DELFINS DE JES ACUSADOS NA HORA DA SUA MORTE



Não restam dúvidas de que o combate à corrupção está instalado em Angola, num caminho que se deseja sem retorno. Prova disto é a acusação do Ministério Público aos generais Kopelipa e Dino, desde sempre homens fortes de José Eduardo dos Santos. É de lamentar que este processo judicial deixe de fora figuras como Manuel Vicente, claramente envolvido no mesmo novelo de crimes, bem como um importante depoimento que JES deixou antes de morrer.


Na sombra da morte de José Eduardo dos Santos (JES), na passada sexta-feira, dia 8 de Julho de 2022, surgiu o despacho de acusação criminal contra os seus principais delfins, os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (“Kopelipa”) e Leopoldino Fragoso do Nascimento (“Dino”).


Trata-se de uma acusação datada de 4 de Julho, assinada por três procuradores do Ministério Público (MP) junto do Tribunal Supremo: Pedro Carvalho, Manuel Bambi e Gilberto Vunge. O despacho de acusação tem 80 páginas e 223 artigos, contando com 36 testemunhas.


O general Kopelipa é acusado de sete crimes: peculato, burla, falsificação de documentos, associação criminosa, tráfico de influências, abuso de poder e branqueamento de capitais.





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Por sua vez, ao general Dino é imputada a prática de cinco crimes: burla, falsificação de documentos, associação criminosa, tráfico de influências e branqueamento de capitais.


No mesmo despacho são igualmente acusados o cidadão chinês You Haming e o advogado Fernando Gomes dos Santos. Ainda no rol dos acusados constam três empresas: China International Fund (CIF) e duas offshore, a Plansmart e a Utter Right.

 

Do lado das testemunhas da acusação foram elencadas figuras conhecidas, como o antigo presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Francisco de Lemos Maria; o antigo ministro da Casa Civil, Carlos Feijó; e o então presidente da Espírito Santo Commerce (ESCOM), do Grupo Espírito Santo de Portugal.


Antes de referirmos muito sumariamente os factos essenciais da acusação e procedermos a uma primeira apreciação, cumpre fazer dois comentários que, embora pareçam contraditórios, revelam a verdadeira natureza do processo penal.


O primeiro comentário é evidente, mas nem por isso dispensável. Até ao fim do julgamento, os arguidos são inocentes e têm direito a defesa. O processo não pode estar definido logo à partida, já que se trata de um caminho em que uma parte apresenta as suas razões, a outra parte contesta e conta a sua versão da história, e no fim há uma decisão tomada por uma terceira parte. Neste momento, ainda a procissão vai no adro. A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou a sua versão dos factos e pretende a condenação dos dois generais. Compete a estes dar uma resposta e, no mínimo, levantar dúvidas sobre a narrativa apresentada pela PGR.


O segundo comentário é a dimensão risível do argumento que insiste em dizer que não há combate à corrupção em Angola. Desde logo porque, há apenas cinco anos, era inimaginável um processo judicial destes. Não há dúvidas de que as autoridades se têm empenhado em investigar e apresentar resultados, e que os resultados estão à vista. Podemos discordar tecnicamente de algumas acusações ou julgamentos, e discordamos. Até podemos defender que teria sido melhor utilizar um método mais sistemático e não deixar tudo nas mãos dos tribunais comuns, em processos individualizados e, geralmente, lentos. Contudo, o combate à corrupção é uma evidência e ocupa os tribunais. Mesmo aqueles que se consideram impunes neste momento, incluindo actuais governantes e até magistrados, não sabem se daqui a seis meses, um ano ou dois não estarão a contas com a justiça. Difícil foi começar, agora trata-se apenas de continuar.


As acusações aos generais Kopelipa e Dino parecem assentar em quatro conjuntos de factos. Todos têm em comum a ligação às relações económicas e financeiras de ambos com a China. 


