A saúde do Presidente- Armindo Laureano




Em Angola, a saúde do Presidente da República (PR) e a questão do interesse público continuam a ser um tabu. Nos últimos anos da governação de José Eduardo dos Santos, eram conhecidas as suas constantes deslocações ao exterior, para tratar da sua saúde, e o silêncio monumental de todo o seu staff em torno daquilo que eles comunicavam à imprensa e à população como "visita privada". O equilíbrio ético e político que envolve a privacidade do PR e o direito dos cidadãos de serem informados sobre a condição médica do Chefe de Estado voltaram a estar em discussão quando, no último fim-de semana, circularam rumores sobre o estado de saúde do Presidente eleito, João Lourenço. A ausência temporária, a incapacidade ou indisposição momentânea de um PR causam sempre um impacto político. social, económico e emocional nos cidadãos. A falta de informação gera especulação e alimenta a desinformação, sendo, muitas vezes, os jornalistas colocados do lado oposto da barricada, em função dos interesses em jogo e em conflito.


Li em tempos um texto do jornalista brasileiro Cássio Casagrande, no qual conta uma história muito marcante sobre a saúde dos Presidentes e o interesse público. E que aqui partilho para a reflexão:


"Em 1893, os Estados Unidos da América (EUA) estavam a atravessar uma gravíssima crise financeira, com a bolsa em declínio acentuado e os mercados em pânico. Grover Cleveland tinha assumido a presidência em Março daquele ano. Já tinha governado o país no período 1885-1889, sendo o primeiro e até hoje o único Presidente a ser eleito para dois mandatos não consecutivos na história dos EUA. Exactamente no dia da sua posse, ele deu conta que tinha uma pequena saliência no céu-da-boca. À medida que crescia a crise económica deflagrada no início da sua presidência, também aumentava a protuberância interna que Cleveland podia perceber com a sua língua e, a partir de certo ponto, a bossa no palato começou a provocar fortes dores que se irradiavam pelos dentes. Os melhores médicos do país foram chamados e o diagnóstico foi unânime: tumor maligno, que deveria ser removido com a máxima urgência por uma cirurgia complexa para a época. Se a notícia de que o Presidente estava sob sério risco de vida viesse a público, ele, certamente, teria um tremendo impacto na crise económica, tornando as coisas muito piores do que já estavam. O Presidente Cleveland decidiu que a questão deveria permanecer sob o mais absoluto sigilo e com os seus assessores mais próximos concebeu um plano secreto para a realização da cirurgia. Ele não podia estar internado num hospital, pois seria facilmente reconhecido. Pediu um iate enorme e de última geração a um amigo e mandou instalar nele uma sala de cirurgia com o que havia de mais moderno em matéria de equipamento hospitalar. Seis médicos peritos em intervenções cirúrgicas daquele tipo foram recrutados. Para além de assinarem um compromisso de sigilo, outra exigência lhes foi imposta: o bigode do Presidente não poderia ser removido para facilitar a operação, pois, para além de despertar suspeitas, aquele era uma das suas mais fortes marcas na sua imagem pública como político. Para despistar a imprensa, o Presidente dos EUA anunciou que faria um retiro de verão por alguns dias na sua casa em Cape Cod (Massachussetts). O iate transformado em hospital marítimo zarpou em Junho de Nova lorque, deitou âncora em águas calmas e a operação para a extracção do tumor foi extremamente bem-sucedida. Um pedaço do palato e alguns dentes foram retirados. O Presidente Cleveland passou alguns dias em recuperação e voltou para Washington bronzeado. Voltou bem vigoroso e cheio de energia e ninguém percebeu nada. Pelo menos por algumas semanas, pois, no dia 29 de Agosto, o jornal Philadelphia Press publicou o que seria, de acordo com a sua própria manchete, o maior furo da história do jornalismo americano.




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A matéria assinada pelo jornalista E.J. Edwards revelava, em riqueza de detalhes, não só a cirurgia do Presidente Cleveland a bordo de um iate, como todo o esquema montado para manter o seu sigilo, fornecendo até o nome dos seis médicos que participaram da operação.


A notícia espalhou-se rapidamente pelos EUA, provocando a incerteza que o Governo queria evitar. A Administração Cleveland agiu rápido, emitindo uma nota assinada pelo médico do Presidente de que este não tinha qualquer problema de saúde. Através de um editor amigo, o Presidente conseguiu colocar noutro jornal a versão de que tinha tido apenas uma dor de dente que resultou na extracção de dois molares. A imprensa alinhada ao Governo atacou o jornalista Edwards, que foi tratado como sensacionalista e criador daquilo a que hoje chamamos "fake news". O jornalista caiu em descrédito, e a sua carreira ficou prejudicada.


Somente em 1917, a história foi confirmada com a publicação de um livro sobre o assunto, por um dos médicos envolvidos na operação. Documentos secretos do Governo foram tornados públicos, revelando todos os detalhes da cirurgia a que foi submetido o Presidente Grover Cleveland. O próprio tumor foi conservado em laboratório e, inclusive, submetido a testes na década de 1980, que revelaram tratar-se de um carcinoma de baixa agressividade".


A história do cancro do Presidente Cleveland é um exemplo perfeito do tal equilíbrio constitucional e político que envolve a privacidade de um Chefe de Estado, o dever de informar dos jornalistas e o direito à informação dos cidadãos.


Esta história que recupero é bastante elucidativa de que as questões de saúde dos Presidentes há muito que vêm envolvidas de muitos mistérios, zonas cinzentas e de uma relação de muita crispação com o jornalismo. Mas quem exerce o cargo de Presidente, quem é servidor público nos dias de hoje não deve ter muitas expectativas no que diz respeito à privacidade e sigilo sobre a sua situação de saúde.



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