Ismael e Júlio Bessa votam no 8. Porquê? - Carlos André



Faltando pouco mais de uma semana para o dia D, dois cidadãos, sobejamente conhecidos na sociedade angolana, decidiram tornar público os respectivos votos. O exercício dos dois militantes do MPLA é comum em vários países.


Por exemplo no Brasil, país que as novelas da Globo tornaram praticamente conhecido de todos os angolanos, faltando pouco menos de dois meses para a eleição presidencial, diversas figuras públicas, nomeadamente renomados escritores, actores, músicos e outros já anteciparam que votarão no candidato de esquerda, Luís Inácio Lula da Silva.


Em Angola, duas conhecidas figuras públicas decidiram antecipadamente avisar que votarão no MPLA e no seu candidato, João Lourenço.


O jornalista e professor universitário Ismael Mateus, o primeiro a “votar”, argumentou que votará no partido da situação porque, segundo ele, o “combate à corrupção sempre foi a prioridade. Ao longo do meu percurso como pessoa com opinião publica condenei os excessos da corrupção instalada no pais. Lembro-me com muita frequências do modo como as empresas publicas eram tomadas directamente ou controladas de fora por um pequeno grupo de pessoas. Lembro-me da forma como os ministros abriam alas, prestavam vassalagem a pessoas que não eram do governo, fossem eles uns miúdos cheios de poder ou pessoas de uma Entourage de Donos de Tudo Isto. Lembro-me da necessidade de bilhetes de QI (quem indica) para empregos, ja que muito raramente havia concursos públicos de ingresso. Lembro-me dos negócios, sempre com os mesmos e sem concursos públicos nem transparência. Lembro/me do nepotismo e do cabritismo elevados a comportamentos normais e institucionais”.


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Ao exaustivo levantamento dos exemplos de corrupção e de nepotismo havidos no país, Ismael Mateus juntou, então, a conclusão de que, com a chegada de João Lourenço o roubo, a corrupção, o nepotismo, o amiguismo ficaram no passado. “Acabou o assalto descarado contra os cofres do Estado. Acabou a impunidade. O cabrito que come onde esta amarrado, morreu. Acabou todo o exibicionismo, todo o novo riquíssimo que nos era dado a ver com sarcasmo e arrogância nos anos que se seguiram à paz”.


Embora afirme ter consciência de que “ainda andam por ai novos marimbondos, uma nova e velha gente que continua com as praticas de corrupção”, Ismael Mateus, sem entrar em pormenores, diferencia os marimbondos de hoje dos do passado recente.


O voto no MPLA e no seu candidato são justificados com a ruptura com o passado embora, como afirma, ainda existam aí “novos marimbondos, uma nova e velha gente que continua com as praticas de corrupção”.

O jornalista nega o voto na UNITA e no seu candidato porque vê em ambos a continuação do passado de corrupção, nepotismo e outros males.

“Não posso dar o meu voto a quem nos oferece a possibilidade de um regresso aos velhos tempos, que sempre critiquei.”, sentencia


Conselheiro da República, Ismael Mateus dirigiu o antigo IFAL (Instituto de Formação da Administração Local).

Durante o seu consulado, mais de 5 milhões de dólares desapareceram sem deixar rasto. O processo morreu de “morte matada” no Tribunal de Contas por acção do partido e do candidato nos quais renova os votos de confiança.

“Não podemos regredir ao pior momento do pais, depois da guerra”, escreve num texto em que não explica as diferenças entre Isabel dos Santos e suas empresas, escandalosamente favorecidas no passado, e Luís Nunes e a sua Omatapalo, e Leonor Carrinho e as suas empresas, hoje despudoramente favorecidos por João Lourenço.


Júlio Bessa, outro que decidiu “votar antecipadamente”, revela que os seus 39 anos de carreira profissional e 20 na política activa lhe dizem que “Adalberto Costa Júnior não é o líder que Angola e os Angolanos precisam de momento. Tenho acompanhado os seus discursos, intervenções e entrevistas”, os quais, sustenta, sabem-lhe “sempre à imaturidade, falta de profissionalismo”.