O primeiro conjunto de factos diz respeito à venda de petróleo angolano, via Sonangol, à China e ao facto de a Sonangol ou o Estado angolano não terem recebido um cêntimo do dinheiro pago pelos chineses por esse petróleo. Segundo o artigo 37.º da acusação, uma empresa intermediária de Hong Kong, a China Sonangol International Holding Limited (CSIHL), recebia o petróleo da Sonangol, vendia-o à China e ficava com o dinheiro. Curiosamente, o presidente da CSIHL, que nunca teve representação em Angola, era Manuel Domingos Vicente, também presidente do Conselho da Administração da própria Sonangol (artigo 30.º do despacho de acusação). Os valores em causa ascendem pelo menos a 1500 milhões de dólares. A acusação explica claramente como é que MV fazia negócio consigo mesmo (artigos 29.º e 30.º do despacho de acusação), sendo que a Sonangol apenas possuía 30 por cento do CSIHL. 


MANUEL VICENTE


Estranhamente, neste primeiro conjunto de factos, o protagonista não é o general Kopelipa, nem é o general Dino, mas sim o engenheiro Manuel Vicente (MV). Trata-se de uma bizarria no que diz respeito à “economia” da acusação. Os primeiros quarenta artigos da acusação indiciam fortemente actos criminais praticados por Manuel Vicente. Chegamos assim à primeira questão: qual é a razão para que MV não seja nem arguido nem testemunha? 


Há uma corrente interpretativa defensora de imunidades para MV, após o final do seu mandato como vice-presidente da República, isto é, até Setembro de 2022. Não se compreende, no entanto, como é que essa suposta imunidade pode aplicar-se a actos praticados por MV como presidente da Sonangol, um cargo anterior à sua função enquanto vice-presidente (2012-2017).


O princípio da legalidade, orientador da actuação da PGR, obriga a que todos sejam acusados pelo mesmo crime, e não permite uma espécie de escolha em que uns são acusados e outros não. Nesse sentido, a acusação perde força ao “saltar por cima” de MV, ao mesmo tempo que gasta as primeiras dezenas de páginas a imputar-lhe factos suspeitos. São páginas e páginas sobre MV, e depois nada… Compete aos advogados de defesa tirarem as devidas ilações. Na verdade, a primeira parte da acusação parece desprovida de utilidade no que diz respeito aos arguidos do processo: general Kopelipa e general Dino.


O segundo conjunto de factos diz respeito ao Gabinete de Reconstrução Nacional, liderado pelo general Kopelipa, e a várias construções para habitação, designadamente as centralidades denominadas Zango. A descrição que consta no despacho de acusação é bastante exaustiva e detalhada. Segundo a narrativa do MP, o Estado pagou as construções, mas ficou sem a sua propriedade, aboletada por privados. 


A acusação aduz que o próprio Estado, em algumas situações, pagou duas vezes pelos mesmos edifícios. Veja-se o artigo 95.º: “É preciso esclarecer que os arguidos fizeram o Estado pagar novamente através da Sonangol.” Embora neste ponto já exista uma associação ao general Kopelipa, é certo que a Sonangol e MV continuam a assumir um papel de destaque. Importa assinalar que, nesta fase do processo, não é atribuído qualquer papel relevante ao general Dino. Mencionam-se valores superiores a 2,5 mil milhões de dólares, provenientes de empréstimos da China.


Também aqui, na construção criminal da narrativa, há perplexidades a destacar. Resulta da acusação (artigos 103.º e 104.º) que, a partir de 2010, toda a gestão dos projectos de habitação foi transferida do GRN (dirigido por Kopelipa) para a Sonangol, onde, além de Manuel Vicente, assumiram papel primordial Francisco Lemos José e Orlando Veloso, directores responsáveis à época. Segundo a descrição da acusação (por exemplo, artigos 112.º e seguintes), os problemas continuaram. Mais uma vez, não se compreende a ponderação do MP em relação aos executivos da Sonangol (Vicente, Lemos e Veloso): face aos factos descritos, não deveriam eles ser arguidos? 


