Irene Neto fala pela primeira vez em Grande Entrevista ao NJ sobre as peripécias por que passa a família com a detenção, julgamento e condenação, em primeira instância (recorreu), do esposo, o empresário Carlos de São Vicente. Nesta conversa, a filha de Agostinho Neto, Fundador da Nação, é contundente e afirma, negando todas as acusações que recaem sobre o esposo, que o empresário foi submetido aos calabouços da Justiça por pertencer a uma família histórica no País e que está a ser sacrificado para justificar o combate à impunidade. Denuncia uma situação social deplorável que motivou a que a família decidisse emigrar: «Ficámos sem nada, estamos na indigência como se nunca tivéssemos trabalhado, investido e poupado». A residir em Portugal, Irene Neto confidencia, em entrevista por e-mail, que projecta novo encontro com João Lourenço e descarta a possibilidade de uma candidatura a Presidente da República de Angola, por conta da sua condição de dupla nacionalidade.
Carlos de São Vicente foi condenado, em Março de 2022, pelo Tribunal da Comarca de Luanda, a nove anos de prisão efectiva, por supostos crimes de peculato, branqueamento de capital e fraude fiscal. A sentença integra ainda uma indemnização ao Estado de 500 milhões de dólares. A sua defesa recorreu da decisão. Descreva-nos o que alegou no recurso? Respondo por partes para melhor compreensão, recorrendo a diversos documentos de que me valho para informar aos leitores. Defendo, veementemente, a minha família, a nossa honra e reputação. Penso que é de forma serena e persistente que, numa Angola do século XXI, devemos esgrimir factos para contrapor a desinformação ruidosa e os discursos de ódio que minam as sociedades.
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Já que fala em irmos por partes, comecemos: porquê refutam o crime de peculato? A principal acusação falsa e nula é a de crime de peculato. O Dr. São Vicente é acusado de, alegadamente, se ter apropriado de participações sociais da SONANGOL, EP na AAA Seguros, SA. Em Direito Penal, não há crimes sem lei. Nenhum dos elementos constitutivos do crime de peculato existe no caso do meu esposo: primeiro, o Dr. São Vicente não é funcionário público, pois deixou de ser director de Gestão de Riscos da SONANGOL, EP em 2001, de facto, embora o despacho de exoneração só tenha sido assinado, de jure, em 29.11.2005. Segundo, o Dr. São Vicente não subtraiu para uso próprio ou alheio dinheiro ou outra coisa móvel que lhe tenha sido entregue, tenha na sua posse ou lhe seja acessível, em razão das suas funções. Terceiro, não houve apropriação ilegítima nem dolo, ou seja, a consciência de que a apropriação é ilícita. O meu esposo nunca teve participações sociais da SONANGOL, nem tinha poderes de disposição das mesmas. Ele estabeleceu, sim, uma parceira público-privada com a SONANGOL, em consequência da definição e da implementação da Estratégia de Gestão de Riscos das Operações Petrolíferas que foi desenhada por ele. A referida estratégia foi aprovada pelo Conselho de Ministros, que a converteu no Decreto n.º 39-01, de 22 de Junho. Neste âmbito, o meu esposo adquiriu 49% da AAA Serviços Financeiros Lda e pagou US$ 8.234.450,00, como provam as Notas 12.1.1 e 12.1.2 das Contas Auditadas de 2002 e o Balanço, bem como a Nota 12.1.1 de 2001. A compra foi autorizada por Deliberação do Conselho de Administração da SONANGOL. A aquisição foi feita via AAA (Angola) Investors Ltd. Em 2004, adquiriu mais 21%, passando a deter 70% e pagou US$ 10.888.500,00, como provam as Notas 12.1.1 e 12.1.2 das Contas de 2004 e o respectivo Balanço. A compra foi autorizada por Deliberação n.º 14/2003, de 14.08.2003 do Conselho de Administração da SONANGOL. As contas eram auditadas pela Ernst&Young. Finalmente, em 2011, conforme Acta Avulsa da Assembleia-Geral da AAA Seguros SA de 4.10.2011, foi deliberado o aumento de capital social para US$ 45.000.000,00, tendo a AAA Activos Lda subscrito a totalidade do aumento de US$ 30.000.000,00, que foi pago integralmente, como provam a Nota 11.2 e o Balanço das Contas Auditadas de 2012. A auditora foi a Mazars.