“Aliás, e com todo o respeito que nos merece este nosso digno compatriota, ele nunca fez nada de jeito na sua vida ou para o país. É um facto indesmentível”


Mas, Júlio Bessa não vê em Adalberto Costa Júnior apenas imaturidade e uma folha de serviço em branco. Diz que o candidato da UNITA solta “com bastante facilidade palavras pobres e sem sentido prático, ideias desconexas e não tem conseguido desenvolver e apresentar a todos nós, angolanos, as suas ideias-mestre relativamente aos melhores caminhos para desenvolver Angola. Na verdade, não tem pensamento estratégico - é vago!”


É por essa e outras razões que, no Dia D, Júlio Bessa votará, sem pestanejar, no MPLAS e no seu candidato.


Mas, Júlio Bessa compromete-se também a levar para o MPLA e ao seu candidato os votos dos seus “três filhos e sobrinhos netos e filhos de pessoas amigas e de vizinhos que usarão pela primeira vez do seu direito de voto” , um universo de eleitores que pode chegar de entre os 2 a 3 milhões.


O militante do MPLA faz a seguinte pergunta a Adalberto Costa Júnior: “terá genica e sensatez para solucionar as sempre difíceis e problemáticas equações ligadas à preservação da estabilidade macro-económica, da criação de empregos, do empoderamento e emancipação da mulher, assim como da estabilidade social em geral e do abaixamento do custo de vida?”


Para quem já não se lembra, Júlio Marcelino Bessa foi ministro das Finanças de Outubro de 2000 a Dezembro de 2002. A história de Angola não regista qualquer estabilidade macro-económica ou geração de empregos que tenham ocorrido no período em que Júlio Bessa foi o tesoureiro do Estado.


Em Novembro de 2021, a escassos dias do VIII Congresso Ordinário do MPLA, o líder do Partido e Presidente da República viu-se obrigado a exonerar Júlio Bessa do cargo de governador do Kuando Kubango.


A exoneração de Júlio Bessa foi forçada pelo facto de os militantes do MPLA no Kuando Kubango rejeitarem a sua recondução no cargo de primeiro secretário provincial do MPLA.


Os membros do Comité Provincial do MPLA do Kuando Kubango não vacilaram nem mesmo perante uma missão de bons ofícios do secretariado do Bureau Político, mandatada para pôr água na fervura.


Aos amigos e familiares, Júlio Bessa disse que a sua recondução no cargo de primeiro secretário provincial deveu-se ao facto de não ser natural do Kuando Kubango.


Uma explicação que não convenceu nem mesmo os filhos e sobrinhos. Higino Carneiro e Pedro Mutindi governaram o Kuando Kubango sem serem naturais de lá.


Antes de ser unanimemente rejeitado pela “massa militante”, Júlio Bessa viu o seu nome envolvido numa operação que teria defraudado os cofres públicos em mais de 600 milhões de dólares.


Segundo denúncia do jornalista William Tonet, uma empresa, a Angoskimas Lda, à qual Júlio Bessa estaria ligada, estaria a cobrar ao governo do Kuando Kubango por serviços prestados quando ela nem sequer existia.


A empresa foi criada em 1997, mas estaria a cobrar ao Estado, com o aval do governador Júlio Bessa, o pagamento de serviços que teria prestado em... 1992 e 1993. 

O processo de Júlio Bessa foi encaminhado à Procuradoria Geral da República. Mas, é improvável que saia da gaveta.


Em suma, os dois cidadãos que anunciaram publicamente o voto no MPLA e no seu candidato têm motivos de sobra para isso.


É que um outro partido ou Presidente da República poderiam ver-se tentados a resgatar os processos em que ambos estão envolvidos.

Diferentemente do Brasil e de outros países onde figuras públicas assumem abertamente as suas escolhas, geralmente por razões políticas ou ideológicas, em Angola as nossas figuras públicas, pelo menos as que já se pronunciaram até agora, antecipam o seu voto para salvarem o próprio pêlo.




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