Nos últimos anos, a circunscrição regista o aumento do número de "trabalhadoras do sexo", algumas delas motivadas por vício ou falta de criatividade para a busca de outras formas de sobrevivência.
Trata-se de um fenómeno que envolve pessoas de diferentes idades e condição social, na maior parte mulheres pobres e desempregadas, que encontram na prostituição uma forma rápida de ganhar dinheiro.
Naquele território de Luanda, elas são facilmente localizadas, principalmente ao anoitecer, vestidas com roupas sedutoras, que despertam a atenção dos seus clientes. Em muitos casos, estes são atraídos com gestos sensuais ou linguagem não-verbal.
Quem vê as trabalhadoras do sexo pelas ruas, sobretudo na vila sede, não imagina as vicissitudes por que passam diariamente, chegando a colocar as próprias vidas em risco, a troco de quase "nada".
Na verdade, o exercício da prostituição, em Luanda, não é uma realidade exclusiva daquela circunscrição. A actividade é desenvolvida em diferentes pontos, apesar de não ser legalizada pelas autoridades.
Em algumas zonas, como Viana e Cacuaco, o negócio atinge níveis alarmantes, envolvendo, inclusive, crianças e adolescentes, que disputam a clientela, palmo-a-palmo, sem protecção e expostas a doenças sexualmente transmissíveis.
"Mila"(nome fictício), de 24 anos, é um dos exemplos entre as dezenas de mulheres que fazem da mais antiga profissão do mundo a sua fonte de sobrevivência, nas ruas de Cacuaco.
A sua história iniciou-se há dois anos, depois da perda dos pais. De lá para cá, a cidadã conta que conheceu altos e baixos nessa actividade.
No começo, quando aliciada por uma vizinha, tudo parecia fácil, até sentir na pele os riscos decorrentes do ofício. "Fui violada por cinco homens e abandonada na via pública, sem roupa", contou, quando questionada sobre o momento mais marcante da sua vida nas ruas.
Segundo a fonte, já perdeu a conta de quantas mulheres, incluindo adolescentes, praticam a prostituição como forma de sobrevivência naquela circunscrição de Luanda.
Tal como a colega de profissão "Mariza", Mila não receia ser abordada ou detida pelas autoridades policiais, denunciando que o mercado do sexo em Cacuaco envolve, inclusive, menores de 14 anos.
"Há dias pouco produtivos, em que podemos conseguir entre mil e 1500 kwanzas. Muitas, como nós, estão nessa vida por falta de condições, mas há outras que estão por gosto, porque têm famílias. Também há algumas que buscam companhias sexuais", relatou.
O exercício da prostituição e a consequente disputa por cliente, em Cacuaco, tem sido, muitas vezes, motivo de discussões e brigas, como narra "Anita", de 35 anos de idade. "Muitas adultas agridem as novas, por invadirem o seu espaço territorial", explica.
Apesar de fazer dessa actividade a sua fonte de ganha-pão, a mesma afirma que a prostituição não é a melhor forma de vencer as dificuldades da vida, apesar de, para muitas, parecer mais fácil.
Antes de entrar para a essa prática, Mila conta que tentou ser zungueira (vendedora de rua), mas desistiu depois de ter sido apanhada, pelas autoridades, a vender em local impróprio, e de ser ter sido violentada enquanto esteve presa nas imediações das antigas salinas.
"Perdi a vontade de viver, sofri muito até me reerguer. Ainda sonho deixar essa vida e caminhar de cabeça erguida", desabafou a jovem.
Diferente de Anita, "Carla" entrou para o mundo da prostituição meramente por razões financeiras. A estudante do ensino médio, que actua nas imediações da Ecocampo, confessa que faz a actividade silenciosamente, na escola, e diz nunca ter sido "descoberta".
Aos 27 anos de idade, explica que pratica a prostituição para pagar as propinas da escola, assegurar boleias e negociar, com os seus professores, a melhoria de notas e a passagem de classe.
"Se for professor, busco notas para passar de classe, com colegas, busco aqueles que podem acompanhar, pagar saldo de telefone ou dar-me boleia", relatou, convicta de que tem a situação sob controlo.
A estudante alerta, entretanto, que em Cacuaco existem pessoas que actuam como verdadeiros controladores do negócio da prostituição.
"Se nada for feito, o município pode ser tomado por estes senhores, que prometem mundos e fundos, com o propósito de jogar as filhas alheias no submundo do sexo", denunciou.
