Em 2001, à saída de um coma diabético que me “requisitou” por três dias, na Clínica Anglodente, perguntaste-me: “ó Graça, então, um matulão como tu quase te foste abaixo por causa de uma crise diabética? Não tens vergonha?”
Apenas 21 anos passados, devolvo-te a pergunta: então, um matulão como tu desiste da vida, sem dar luta?
Naquele distante Junho de 2001, eu respondi-te que era suficientemente “mais velho” para não sucumbir à primeira.
Mas, nesta sexta-feira, 19 de Agosto, deixaste-me sem resposta.
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Na segunda-feira, 15, no nosso “briefing” quase diário, fizemos um “zapping” pelos principais assuntos da agenda nacional, exprimimos sincera comiseração à língua portuguesa por causa dos maus tratos a que tem sido sujeita na campanha e concluímos que, destravada como está, a disputa pela simpatia dos eleitores poderia descambar em ofensas à honra e dignidade das mães de alguns candidatos. Entristecemo-nos com a iminência de isso acontecer. Mas, despedimo-nos com sorrisos.
Na edição do dia 13 de Maio passado do Novo Jornal referiste-te à morte do Zeca Cohen, teu amigo, como uma traiçoeira punhalada, dada pelas costas, à família e amigos.
Nesta sexta-feira, não foste melhor do que o Zeca. Com uma diferença: o Zeca foi dando sinais subtis. Tu, não. Além de traiçoeiro, és um invejoso. É assim que, entre nós, tratamos os amigos que imitam os outros.
Embora não o tenhas confessado a ninguém, ficamos agora a saber que aquele teu texto do dia 13 de Maio escondia inveja pela sorte do Zeca Cohen.
Mas, o Zeca Cohen, que já não devia ser para aqui chamado, não tem culpa de nada. Não foi ele que precipitou o vosso reencontro. Tu é que, tomado pela inveja, antecipaste o embarque para te juntares ao amigo no eterno repouso.
Já não guardo a mais leve memória sobre quando, onde, como e porquê me cruzei com o Gustavo, o nosso Simão, nome “artístico”, cujas origens, o seu progenitor, o também já falecido Jorge Airosa, nunca esclareceu muito bem.
Lembro-me, sim, que a partir de 1981, o Gustavo no Jornal de Angola e eu, um debutante na ANGOP, passamos a ter encontros frequentes.
Num tempo em que nenhum dos dois possuía carro e os telefones celulares ainda estavam por inventar, eu e o Gustavo encontrávamo-nos quase diariamente. Par isso muito contribuiu a proximidade das nossas casas.
Num tempo em que a ementa dos poucos restaurantes em funcionamento alternava entre arroz com carapau frito e carapau frito com arroz, eu e o Gustavo eramos privilegiados.
Com o Mário Campos como guia e cicerone, frequentamos tudo que era hotel e restaurante que valassem a pena em Luanda. Às costas do Mário Campos, que parecia ser accionista de todas elas, frequentamos, sem gastar um lwei, as mais badaladas discotecas de então, nomeadamente, Adão, Animatógrafo, Aquário, “Matié”.
As idas e vindas de bares, restaurantes, hotéis, discotecas, mas sobretudo aos estádios e pavilhões desportivos, que ambos frequentamos por força do ofício comum, já nos tinham quase tornado siameses. Mas, é no Jornal Desportivo Militar (JDM) que eu e o Gustavo demos o “nó” definitivo.
Em meio à melhor selecção nacional de jornalistas desportivos que o país já alguma vez formou e de que o Gustavo era o capitão e eu apenas um quase “apanha-bolas”, consolidou-se uma relação que, cedo, escapou aos “parâmetros” convencionais.
Sentíamos necessidade de encontros diários.
Desses encontros diários nasceu a minha inserção na família do Gustavo. No Bairro Popular, em casa do Enana, o pai a quem o Gustavo tratava por tu, para meu desespero e constrangimento, ganhei lugar cativo à mesa. A naturalidade comum e o facto de dispensarmos tradutor ou intérprete de kimbundu facilitaram – e de quê maneira – a minha sintonia com o Sr. Manuel da Costa. Na Dona Aninhas, mãe do Xandinho, também encontrei o acolhimento e carinho de uma mãe.
Num outro extremo de Luanda, ao Bairro Operário, a Fátima, a mãe do Gustavo e do Lilo, também me adoptou como filho.
Na casa do Gustavo e da Paula nunca precisei de aviso prévio. Entrei e sai à hora que quis.
Sempre tive permissão para frequentar a casa mesmo sem a presença de nenhum dos dois. No “lendário” R/C da primeira Torre da Cidadela, eu sabia onde encontrar a chave da porta.
Encontrei no Gustavo e na Paula a amizade e cumplicidades que não tinha em doses tão generosas no meio próprio seio familiar.
A Paula e o Gustavo sempre foram anfitriões daqueles que já não se “fabricam”.
