A canção do bode nos média estatais



Falar sobre Comunicação Social e Eleições em Angola implica recordar que Angola nasceu sob o signo da tragédia. A palavra tragédia tem origem no grego “tragoedia”, sendo “tragos”, bode, e “oidé”, ode, canção. “Ou seja; tragédia é a canção do bode!”, como nos ensina o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. “Na Grécia antiga, quando se celebravam heróis e deuses como Dionísio, antes da costumeira representação de peças de autores famosos, exibiam-se cantores que usavam pés de cabra ou bode, tal como se imaginava fossem as divindades que habitavam os bosques. Nessas cerimónias em honra ao deus, além das vestimentas de aspecto caprino, o canto era acompanhado pelo sacrifício de um bode. Mas porquê? Porque, como o bode devastava as videiras, seria também inimigo de Dionísio, o deus grego do vinho, e, por conseguinte, deveria ser sacrificado. Entre nós, modernos, a palavra tragédia tornou-se uma aplicação costumeira para designar um acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou ainda para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redundou num horrível assassinato.

Angola nasceu sob o signo de uma gravíssima tragédia humana. Essa tragédia começou antes de 1975, com a confrontação entre os movimentos da guerrilha, teve continuidade com um dissídio partidário em 1977 e ficou marcado no papel pelo Acordo de Paz do Luena de 4 de Abril de 2002.

Foram 27 anos de instabilidade social, militar, política e económica. Qual o papel da Comunicação Social (CS) angolana durante esse período de crise? Quais, dos órgãos de informação, estatais e privados, mais contribuiu para deitar lenha na fogueira e quais os que lutaram para apaziguar os ânimos?

Os angolanos da geração de Alvor estarão cientes da resposta a esta questão. Quem não se lembra da palavra de ordem lançada depois do 27 de Maio de 1977, pelos principais média do Estado: “Bater no ferro quente”? e que acirrou os ânimos das forças de segurança para, durante dois anos consecutivos, perseguir, capturar e assassinar milhares de angolanos?




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O que nos faz hoje falar aqui não é mais a triste e dolorosa recordação desse passado e do papel que a CS desempenhou, numa perspectiva acusatória, mas numa perspectiva de lição a embandeirar à frente da nossa marcha, enquanto país em vésperas do seu quinto pleito eleitoral.

Ressuscitar Angola

Os angolanos, exceptuando as crianças e os que nasceram depois de 1992, estão cientes do papel da CS angolana na criação e perpetuação da tragédia humana e desenvolvimentista. No mundo das artes, a tragédia é um género dramático que trata das acções e dos problemas humanos de natureza grave. Geralmente termina com o personagem principal morto ou sem os seus entes queridos. Ora, o personagem principal desta nossa tragédia é Angola, e Angola, como projecto de vida nova para todo o povo, está morta. É preciso, pois, ressuscitá-la!

Depois da Paz de 2002, a mídia nacional devia ter um desempenho conciliador e não agressivo, como se ainda estivéssemos em tempo de conflito armado. Quem, em Angola, pode concordar e aceitar que a CS divulgue palavrões gravíssimos contra a estabilidade política nacional? Uma dessas expressões é ARRUACEIRO. A outra é BANDIDOS. Agora surgiu mais uma, da boca de um general no activo: TERRORISTA! “Terrorista” é um epíteto muito grave, utilizado pelos colonos, para xingar os nacionalistas. Reutilizá-lo hoje, demonstra um espírito neo-colonial, como se o país não tivesse transitado da era colonial para a independência.

Se algum militar, político ou cidadão lança esses impropérios contra um partido, seja ele qual for, ou grupo de cidadãos da sociedade civil, deve ter o cuidado de identifica-los concretamente e acusar o partido ou grupo pela sua denominação, apresentando as devidas provas. Ora, falar aleatoriamente, sem citar nomes e sem apresentar provas, no quadro do enfrentamento político normal entre os partidos, é claro que a Comunicação Social deve ter o cuidado de não o reproduzir. Se alguém consegue que essas palavras sejam transmitidas nos canais de informação, então, deverá ser dada a oportunidade para o acusado se defender no mesmo médium que a publicou.

Iliteracia histórica

O país não progrediu desde 1975, em termos de pacificação dos espíritos e prevenção de conflitos. O método e a estratégia mediática é igualzinha à da fabricação de factos criminais apontados à oposição, tal como os famigerados corações nas geleiras dos escritórios e quartéis abandonados da FNLA e que levaram à defenestração e quase extinção deste movimento, hoje, uma sombra de si mesmo.

Esta postura de encenação de factos configura uma actividade rocambolesca, anacrónica, uma incrível repetição do passado que nos levou à tragédia colectiva. Resulta da iliteracia histórica dos dirigentes, que não assimilaram o nosso passado longínquo e o mais recente, a partir da Conferência de Berlim sobre a Partilha da África, de 1884. 

A imprensa tradicional, rádio, televisão e jornais é a mais próxima do cidadão comum e tem um poder dissuasor ou provocatório conforme o sentido das mensagens que transmite. Ora, ignorar estes factos do passado recente é querer simplesmente perpetuar a divisão dos angolanos. É pretender afogar Angola no mar do subdesenvolvimento e da exclusão do outro.

Como disse Aristóteles, o Homem é um animal político, um Zoom Politikon. Para além das formas clássicas de participar na vida política (como governar e opor-se à governação), nos partidos políticos e exercer o direito de voto, o cidadão comum, tem outra possibilidade de fazer e dizer política, ao exercer o seu direito fundamental à liberdade de expressão nos órgãos da Comunicação Social. Para além da política directa, feita pelos políticos profissionais, os média têm a obrigação de fazer ouvir as vozes do povo angolano. O povo angolano é muito maior do que os políticos dos partidos: o que é que uma mãe pensa das eleições deste ano? O que é que um camponês do Kuando-Kubando tem a dizer sobre a paz definitiva? O que dizem os estudantes do ensino primário sobre a falta de água nas escolas?

Angola é um país marcado por uma altíssima sensibilidade. Quem está inserido na vida política activa tem de, forçosamente, ter em conta, na sua pronúncia e acção, este factor de sensibilidade, criado pela própria composição etno-linguística da sua população. Esta composição, é como todos sabemos, produto da fundação colonial do Estado africano, no processo da Conferência de Berlim sobre a Partilha da África. Angola precisa de diálogo reconciliatório e não de monólogos provocatórios. Diálogo significa duas ou mais vozes. O meio de fazer ouvir essas vozes é a mídia estatal. E por vozes deve entender-se não só os partidos, mas os trabalhadores que fazem realmente este país e o resto da população excluída dos média, principalmente as maiorias: mulheres, crianças e jovens.

Como disse Platão, “podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.”


Correio Angolense 




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