O FUNERAL DO ESTADO E O DESPREPARO DO ESTADO- Dago Nível



O alarme estava programado para as 5:30. Tivera combinado com a Ginga Patrícia Dos Santos Ginga para nos encontrarmos as 6:30, no viaduto da URP. Confiável como sempre, o alarme toca na hora programada. Me levanto, pego na escova e na pasta de dentes, encho o balde com água e bazo tirar um moreno, mas, antes faço a descarga matinal. Escolho a roupa mais flexível, pego na câmera, pego no buba e me ponho  a caminhar. 


Congolenses era o destino, Robaldina era o ponto de partida. Ao sair de casa as ruas só falavam sobre o funeral do estado maior. Passo a passo chego na paragem, dou um cule nas tropas da placa e me ponho em prontidão para a luta do táxi. Avenida Deolinda Rodrigues engarrafada, azuis e brancos especulando o preço, não estando disposto a pagar mais do que o preço oficial, ignorava cada som vindo dos quadradinhos e Jin Bein( não queria ser roubado em cima do meu sofrimento). Aguardei um instante e lá vinha um som rouco chamando o destino pretendido. Escongolenses, escongolenses. Dando uma marcha pra frente, me pendurei na porta logo na primeira oportunidade e num bokuar de mestre estava lá Djum.



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Só tem lugar para ficar de pé-Avisou  o cubele-


Não sou fino, não estava com pressa e o preço da viagem era justo. Razão mil para não descer. Embora a via estava  muito engarrafada a viagem estava numa, a conversa era… adivinhem! Uma figura incontornável, um gigante da música nacional. Era assim que em meio ao debate os passageiros falavam do Nagrelha. Como nunca pode faltar o do contra pra conversa cuiar, uma mãe afirmou que, só os Kunangas é que iriam para o funeral de um bandido. Queria rebater, mas preferi exercitar mais uma vez o meu silêncio. Pausei. Só fiz bem por que naquele momento, um senhor engravatado recorreu ao famoso intro “NUMA CASA ONDE FALTA PÃO TODOS GRITAM, DISCONTEM MAIS NINGUÉM TEM RAZÃO” e tirou seu passe de funcionário da Ende central e mostrou na mãe. Acto seguido das seguintes palavras; “Mãe, eu sou chefe na ende  sou fã do nagrelha e vou ao seu funeral. Aquela cena levou o pessoal ao delírio repetindo em uníssono a dica do mais velho. A tia bem sensata da vida dela se meteu calada. Notou-se a vergonha estampada na chipala da mameca. A conversa foi interrompida pelo barulho de um grupo de jovens que emergia da entrada do bairro do sucupira. Eram jovens comuns, com vidas e histórias certamente semelhantes a parte da trajetória do Nagrelha. Eram jovens periféricos. Entre eles estava uma mamoite fazendo o som do bit do comboio com uma panela e tampa. Aquele instante todo foi arrepiante e emocionante ao mesmo tempo. Um jovem dentro da táxi começou a cantar as letras do comboio. Nessa hora ainda estava tímido, não sabia o que fazer. Filmar ou se deixar hipnotizado com tudo  aquilo. Um Nagrelha, um menino que venceu sem usar a pistola estava a movimentar o país por causa da sua arte e grandeza no carisma. Era a demonstração mais clara que um dos nossos se tinha ido embora. Não foi só o Nagrelha, foi um dos nossos filhos cuja presença falava muito sobre um bocado de cada um de nós que viveu/vive nos sambizangas da vida. Era alguém que nos fazia se sentir representados de uma ou outra forma. 


A viagem alternava entre a fluidez no trânsito e pequenas paragens fruto das mbayas dos homens do azul e branco. Terminado a hipnose, reparo que estávamos próximo à famosa paragem da Bca, onde estavam banzelados um grupo de taxistas com dísticos homageando o Nagrelha. Tento fotografar a cena mas, sou impedido pelo cobrador que vem me cobrar na hora do click. Odeio cobrador de impostos. Só chegam em momentos inoportunos, sabem né?. O motorista com medo do agente regulador de trânsito que estava por aí a pentear e a se entender com os cidadãos, acelerou um pouco mais, impossibilitando-me de fazer o click daquele momento. Ainda assim, fiz com os meus olhos e arquivei na minha débil memória. Ninguém me vai tirar esse dia da mente. 


Uma aceleração, estávamos na fermat, outra, estávamos na shoprite, mais uma estamos na FTU, apartir daí já se vislumbrava a movimentação fora do normal por aquelas bandas. Emergiam grupos vindo do palanca, outros vindo do cazenga, outros vindo do Rangel e arredores. Fez-me lembrar o dia da manifestação de 11/11/2020.Era muita gente para confirmar a dimensão e o impacto do Estado Maior. 


Chegamos nos congolenses e uma cena chamou logo a minha atenção. De um lado havia um grupo de zungueiras a entoar hinos próprios de óbitos, do outro havia uma mãe a chorar enquanto vendia sua kissangua. Aquela cena me deixou de rastos, fiquei angustiado ao ver a mãe chorando daquele jeito. Parecia que tivera perdido alguém próximo de sua família sanguínea. Nesse instante me pus a pensar antropologicamente em como a morte mais recente desperta em nós as mortes anteriores. Ao chorar num óbito, os nossos povos choram todos aqueles que já se foram. Se calhar estava a chorar o seu falecido marido, ou talvez um filho? Uma filha? Nunca se sabe. O que se sabe é que o tambi do nosso vizinho é o nosso tambi. A mãe lacrimejava, a mim só restava consolá-la comprando da sua kissangua fresca das panelas. Não hesitei, passei-lhe os 100 paus. Enxugou as lágrimas e passou-me a kissangua acompanhada de um sorriso para disfarçar a tristeza que os olhos não escondiam. Isso reforçou a minha crença de que funcionários públicos deviam ter aulas de atendimento ao público com as mamãs zungueiras. 


Aquele choro, aquele sorriso alegre para disfarçar a dor, aquele momento funcionam como gatilhos, não aguentava tanta emoção. Quem me conhece sabe que choro à toa, mas fiquem descansados, não chorei naquele instante, o que fiz foi continuar a caminhar ao encontro da Ginga Patrícia que já estava a minha espera no viaduto da URP. Minutos depois estávamos juntos. Demo-nos o cule básico, perguntei sobre a Emília Nogueira, que também estava para se juntar a nós, e pedi para ela pousar pra uma foto. Feito isso nos metemos a caminhar em direção ao estádio da cidadela onde estaria a ocorrer a missa de corpo presente do Estado Maior do kuduro. Ao longo do caminho era possível perceber que todos os caminhos davam para a cidade. Uns cantavam, outros dançavam as atemporais batidas dos Lambas, com ênfase nas estrofes cantadas pelo Nana, outros conversavam sobre a falta que o kuduro e a cultura nacional sentirá com a partida do estado maior. Alguém foi mesmo mais longe gritando que o “Kuduro morreu”. Mais do que um funeral estávamos perante a maior manifestação cultural de massas… motivos 1000 para eu a Ginga nos metermos em análise de contexto. Sabíamos desde já que muito mais ainda havia de acontecer durante o funeral do Maior ícone da música Angolana…




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