José Carlos Paiva achou desnecessário estar presente no julgamento de um processo que ele próprio desencadeou. Soube-se pela sua advogada que o presidente do BAI reside no estrangeiro. Ora, como pode o responsável máximo de uma instituição financeira desempenhar funções à distância? A resposta é simples: não pode.
Ocorreu na passada quarta-feira, dia 11 de Maio, a primeira sessão do julgamento que confronta a queixa por difamação de José Carlos Paiva contra Tânia de Carvalho, a qual temos vindo a reportar. Anunciaremos em breve o resultado do julgamento, após a publicação da decisão da juíza da 1.ª secção da sala dos crimes comuns do Tribunal Provincial de Luanda.
O que de mais interessante se passou na audiência foi algo de inusitado. O queixoso, José Carlos Paiva, presidente do Conselho de Administração (PCA) do BAI, não se dignou a comparecer e, espantosamente, a sua advogada afirmou que ele não reside em Angola. Não se trata de estar temporariamente ausente no estrangeiro: houve uma peremptória declaração formal segundo a qual Paiva vive no estrangeiro.
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Ora, José Carlos Paiva é presidente do Conselho de Administração do BAI, embora não executivo. A pergunta que se coloca é: como é que ele exerce as suas funções estando fora do país?
A resposta é uma e está na lei, pelo que não vale a pena inventar ou efabular. A legislação que estabelece o regime das instituições financeiras (LRIF) encontra-se na Lei n.º 14/21, de 19 de Maio. Obviamente, o BAI é uma instituição financeira, por isso, é regulado por essa lei e está obrigado a cumpri-la. Também não há dúvidas de que a sede do BAI é em Luanda.
O artigo 4.º da LRIF estabelece a confiança como princípio fundamental da actividade bancária. Necessariamente, a confiança num banco começa na pessoa do seu PCA, o qual deve adoptar uma postura e um comportamento que inspirem certeza e segurança. Coloca-se a dúvida: que confiança se pode ter num banco enorme, cujo PCA vive no estrangeiro, retirado da sua sede central? Bem se vê que nunca será muita.
Acresce ainda, no plano dos princípios, que o artigo 18.º da LRIF impõe que os bancos tenham um modelo sólido de gestão, com comunicação fluida. Não percebemos como é possível assegurar uma gestão racional e eficaz quando o máximo responsável se encontra ausente. Naturalmente, as videochamadas e o teletrabalho não dão para tudo, como se percebeu durante a pandemia. O trabalho à distância tem claras limitações, sobretudo em tarefas de alta direcção e coordenação de equipas e métodos.
Por sua vez, o artigo 48.º, n.º 1, K da mesma LRIF obriga a que os gestores bancários tenham disponibilidade. Que disponibilidade pode ter um gestor que está fora do país, possivelmente até noutro continente?
Contudo, mais do que os princípios e normas de orientação genérica a partir doa quais se deduz que o PCA de um banco não pode residir no estrangeiro, há uma norma expressa: a que, no artigo 49.º, n.º 5 da LRIF, determina que os membros responsáveis pela gestão corrente devem ser residentes em território nacional. Esta norma é expressa e tem interpretação clara. Território nacional é Angola, não é Brasil, Dubai, Portugal ou a Cochinchina.
Eventualmente, poder-se-ia alegar que, sendo José Paiva PCA não executivo, não é responsável pela gestão corrente. Ora, acontece que não é assim. O PCA de um banco, executivo ou não executivo, é sempre responsável pela gestão corrente, pois os membros executivos actuam por sua delegação e são responsáveis perante ele. Não responsável pela gestão corrente serão o presidente da Assembleia Geral e os membros do Conselho Fiscal ou órgãos semelhantes.
A questão essencial é que um PCA nunca se poderá demitir da gestão corrente, sendo o último responsável sobre tudo o que se passa no banco. Note-se que, em termos técnicos e sem entrar em demasiadas explicações legais, no modelo de governação do BAI, esta distinção entre executivos e não executivos trata-se de mera distribuição interna de tarefas, em que o Conselho de Administração atribui encargos especiais a algum ou alguns administradores; o PCA mantém, de direito, a competência para gerir as actividades da sociedade, com todos os poderes e deveres normais de administração ou gestão da empresa, tal como se não tivesse sido atribuído internamente um encargo especial a algum ou alguns administradores. Por isso mesmo, e em plena e justificada coerência, também não é excluída a regular responsabilidade dos administradores não encarregados especialmente de certa matéria: permanecendo juridicamente o banco a cargo de todos e cada um dos administradores, encarregados ou não especialmente de se ocuparem, de facto, de certa matéria. Assim, todos os administradores têm os mesmos deveres: responsabilidade para com a sociedade, responsabilidade para com os credores sociais e responsabilidade para com os sócios e terceiros, não fazendo sentido a distinção entre administradores executivos e administradores não executivos. (Cfr. João Calvão da Silva, Responsabilidade civil dos administradores não executivos, da comissão de auditoria e do conselho geral e de supervisão.)
Nestes termos, a posição de José Carlos Paiva como presidente do BAI é extremamente irregular – para não dizer mesmo que, aparentemente, é ilegal. Compete assim à supervisão do Banco Nacional de Angola (BNA) agir e tomar as medidas que a lei lhe confere. Refira-se que esta actuação é tão mais importante quanto o BAI se encontra num processo público de venda de acções que deve obedecer à máxima transparência e incutir confiança no mercado.
É absolutamente destituído de sentido manter um presidente do conselho de administração numa posição irregular e impeditiva do cumprimento das suas funções. O assunto tem de ser verificado e resolvido urgentemente.
Maka Angola
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