Não houve, portanto, no vosso entender, nenhuma ilegalidade? As aquisições foram formalizadas em escrituras notariais públicas e registadas. Foi tudo legal e transparente. Tudo publicado em Diário da República. A AAA Activos Lda passou a deter 87,89% que, adicionados a 1% da AAA Pensões SA e de 1% de Carlos Manuel de São Vicente, perfaz 89,89%. No total, o meu esposo pagou US$ 49.122.950,00. A Sonangol Holdings SA tinha 10%. A AAA Seguros SA era uma sociedade maioritariamente detida por capitais privados, e o PCA era o Dr. São Vicente. Ao contrário do que se diz, nunca foi uma empresa pública. As acções foram compradas e pagas. Não houve apropriação nem descaminho. As aquisições tiveram sempre o consentimento dos accionistas. Logo, nunca existiu peculato.
Porquê contestam o crime de fraude fiscal? A fraude fiscal é um crime definido na Lei n.º 3-14, de 10 de Fevereiro. A acusação e a pronúncia não provaram a ocultação ou a alteração de factos ou valores que devam constar da contabilidade ou das declarações apresentadas à Administração Fiscal, nem provaram a ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à Administração Tributária. Também não provaram a celebração de negócio simulado. Sem provas nem factos, a acusação é nula. Não há uma descrição factual que demonstre os elementos objectivo e subjectivo deste tipo de crime. A acusação é oca, pois só tem abstracções e generalidades sem qualquer concretização factual e jurídica. A AAA Seguros SA era cumpridora das suas obrigações tributárias. Em 1.3.2019, a AGT emitiu uma certidão e confirmou que a sua situação tributária era regular e que nada devia ao Estado a título de impostos, contribuições, prestações tributárias ou acréscimos legais. No período de 2001 a 2017, a AAA Seguros SA pagou ao Estado US$ 96.706.560,88 atinentes ao Imposto de Selo de apólices e de recibos-prémios e comissões, IRT, Segurança Social, Imposto Industrial, retenções da Lei 7-97 e Taxas do ISS e da ARSEG. A AAA Seguros SA era um grande contribuinte fiscal afecto à Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes e escrutinada pela AGT, pela ARSEG e pelo seu auditor. Nunca foi notificada de qualquer irregularidade ou fraude fiscal. Enquanto líder do Co-Seguro das Actividades Petrolíferas, a acção da AAA Seguros SA era regulada por Acordos de Co-Seguro celebrados com as demais co-seguradoras e por um Acordo com a SONANGOL que fixava o valor da comissão de co-seguro a distribuir para os três tipos de seguros petrolíferos. Ao contrário do que se diz, era a SONANGOL, enquanto concessionária, quem determinava a percentagem das comissões. A taxa média de comissões da AAA Seguros SA de 16.5%, em 2015, era perfeitamente competitiva com a angolana (7,00%; 20,11%) e com a africana (13,49%; 23,36%), conforme estudo da ARSEG e PwC. Não há nenhuma prova de fraude fiscal, pois não ficou demonstrado qual o montante que deveria ser tributado, qual a sua proveniência (isto é, de que imposto provém e respectivo montante) e qual o montante referente a cada um dos anos de 2001 a 2016. Os valores de cada declaração de imposto e de cada ano não foram apurados. Não foi identificado nem provado o montante de impostos que, alegadamente, deveriam ter sido pagos e não foram. Logo, sem prova, a acusação de fraude fiscal é nula.
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