental. Na caminhada os guerrilheiros notam que na zona onde passavam, existiam três diferentes marcas de pisos de pessoas que terão, provavelmente, andado naquela área. Savimbi em si, calçava um par de botas de fabrico francês com piso especifico o que terá facilitado a sua identificação.


A área onde se encontravam era na proximidade de Cassamba, localidade adjacente ao Luvuei, um dos três afluentes do rio Lungue-Bungo. Entretanto, a coluna de Savimbi envia uma coluna de dois elementos entre os quais o coronel “Quim” para ir do outro lado do rio para entender o que se estava a passar. Os mesmos não tornariam a regressar mais (terão sido capturados ou fugido?). Minutos depois choveu um pouco (cerca de 10 minutos). Enquanto isso, a coluna mete-se no interior da mata onde acampam.


Por volta das 15 horas, Jonas Savimbi atende o pedido que lhe é feito pelo general Kamalata “Numa” para ir carregar as baterias do rádio, para poder escutar o relato do jogo do Sporting. As Forças governamentais chegam ao local onde Savimbi estava e pedem para que ninguém fugisse. O líder da UNITA que se encontrava na tenda levanta e de imediato ouvem-se tiros. Savimbi é atingido com sete balas (na garganta, cabeça, tronco, pernas e braços, e etc). Uns caem, outros como um capitão de identificação impressiva é capturado. Valentina Seke, a esposa, sai ferida para mais tarde ser levada para o hospital do Luena. Os militares das FAA aproximaram-se e acrescentaram mais balas ao corpo de Savimbi que estava estendido no chão. Neste, dia o líder da UNITA, estava sem a sua arma, o que descarta a hipótese de que tenha se suicidado na cruzada de fogo. Horas depois chegou um helicóptero que retirou o corpo daquela área.

 

Lukamba “Gato”, Alcides Sakala e Marcial Dachala que iam ao encontro do falecido escutam o comunicado das FAA anunciando a morte do líder da UNITA. O Vice Presidente, António Dembo, assume automaticamente a liderança da guerrilha e a 25 de Fevereiro comunica oficialmente aos comandantes militares sobre a morte do “velho”. Na mensagem conforta-os de que morte não era fim da UNITA e que se iriam prosseguir com a causa.

 

Entretanto, a coluna do comissário adjunto das FALA, Chipindo Bonga que marchava rumo a zona norte ao encontro do general Apolo Yakevela viria a receber uma mensagem (verbal) diferente atribuída a António Dembo. Apos a escuta da mensagem notam que o som provinha de um local com eco (Quando se fala a partir da sombra das arvores, não se produz eco). Identificam que a voz não era a do seu Vice Presidente.

 

Na mesma senda, o grupo do general Lukamba “Gato” recebe uma mensagem do Chefe de Estado Maior, general Abreu “Kamorteiro” pondo ocorrente de novos dados de situação. O homem das comunicações identifica que a voz do mesmo vinha acompanhada de eco o que levou a deduzir que a pessoa que falava do outro lado estava num local fechado que não poderia ser do interior da mata. O general “Karmoteiro”, que estava desaparecido desde o dia 17 de Fevereiro encontrava-se sob custodia das FAA. Há versões de que teria se rendido ou sido capturado.

 

Por conseguinte, na primeira semana de março, o general Lukamba “Gato” difunde uma mensagem a todos comandantes informando a morte do vice Presidente por complicações das diabetes e anuncia a criação da comissão de gestão. Ao mesmo tempo há em algumas frentes militares inquietações quanto ao futuro. Alguns comandantes optam por deitar os rádios como aconteceu como o general Kamy Pena que rumou para umas planícies próximas a fronteira com a Zâmbia.

 

Em Luanda, o general Fernando Miala do SIE, ao tomar conhecimento que o general Kamy Pena encontrava-se em território zambiano enviou para aquele país, o coronel Kassique Pena, irmão do mesmo para que o convencesse a abraçar o processo de paz em curso. Na advertência feita, foi deixado claro que o não regresso de Kassique Pena simbolizaria para as autoridades angolanas, união ao irmão para fins de prosseguimento da guerra, o que habilitaria as forças governamentais irem até aquele território para trazer os dois.

 

Tanto para o governo angolano como para os rebeldes era necessário apos a morte de morte de Antonio Dembo identificar uma nova liderança para dar por concluído o processo de paz. Era necessário preservar a direcção política da UNITA para que esta pudesse controlar os comandantes que estavam em outras zonas fora do Moxico no sentido de evitar bolsas de resistências (ou mais tarde banditismo em gesto de vingança do seu líder). Havia ainda frentes de combates que desconheciam o que se estava a passar. A coluna de artilharia das FALA que integrava o major Liberty Chiaka, na área do Luvuei, apenas soube da morte de Savimbi a 16 de Março. Da parte do governo, a ocasião era também oportuna no sentido de não humilhar o adversário com o fito de fazer a paz e obter ganhos políticos demonstrativos da dimensão da magnanimidade das autoridades.




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