Ponto de encontro de pessoas das mais diferentes “estirpes”, na casa do Gustavo e da Paula a conversa era solta, honesta e aberta.
Num tempo marcado por carências elementares, na casa do Gustavo e da Paula encontrávamos o que não abundava em muitos lares angolanos: whisky, vinho e cerveja. Um bom íman, a bebida, que era servida sem limitações, atraía à casa do Gustavo os primeiros contestatários do regime. Num tempo em que, seguramente, os criadores de conceitos como revús e outros ainda nem sonhavam nascer, em casa do Gustavo já se “falava mal” do regime e já se estudava as formas de lhe dar cabo.
Algumas das manchetes que mais incómodos causaram ao regime então vigente foram gizados em casa do Gustavo.
Por exemplo, uma foto, gentilmente cedida por um “ingénuo” funcionário do Protocolo de Estado, do casal José Eduardo/Ana Paula dos Santos a dançar, em casa do Gustavo sustentou o célebre título: ESTA FARRA NÃO ACABA?
Ponto de intersecção de prós e anti-regimes, os debates, acessos e acalorados em casa do Gustavo, jamais descambaram em faltas de respeito e muito menos em pancaria. Como facilmente aconteceria hoje.
Homem de pontes, Gustavo falava com tudo e todos e por isso mesmo estava a par de quase tudo. Anunciava-nos, em primeira mão, decisões que só estavam ainda nas cogitações de José Eduardo dos Santos.
Neste aspecto, pode dizer-se que o Gustavo tinha olhos e ouvidos em todo o lado.
As nossas e vindas à causa do Gustavo eram obscurecidas apenas por dois factores: muito friorento, o “anfiteatro” raramente ligava o ar condicionado. Quando, a comoventes pedidos, aceitasse ligar o aparelho, desligava-o menos de dois minutos depois. Outro: como não gostava de comer, a dona Marcelina, a sua eterna empregada, raramente recebia ordem para servir o almoço antes das…16 horas.
Fora esses “constrangimentos”, de pouca monta, é verdade, frequentar a casa do Gustavo era uma permanente festa.
Na singela homenagem que lhe faz, o Kajim Ban Gala atribui a Gustavo Costa “um sentido de humor corrosivo”. Muita gente não faz a menor ideia dos “estragos” que o humor corrosivo do Gustavo causou.
É pouco conhecido, mas a ligação do Gustavo Costa à história do Angolense e do seu sucedâneo, o Semanário Angolense, é muito mais estreita.
Em 2001 e na sequência da “rumorosa” matéria através da qual o Angolense destapou as carecas dos primeiros milionários angolanos, foi em casa do Gustavo que eu, o Candembo e o Severino Carlos nos acoitamos depois que nos sentimos perseguidos por um carro descaracterizado. Foi também em casa do Gustavo que instalamos uma precária redacção do Semanário Angolense quando, em 2004, as suas instalações ficaram completamente inundadas em consequências de fortes chuvas.
Com o tempo, a idade e os respectivos afazeres profissionais tornaram menos frequentes os nossos encontros físicos. Mas o telefone supriu isso. Sempre estivemos em sintonia, como na terça-feira, 15, ou na semana anterior quando me pediste opinião para o que, afinal, veio a ser o teu último artigo para o Expresso.
O Gustavo que agora nos deixa foi um misto de muito.
Continuando a ter-te como um “traiçoeiro” que nos apunhalou pelas costas, Gustavo, acompanho-te, contudo, na certeza de que procuraremos “replicar a tua atitude perante a tua família e as gerações mais novas como testemunho do exemplo de vida”.
À Paula, à Edith, ao Lilo, ao Xandinho, Rui, à Dulce, ao Kayaya, ao Sílvio, ao Tiago, ao Zuca, aos netos, em suma, à família Costa, garanto que o teu afastamento físico “não estragou nada”. Continuarão a ter-me por perto. Como sempre foi, desde os longínquos anos 80, quando eu e o Gustavo descobrimos que tínhamos muita coisa em comum além das iniciais dos nossos nomes, da idade, o gosto pelo uce e pela música angolana.
Gustavo, estava tentado a punir-te aqui com o que mais detestavas: lugares comuns e vulgaridades.
Sim, por muito pouco punha-me aqui a repetir que a tua morte deixa…; que a tua morte é…
Mas não o faço, pelo respeito e admiração de que te sou eterno devedor.
Sei a dimensão da cratera que a tua morte abriu.
Sei o que fizeste; sei a imensa falta que a tua acutilante e deliciosa pena fará ao jornalismo angolano.
Mas, disso já trataram outros nas merecidas homenagens que tens recebido.
Um dia desses, a gente ainda reúne o que sobrou daquele “dream time” que capitaneaste no “Jota Dê Éme” para contar, se calhar em livro, a nossa grande epopeia.
Vai em paz, companheiro, e não olhes para trás.
Transmita as minhas lembranças ao Aguiar, Américo, Passy, o Aleluia e tantos outros amigos que anteciparam a sua reforma terrena.
Correio Angolense
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