«O SALENO É O SAVIMBI, O SAVIMBI É O SALENO!»-CRÔNICA DE SALAS NETO



Há tempos, manifestei no facebook o meu desagrado pelo facto de certos tugas nos brincarem, dando o nome de uma conhecida figura angolana, que pode muito bem funcionar como nosso símbolo nacional, a seus animais domésticos ou assim. Descrevi dois casos em que o visado é o Mantorras, futebolista que brilhou no Sport Lisboa e Benfica, ao ponto de acabar por ser nomeado seu embaixador pelo presidente Luís Felipe Vieira. «Mantorras» é nome de gozação que um casal do Seixal deu a um seu cão grandalhão, feio e preto, alvo de chacota geral sempre que sai a passear e para fazer cocó num chamado Parque das Paivas, em Cruz de Pau. Mas também já foi nome dado a um corvo que se fizera amigo do pessoal duma aldeia algures em Portugal, suponho que por ser também preto, facto que chegou à mídia, ao ser base de um conflito entre os aldeães e os serviços de protecção dos animais, que o retiraram do seu convívio sem dar uma boa razão. Não achei piada nenhuma a isso e protestei contra o facto no «Quintalão do Saleno». Desconfio que outras figuras angolanas também serão alvo de igual gozação.     Podem imaginar livremente que personalidades nossas darão nomes a cães, gatos e até macacos entre os tugas, e quanto mais estranho for o animal, melhor ainda. 

Houve uma amiga que saiu em defesa dos tugas, dizendo que isso era algo culturalmente normal, tanto mais que haverá uma embaixatriz do país que tem um cão de sala chamado «Mário Soares». No entanto, quando um outro amigo disse que estava a projectar fazer duma cabra lá de casa sua xará, a moça xinguilou forte e feio só com a ideia. Lição: dar nome de pessoas a animais não é nada coisa saudável. 



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Contudo, o meu posicionamento era muito diferente há uns 20 e tal anos atrás. Então, cheguei a ensaiar dar o nome de Savimbi a um cão bem bonito que me calhara da ninhada duma cadela que havia em casa da minha sogra, onde ainda vivia encalhado. Era jornalista do Folha 8 e estava de abalada para «Kinshasa», como eu chamava ao Cassequel do Buraco, onde tinha acabado de alugar um quarto-e-sala, na primeira grande tentativa de emancipação que empreendera. A senhora dona Adelina Cardoso, a minha sogra, não aprovou a ideia nem um pouco mais ou menos. Diante disso, só para dar um bocado de raiva a ela, arranjei algo mais original, dando ao bicho o meu próprio nome: Saleno. 

Embora eu não gostasse de me fufular com cães ou gatos, tratava o Saleno como um verdadeiro príncipe, se calhar por ser meu xará. O pessoal se espantava, por exemplo, com a qualidade do pitéu que o camarada comia: boas postas de peixe grosso, coisa que muita gente do bairro só via pelo binóculo. Ficava um bocado incomodado, mas desculpava-me imediatamente, porque quem governava o país eram outros, além de que também não passava de um esfarrapado no final das contas. A diferença é que sempre dei prioridade à paparoca, a mobília que se lixasse. 

Aliás, não demorou muito para se confirmar que também não passava MESMO de um ngadiama mais ou menos remediado. Fico desempregado e sou obrigado a regressar ao chalé da sogra. Era uma goleada de 20 a 0 sobre a minha pessoa. Isto foi no ano 2000. Num último assomo de orgulho, decido livrar-me do Saleno com alguma dignidade, mas cheio de pena, até porque já me apaixonara por ele, então feito um cão bem bonito no seu pelo aloirado e muito fino. «Parece o dono», sabulavam algumas das suas fãs, não sei se com certa intenção. Ele acabaria por ir viver em casa de boa família na Samba, por intermediação de um então co-cunhado meu, que o passou a um cunhado seu. 

Entretanto, antes de tudo isso, num dia desses, estava com a minha sogra numa alegre e inspirada cavaqueira, quando ela, à passagem do animal, atirou essa, provavelmente com alguma intenção provocativa, algo que ela adorava fazer ao mínimo pretexto ou mesmo sem nenhum: «O Saleno é o Savimbi, o Savimbi é o Saleno».  Cocei a cabeça bué de vezes, mas acho que até hoje não consegui compreender qual o verdadeiro sentido das suas palavras. 

Nem mesmo o curioso facto do Saleno ter sido barbaramente assassinado  ajudou (ou ajudou, mas eu é que preferi ignorar?). O novo dono recusou uma oferta de 500 dólares pelo animal. Num dia desses, um sábado, a família foi toda passear, deixando o Saleno em casa a solo. No regresso, o coitado do bicho é encontrado a agonizar. Mesmo depois de levado de emergência ao veterinário, não consegue sobreviver. O veneno era forte. E assim se foi o Saleno. Que só não foi o meu Savimbi, porque a minha sogra não deixou.

In «As Kassumunas do Bairro Indígena», Fukuma Editora, Luanda.




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