Ademais, a acusação menciona Paulo Cascão como actuante em várias vendas, por via de uma procuração de MV (artigo 118.º). Cascão, por orientação de Vicente, terá agido em prejuízo do Estado (artigo 125.º). Deparamos assim com várias afirmações por parte do MP que não se dirigem directamente a Kopelipa ou a Dino, mas sim a Vicente e Cascão, afirmando-se ter havido prejuízo do Estado e falsificação de documentos nas suas actuações (artigos 125.º, 126.º e 128.º). 


É então indisputável que todo este material aportado pelo MP para os autos e para o despacho de acusação tem mais destinatários criminais além dos que são aqui arguidos, com destaque para Manuel Vicente e os seus colaboradores e representantes.


TUDO PARA O CIF


O terceiro conjunto de factos diz respeito à construção dos famosos edifícios CIF e, mais uma vez, à utilização de vantagens públicas para efeitos privados. Ligados ao China International Fund (CIF), existem também factos que, finalmente, envolvem o general Dino, a pedido do então presidente José Eduardo dos Santos, com vista ao saneamento financeiro da companhia.

 

Na parte final da acusação, há uma breve referência, no artigo 210.º, ao facto de o general Kopelipa ter entregado ao Estado angolano todo o património do CIF Angola. 


Contudo, não se refere um dos dados mais importantes para este processo criminal, como aliás para outros: o conhecimento, autorização e depoimento do então presidente José Eduardo dos Santos (JES). 


A 8 de Novembro de 2021, JES escreveu ao procurador-geral da República, Pitta Grós, uma carta de três páginas em que essencialmente se dispõe a colaborar com a justiça para a descoberta de verdade. Ou seja, JES coloca-se à disposição para prestar os esclarecimentos necessários. 


Já antes, a 20 de Dezembro de 2020, JES tinha enviado uma carta semelhante ao mesmo destinatário, referindo o seu desejo de prestar esclarecimentos e afirmando que tal lhe tinha sido coarctado no caso dos 500 milhões de dólares, que envolvia o seu filho José Filomeno e o seu governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe. 


Face à ausência de resposta das autoridades, JES resolveu fazer um longo depoimento de 12 páginas, com assinatura reconhecida pelo 4.º Cartório Notarial de Luanda. Nesse depoimento directo, JES termina a ilibar totalmente o general Dino de qualquer responsabilidade nos assuntos do CIF, afirmando que os “Tenente-General Leopoldino Fragoso do Nascimento e Dr. Fernando Santos nada têm a ver com a empresa CIF Ltd. e desconhecem a origem dos fundos investidos”. 


Na realidade, o depoimento de JES é bastante pormenorizado e circunstanciado, garantindo também que o general Kopelipa actuou dentro dos limites da lei e por sua orientação (p. 4 do depoimento). O tom de JES é claro no sentido de assumir todas as responsabilidades, ilibar Kopelipa e Dino, e reiterar que as medidas tomadas foram no interesse nacional da reconstrução no pós-guerra.


Não interessa aqui discutir JES nem o que se pensa dele: tal foi feito em recente artigo no Maka Angola. Também não se trata de acusar ou defender os generais Kopelipa e Dino. Mas a verdade é que não se pode ignorar o facto de que milhões de milhões foram roubados, durante anos a fio, pelos detentores de cargos públicos, e usados para fins privados.


Não há dúvidas de que os generais Kopelipa e Dino têm, como qualquer outro cidadão, direito a um julgamento justo. A natureza de um julgamento justo implica a utilização dos meios de prova que assegurem a defesa. Ora, ignorar as afirmações de JES sobre os actos de Kopelipa e Dino é retirar do julgamento um dos aspectos essenciais da sua actuação, designadamente na aferição da culpa de cada um deles. Não se pode considerar que existe um julgamento justo quando não se têm em conta as palavras de JES. Isto não é uma questão política, mas sim técnica, que pode implicar a nulidade do processo criminal, por recusa da utilização dos mais elementares direitos de defesa.


Na realidade, os dois grandes ausentes deste processo seriam os que mais explicações poderiam fornecer: JES, recentemente falecido, e Manuel Vicente, actualmente residente fora de Angola.


Maka Angola 



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