Não se pode ter direitos iguais e especiais ao mesmo tempo! - Vânia de Lourdes Frederico


Um dos aspectos positivos consequentes da Situação de Calamidade Pública que vivemos desde Maio do ano passado é, sem dúvidas, o aumento da literacia legal por parte do cidadão comum. A Situação de Calamidade foi inicialmente declarada pelo Presidente da República através do Decreto Presidencial n.º 142/20, de 25 de Maio, na sequência do Estado de Emergência, em função da propagação do vírus da Covi-19, e tem sido sucessivamente actualizada numa base periódica mensal; embora excepcionalmente a actualização das medidas de prevenção e combate à propagação do vírus chegue mais cedo quando a situação pandémica ou relacionada exige.

Actualmente, tanto a tia do mercado informal como o homem de negócios presta bastante atenção ao Decreto Presidencial sobre actualização das medidas de prevenção e controlo da propagação do vírus da Covid-19. Estas medidas dizem respeito a todos nós e afectam directamente no nosso ser e estar. Nos dias de hoje, até a mama zungueira tem um conhecimento relativo do duplo termo Decreto Presidencial, que anterior a pandemia não fazia parte do léxico do humilde cidadão.



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As medidas de prevenção e controlo da propagação do vírus da Covid-19 têm vindo a impor inúmeras restrições na vida social dos cidadãos. Algumas dessas medidas têm-se constituído em verdadeiros desafios para a sobrevivência de alguns, especialmente das empresas e empreendedores. Entretanto, essas mesmas medidas são acolhidas com muito bom grado por parte de uma certa franja da sociedade — os que têm prorrogativas especiais. Neste grupo encontram-se os cidadãos com comobilidades, mulheres grávidas, e quando a situação aperta, as «mulheres» com filho menor de 12 anos. É, portanto, este último grupo que interessa para esta abordagem.

Nós, as mulheres, inúmeras vezes, não nos damos conta de que quanto mais «especiais» formos, mais funcionalmente desiguais seremos em relação aos homens. O que se declara ser uma prorrogativa especial pode ser um «presente envenenado». Não é possível alcançar-se a paridade do género se formos sempre «especiais» relativamente aos homens. Nas funções socias, não é possível ser igual e «especial» ao mesmo tempo. Ou se é igual ou especial. Igual significa invariável, que não apresenta diferenças, logo comum e ordinário; enquanto especial expressa peculiariedade, particularidade.

O artigo 23.º da Constituição da República de Angola estabelece que todos são iguais perante a lei, e «ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão … [do seu] sexo». A realidade é que, se analisarmos o panorama legal angolano (para nos atermos a nossa realidade), de forma isenta, concluiremos que a mulher tem uma série de direitos especiais.

Quando se trata de papéis sociais, existe uma diferença indiscutível e irremediável entre a mulher e o homem, que é capacidade daquela gerar vida dentro dela e carregá-la durante 9 meses. Fora isso, o homem e a mulher podem, em igualdade de condições e oportunidades exercer as mesmas funções. Todavia, a lei estabelece o direito a 90 dias de licença de maternidade para a mulher, enquanto o homem tem dinheiro a zero dias de licença de paternidade. A mulher tem mais um dia de férias por cada filho, enquanto o homem tem zero; Outrossim, por cada filho, a mulher subtrai um ano para a reforma, enquanto o homem aguarda pelos 60 anos ou 35 anos de serviço completos.

O que a mulher não se dá conta é que o legislador, em algumas situações, assume uma figura patriarcal e remete a mulher à espera doméstica — ao cuidado dos filhos e do lar, fazendo valer a máxima que o «lugar da mulher é [em casa]», frequentemente de modo inconsciente. Isso é violência simbólica. De acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu, violência simbólica é uma forma de coacção que se assenta no reconhecimento de uma imposição, quer seja de natureza social, cultural, institucional ou económica. A violência simbólica é cometida por cumplicidade entre quem inflige e quem sofre, sem que, geralmente, as partes tenham consciência de que infligem ou sofrem.

A situação pandémica apertou novamente fruto dos elevados casos positivos de infecção por Covid-19. O Decreto Presidencial n.º 315/21, de 24 de Novembro, estabelece, no n.º 2 do artigo 18.º (sob a epígrafe «protecção especial de cidadãos vulneráveis»), que os cidadãos «que tenham a seu cargo crianças menores de 12 (doze) anos, quando detentores de vínculo laboral com entidade pública ou privada, estão dispensados da actividade laboral presencial». Aqui o legislador até foi isento. Não descriminou sexo.  Contudo a maioria das pessoas (inconscientemente) suprimiu o termo cidadão e colocou o termo «mulher» no texto. Não houve discussão nem reivindicações; as mulheres-mães com filhos menores de 12 anos simplesmente foram para casa e os homens-pais continuam a trabalhar de modo presencial.

As prorrogativas especiais das mulheres podem constituir-se em presentes envenenados na medida em que, muitas vezes, não nos permite concorrer com os homens em igualdade de condições, por mais que as oportunidades sejam iguais. É inevitável! Quanto mais tempo um determinado indivíduo trabalha, estuda ou investiga, mais se aperfeiçoa, se torna hábil, experiente, inteligente e confiante, independentemente do género.

Todos sabemos que geralmente a mulher-mãe tem menos tempo para se dedicar ao trabalho ou ao estudo em relação ao homem-pai, em função de ser considerada e aceitar ser «especial»; ou seja, por lhe ser imposta e consentir a responsabilidade de ter ao seu cuidado, quase exclusivo, os filhos e o lar. Nesta senda, o homem é, quase nunca, dispensado para levar os filhos a fazer vacinas ou consultas; ele é obrigado a faltar (se lhe convir a responsabilidade de levar o seu filho ao hospital). Ademais, quando os filhos adoecem e um tiver de faltar ao serviço, este é quase sempre a mãe, a não ser que o pai seja viúvo.

A nossa tendência, como mulheres, é pedirmos mais direitos especiais para nós próprias, em função da árdua tarefa da gestão do lar e dos cuidado dos filhos. Mas isso não nos ajuda, pelo contrário, nos distancia, cada vez mais, da verdadeira paridade do género.  

Ao invés de ficarmos em casa todo o tempo que o Decreto Presidencial estabelece, por que não repartimos esse tempo com os homens-pais?

Ao invés de exigirmos mais dias para ficarmos com os filhos, por que não sugerir que estes dias sejam dados aos homens-pais?

É preciso notar que, se as mulheres anseiam a igualdade de oportunidades relativamente aos homens é necessário promover-se a igualdade de condições. Caso contrário, a mulher continuará a enfrentar o dilema entre o cargo ou posição social relevante de «decision making» ou a maternidade, ou continuará a esperar por atribuição de quotas que os homens consentem, às vezes, de esmola!



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