Na mesma actividade encontra-se a estudante "Lúcia", que justifica a venda do próprio corpo com a necessidade de conseguir dinheiro para pagar as suas despesas, sobretudo escolares.
"Vivo na Petrangol e faço sexo por dinheiro, na vila de Cacuaco. Ninguém sabe que faço essa vida, no período da noite. Temo que a minha família saiba, mas não tenho alternativa", disse.
Entretanto, a jovem mostra-se disposta a abandonar essa prática assim que concluir o curso de enfermagem. O seu sonho é ser enfermeira.
"As meninas da vida sofrem, porque estão sujeitas a vários tipos de ataques dos predadores sexuais, que depois do serviço, na hora de pagar, enrolam, espancam e, às vezes, deixam nas esquadras policiais, acusadas de roubo e furto de bens pessoais", testemunhou.
Sexo sem preservativo
"Também há aqueles que te obrigam a fazer sexo sem preservativo. Por isso, quero sair da prostituição", reforça a jovem, que já bateu várias portas para conseguir emprego, sem sucesso. "Alguns até abusaram-me, com a promessa de ser enquadrada. É muito triste".
Segundo essas profissionais, o mercado do sexo em Cacuaco é dinâmico e quase ininterrupto. O principal ponto é a rua principal da vila, onde falta policiamento regular para inibir a actividade, e consciência de alguns agentes ditos "coniventes" com essa prática.
"Eles (polícias) também são beneficiários", denunciou "Marta".
No meio de tantas dificuldades para as profissionais do sexo, o risco de contraírem doenças sexualmente transmissíveis, como o VIH, assume-se, actualmente, como um dos mais preocupantes.
Segundo as profissionais "Domingas" e "Luísa", há muita gente infectada pelo vírus do VIH nesse mercado, afirmando, inclusive, que a maioria das mulheres desconhece o seu estado serológico.
"Praticamente todas desconhecem o seu estado serológico, uma vez que se envolvem sem protecção e com vários parceiros. Aqui, o estômago fala primeiro. Entre morrer de doenças sexualmente transmissíveis e de fome, temos de escolher", observou Luísa.
A jovem, de olhos castanhos, 38 anos de idade, confessa que boa parte das raparigas estão infectadas, pelo que receia um dia ser diagnosticada com alguma doença. "Acredito que muitos clientes recorrem aos serviços das meninas, sabendo que estão doentes", comentou.
Aos 40 anos de idade, "Maria", uma das raparigas que beneficiou do Programa da Acção Social, abandonou todo o "conforto" oferecido e decidiu "perder-se" nas ruas. "É perda de tempo, quando não se tem dinheiro para levar para casa, visto que na via o ganho por hora".
Com vista a combater a prática da prostituição e reduzir o índice de contaminações por VIH, a Direcção Municipal da Acção Social de Cacuaco tem em curso um programa de formação virado para as mulheres recolhidas nas ruas da circunscrição.
De acordo com a responsável do sector, Isabel Vesse Vesse, no que concerne à mobilização e ao empoderamento, as autoridades locais trabalham com a Associação Cuidados de Infância.
No quadro desse projecto, explicou, já foram cadastradas e sensibilizadas mil e 820 mulheres. "Não obstante estes segmentos, temos alguns focos de concentração de mulheres prostitutas, espalhadas pelo município, principalmente, na zona urbana", frisou.
O sector tem 1820 mulheres cadastradas e sensibilizadas, das quais 10 meninas tiveram apoio de cedência de terreno para a auto-construção, além de beneficiarem da formação profissional nos centros do MAPTSS e ENFOTSS.
Isabel Vesse Vesse informou que as mulheres em Cacuaco se dedicam, maioritariamente, ao trabalho de empreendedorismo, sobretudo, nos ramos da restauração, comércio em mercado informal, venda de peixe, zungueira e agricultura.
"Também temos no município outros segmentos de mulheres que são as parceiras tradicionais e as alfabetizadoras", reiterou, considerando que todo este esforço visa incentivar as que estão na prostituição para enveredarem por vias condignas.
Ainda assim, reconheceu que algumas raparigas abandonaram o projecto, embora a Administração reforce as campanhas de sensibilização e orientação para a formação académica e profissional.
"Alegam, como motivação, o ganho fácil de dinheiro nas ruas. Pensamos ser a facilidade de ter dinheiro rápido, por meio daquela prática. Vamos continuar a apoiar com kits de inclusão produtiva e a integração das mesmas em actividades de carácter social", reafirmou.
Reportagem de Claudete Ferreira, jornalista da Angop
Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação
0 Comentários