Há duas dimensões do Gustavo Costa também merecedoras de destaque.
O Gustavo não parecia conformado com o seu tempo; parecia ter pretendido nascer antes.
Por isso é que, aos 63 anos, já feito pai e avô, eu estava entre os não muitos amigos mais novos dele.
O Gustavo sentia-se como peixe na água na companhia de septuagenários ou mesmo octogenários aos quais, invariavelmente, tratava por tu.
Ouvi-lo a tratar por tu a mais velhos como Diógenes Boavida, Ruy Mingas, Hermínio Escórcio, Beto Van-Dúnem, por exemplo, causava-me arrepios.
Não me lembro de nenhum ancião a quem o Gustavo não tratasse por tu.
Por causa dessa mania de pretender ser mais velho, o Gustavo relatava-nos, com detalhes de quem as assistiu, lutas ocorridas duas ou três décadas antes de nascer.
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Não fosse o Zeca Cohen, que era frequentemente obrigado a pôr água na fervura com a observação de “oh Gustavo, tu não estavas lá”, eu teria piamente acreditado em todos os detalhes que ele contava de uma luta que, nos anos 50, opôs Ruy Mingas a já não me lembro quem, mas da qual o antigo secretário de Estado da Juventude e Desportos saiu claramente vencedor.
Havia, no Gustavo, uma dimensão pouco comum: como o acaso da vida fez dele colega de escola de pessoas das mais distintas partes de Angola, o Gustavo fez-se “apátrida” dentro da Pátria angolana.
O Gustavo tinha amigos de Cabinda ao Cunene.
Gustavo nasceu num tempo em que a amizade era determinada por afinidades como a família, a escola, o bairro, ou o desporto.
Por isso, nos momentos mais críticos do país em que muitos cidadãos tiveram de fazer escolhas, o Gustavo foi poupado a isso. As suas escolhas vinham lá de trás e foram feitas num tempo em que não eram criadas e muito menos condicionadas pelas opções partidárias.
Nem mesmo os momentos mais conturbados da nossa história recente perturbaram as escolhas do Gustavo.
Num país marcado por duro e profundo maniqueísmo, o Gustavo não abriu mão das suas amizades. Por isso, as “partes” aceitavam-no sem suspeições. Ele falava com Ben Ben, Salupeto Pena e outros próceres da “tribo” da UNITA da antiga Silva Porto com a mesma facilidade e naturalidade com que falava com João Lourenço, Isaac dos Anjos e outras figuras de proa do MPLA.
O Gustavo era leal aos seus amigos. É essa lealdade que fez com que “circulasse” entre o MPLA e a UNITA sem necessidade de qualquer livre trânsito.
O Gustavo era diferente da maior parte dos jornalistas angolanos, estigmatizados por uma ou por outra “parte”.
É por causa das portas abertas, de um e de outro lado, que o Gustavo conseguia obter as mais fidedignas informações quer na UNITA quanto no MPLA.
É a qualidade da informação que recolhia que fez do Gustavo um dos mais prestigiados correspondentes do Expresso.
Com meias verdades ou com informações inclinadas, Gustavo não teria conseguido manter o posto de correspondente em Luanda por 33 anos.
Feito de carne, ossos e sentimentos como qualquer um de nós, o Gustavo nunca, porém, mostrou particular afeição por qualquer partido.
Dizia, repetidamente, que o partido dele era Angola.
Verdadeiro homem e construtor de pontes, sempre pronto a dar a mão a quem lhasolicitasse, o Gustavo – e essa é a segunda dimensão que quero destacar – só não se mostrava disponível para empreitadas que sugerissem ou requeressem o braço…
Na manhã de quarta-feira, 11 de Janeiro de 2003, o Gustavo foi ver-me no Angolense. Estavamos a falar sobre os “milionários”, matéria que tínhamos publicado no sábado anterior e que causou muitas cócegas ao “sistema”, quando a secretária de Redacção interrompeu bruscamente a nossa conversa para anunciar, toda ela trêmula, que o ministro da Defesa, Kundy Paihama, tinha acabado de chegar ao jornal.
“Sr. Graça ele não está nada com boa cara. E trouxe uns senhores que estão lá fora”. A Antónia ainda não tinha acabado de falar quando Kundi Paihama assomou à porta do gabinete que eu repartia com o Américo e o Candembo.
“Campos”, como Kundi Paihama me tratava, “vim falar contigo de homem para homem”, disse aos gritos.
Antes de responder à primeira investida de Kundi Paihama, os meus olhos procuraram o Gustavo. Mas ele já lá não estava.
Para não lhe causar evidentes constrangimentos, nunca perguntei ao Gustavo como ele se “eclipsou”.
Já me tinham falado dos dotes do Gustavo para o futebol. Mas, não o imaginei capaz de contorcer-se ao ponto de se esgueirar por entre as pernas de Kundi Paihama. Que era a única rota por onde ele seguramente se escapuliu.
Correio Angolense
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