UM «BLACK» DOS TRÓPICOS NO GELO DO ÁRTICO- CRÓNICA DE SALAS NETO



Estávamos em Dezembro de 1993. Ido de Lisboa, já não me lembro por que companhia aérea, nem do dia exacto, cheguei a Oslo, a capital da Noruega, quando eram 14 e tais. Ainda antes da aeronave aterrar, olhando pela janelinha, anotara um pormenor curioso, que me deixaria algo intrigado: a cidade estava sob um espesso manto de escuridão, como se já fosse noite. Cheguei a pensar que o relógio se tivesse «estrambelhado», mas afinal não, nada disso havia acontecido. Já era mesmo noite!

Sei que, à medida que formos avançando para os extremos do planeta, a noite se torna cada vez mais longa, mas até então nunca havia estado em sítio algum onde ela chegasse logo depois do meio-dia, como me estava a acontecer no país do bacalhau, que era completamente desconhecido para mim, embora tivesse umas quantas referências sobre ele, a partir de dados recolhidos nos «cadernos do terceiro mundo», a mais completa fonte de informação geográfica internacional que havia à época.

Estava a trabalho pelo «Jornal dos Desportos», para a cobertura do campeonato mundial de andebol que lá se realizaria, no qual Angola participaria pela segunda vez, depois de se ter estreado na edição anterior, que se jogou em Seul, na Coreia do Sul, em Dezembro de 1990. Também estive lá.




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A piorar, à inconveniência da precocidade da noite para quem precisava da claridade do dia a fim de melhor ambientar-se, juntou-se um outro factor climatérico adverso para alguém habituado às quenturas tropicais africanas, uma senhora temperatura de oito graus negativos, também algo que nunca havia experimentado na vida.

Metido num daqueles casacos desportivos de material sintético a fingir cabedal, manifestamente insuficiente para anular o frio intenso da geleira em que Oslo estava transformada, o que fiz com prioridade absoluta,  assim que saí do hall do aeroporto, foi enfiar-me no primeiro táxi disponível que apareceu, pedindo ao motorista para me levar a um hotel do centro da cidade. E, se calhar por ter entrado em pânico, em razão de estar a enfrentar sozinho aquelas condições adversas, acabei ficando no primeiro em que o homem me poisou, sem pachorra para mais andanças.

Foi logo num de cinco estrelas, desconfio que por o gajo do taxista me ter confundido com algum operário qualificado estrangeiro do sector petrolífero ou com um turista americano cheio de dinheiro ou ainda com um funcionário sénior duma agência do sistema das nações unidas. Só pode.

Tendo-me atrasado, tanto em Luanda, como em Lisboa, por razões financeiro-operativas, estava completamente por minha conta, sem qualquer contacto com a delegação oficial angolana, que havia sido atirada para fora de Oslo, NUM KIMBO DE LÁ, onde as campeãs africanas, então sob batuta de Beto Ferreira, disputariam a fase preliminar da competição. Acho que o malaico do Mário Rosa de Almeida era quem a chefiava.   

O desencontro com a delegação oficial angolana acabou por se revelar tremendamente prejudicial para mim. É que ela passara a ser guiada pela mesma pessoa com quem eu estava a contar para me servir de cicerone, pelo menos nos dois primeiros dias, já que, sem saber articular nenhum som em norueguês e com um inglês que não passava do «good morning», seria muito difícil desembaraçar-me de imediato sem ajuda, mais ainda no meio daquele frio violento, que tirava a banga a qualquer assanhado.

A figura era a jurista Ana Maria, a filha primogénita do Tarik do Baleizão, minha antiga colega de escola no INE Garcia Neto, sendo que acabaria por ser de sala e curso da sua irmã Alexandra Aparício, nos idos de 80. Sabia-a casada com um norueguês, o que a levaria a fixar-se na terra do marido.

A senhora seria dos primeiros angolanos a estabelecerem-se nesse país nórdico, muito bem falado pelas excelentes condições de vida que oferece aos seus povos e aos estrangeiros que lá residem. Melhor «pisteira»,  decerto que não teria.

Infelizmente, não pude desfrutar das suas valências, como tinha perspectivado. Acredito que se ela não me tivesse faltado, certamente que não haveria de me ver obrigado a ficar hospedado num hotel de cinco estrelas, com custos acima das minhas possibilidades, o que estaria na base das peripécias por que passaria nessa viagem, que antes parecia ter tudo para ser uma jornada paradisíaca, como vos darei conta em capítulo a seguir.

Na foto, eu, jornalista-em-chefe, em Barcelona, Espanha, numa das várias viagens que viria a fazer depois pela Europa.





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