É traço característico em Angola existir uma classe de “intocáveis”, para quem os actos que praticam devem ser sempre elogiados e nunca criticados, tal como é característico que a cada crítica que se tece contra os mesmos, emergem um conjunto de defensores a “crucificar o mensageiro, sem nunca emitir opinião ou ponto de vista em relação à mensagem”. É este o modelo de Estado que juram construir e advogam defender. Vamos aos factos.
É sabido que em Angola, desde muito cedo, os pais fundadores da República Independente eram na sua maioria avessos à democracia, tal como foi provado de forma fáctica no fracasso dos “Acordos de Alvor” e todas as demais tentativas de coexistência plural e pacífica. Esta tendência totalitária fez com que em 1979, depois da barbárie e das atrocidades cometidas entre Maio de 1977 a 1979, fosse instituída à Procuradoria Geral da República de Angola, com a entrada em vigor da Lei n.º 4/79, com “hipertrofia funcional”, e com o Código Genético de um braço armado do sistema e ao serviço de ordens superiores (que já gravitavam na época de forma despudorada), portanto uma substituta da DISA com “cirurgia estética” à moda do Bloco Socialista, e como fundamento desta tese confira-se o n.º 2, do artigo 4.º da Lei 4/79 ao ter estabelecido que o Procurador- Geral da República recebe do Presidente da República instruções directas e de cumprimento obrigatório e no n.º 3, do artigo 5.º consagrou-se a livre nomeação e exoneração do Procurador – Geral da República pelo Presidente da República, deixando deste modo o Procurador-Geral da República à merce da vontade do Presidente da República, ainda que esta obediência possa pôr em causa interesses nacionais da sociedade angolana.
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A Lei n.º 4/79 foi revogada pela Lei n.º 5/90, de 7 de Abril, Lei da Procuradoria-Geral da República e esta, por sua vez, revogada pela Lei n.º 22/12, de 14 de Agosto e paradoxalmente, apesar de compreenderem três distintos momentos da história política e constitucional angolana– Pós-independência, abertura ao multipartidarismo e por último a entrada em vigor da CRA. Apesar disto, a Lei n.º 22/12, de Agosto, manteve a lógica da Lei n.º 4/79 e da Lei n.º 5/90, de 7 de Abril, Lei da Procuradoria-Geral da República, ao manter no número 3, do artigo 8.º, que consagram que o Procurador Geral da República recebe ordens directas do Presidente da República, no âmbito da representação do Estado pela Procuradoria Geral da República. A manutenção desta exigência, não está inscrita na Constituição da República de Angola, basta espreitarmos as disposições dos artigos 185.º a 191.º, o que nos leva à acreditar que, a insistência na manutenção desta indicação expressa sobre o recebimento de ordens directas é uma opção ideológica e sem comparação nos sistemas com os quais temos afinidades e nos sistemas democráticos.
Recentemente, e largamente difundida, a independência e/ou autonomia do Ministério Público Angolano foi escrutinada pelo Tribunal Constitucional Espanhol no Processo de Amparo ao afirmar que “ao contrário de uma autoridade independente, não submetida à ordens ou instruções externas, em particular do poder executivo, eis que a CRA apresenta um Ministério Público que actua em representação do Estado principalmente no exercício da acção penal”.
O Tribunal Constitucional Espanhol foi mais longe ao radiografar o MP Angolano afirmando que “neste sistema o Procurador Geral, os vices e os Procuradores gerais adjuntos são nomeados pelo Presidente da República sob proposta do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, essa Magistratura do Ministério Público, nos termos do artigo 190(3) está fortemente vinculada ao Presidente da República: pois é presidido pelo Procurador Geral da República, nomeado pelo Presidente da República 189(4); o mesmo Presidente da República designa directamente vários membros do Conselho Superior; e os juristas eleitos pela Assembleia Nacional, logicamente também estão estreitamente vinculados ao Presidente da República, tendo em conta que a maioria parlamentar pertence ao partido presidido pelo próprio Presidente da República e a reforçar esta vinculação consta no número 3, do artigo 8.º da Lei n.º 22/12, de 14 de Agosto, que dispõe que o Procurador Geral da República recebe ordens directas do Presidente da República.” Ora, conclui o Tribunal Constitucional Espanhol “A procuradoria Geral da República constitui uma unidade orgânica subordinada ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado, e se organiza verticalmente, sob a Direcção do Procurador-Geral da República, que recebe instruções directas e de cumprimento obrigatório do Presidente da República. Em tais circunstâncias é impossível concluir que revista características de um órgão autónomo ou independente”. Mas não precisamos dizer e posto isto viramo-nos para a engenharia jurídica em torno do (não) concurso à (sua) substituição do actual Procurador-Geral da República.
Para mim, enquanto humilde cidadão, que também é jurista, é-me inconcebível que quer o Presidenta da República tolere uma flagrante violação à Lei, quer o próprio Procurador Geral da República aceita que a sua honra e dignidade profissionais sejam postas em causa ao aceitar a continuidade no cargo, usando mecanismos e estratagemas, contrários à Lei.
Contrariamente ao disposto no artigo 179(9) da CRA onde se dispõe que os juízes jubilam ao completar 70 anos de idade, a Constituição não contém uma norma que fixa o limite de idade para jubilar ao Procurador Geral da República, entretanto, esse limite consta do artigo 146.º da Lei n.º 22/12, de 14 de Agosto que os Magistrados do Ministério Público cessam funções aos 65 anos de idade e/excepcionalmente aos 70 anos, caso existam razões ponderosas, o que desde logo significa uma mão cheia de nada. Mais grave do que isso, é aquele que recebe ordens directas e de cumprimento obrigatório e que simultaneamente dirige o Conselho Superior da Magistratura do MP, seja também ele a anunciar que tem uma lista de nomes para vice procuradores, em que um está logo excluído, por decisão do Chefe e outro não vai à “eleição” porque já está decidido que vai continuar. Afinal deve obediência à Constituição ou ao Chefe? É que nos termos da Constituição, número 4, do artigo 189.º, é o Conselho que apresenta proposta de nomeação, depois de um processo de eleição entre os candidatos ou é o Presidente da República que e extensivamente entende que as ordens que dá ao Procurador nos termos do artigo 8(3) da Lei n.º 22/12 afectam o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público?
Sente-se também com legitimidade de dizer que quem é que ele quer ou não para os cargos de vice-procurador? É assim que deve funcionar um Estado Democrático e de Direito? É a isso que chamamos fortalecimento das instituições? Então o alto Magistrado da Nação já se envolve na destruição de carreira e carácter? E a idoneidade, o mérito? E os procedimentos legítimos e lícitos que a CRA e as leis vigentes obrigam? A Transparência e a sobriedade não contam? Como ficam os valores magistrais dos princípios da legalidade e da objectividade? Estes ficam-se mesmo pelas orientações verbais recebidas pelo "Líder" e sem nenhum critério legal ou ético? Então os defensores da legalidade viram “trapaceiros” da lei em praça pública, de forma desenvergonhada e impunes? E vós camaradas, eruditos e especialistas em tudo, formados na vossa “Alma Matter” e que circundam as esferas do poder formal e subterrâneos, que dizeis diante de tanta barbaridade e iniquidade? Já sei, lembrar-se-ão do poeta maior e dirão, como sempre: “não direi nada” e eu acrescento “atingi o zero”! digam em uníssono e em bom som: o País tem rumo! Porque onde estamos e o que todos permitimos pelo nosso silêncio sepulcral leva-nos a perceber que o futuro é em lugar nenhum, que Estado de Direito é o que vos convém e que os inimigos da pátria são sempre os outros! Quanto custa afinal fazer reformas justa e profundas? quanto custa dar dignidade às instituições? Quanto custa servir Angola de forma desinteressada?
Viva Angola!
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