A ex-deputada do MPLA e filha de José Eduardo dos Santos beneficiou de contratos de centenas de milhões de dólares destinados a grandes obras públicas. A maior parte destas obras, levadas a cabo por uma empresa chinesa subcontratada por Tchizé dos Santos, nunca chegou a ser concluída. Tchizé queixa-se nas redes sociais de uma justiça selectiva da qual ela própria foi, afinal, uma das maiores beneficiárias.
Entre 2008 a 2014, Welwitschia José dos Santos, então deputada do MPLA e filha do então presidente da República, beneficiou de contratos do Estado na ordem dos 650 milhões de dólares, destinados à reabilitação de estradas, através da sua empresa Sociedade de Empreendimentos e Obras Públicas S.A. (SEOP). Curiosamente, esta empresa nem sequer tinha estaleiros para o efeito.
Hoje, Tchizé dos Santos é a principal corista da oposição. Isto revela a existência de uma grande confusão no espaço cívico e político nacional: romperam-se as fronteiras anteriormente demarcadas entre os principais beneficiários da pilhagem em Angola, no anterior e no actual governos, a oposição e a sociedade civil. Quem mais intrigas promove e mais barulho faz nas redes sociais parece comandar a passada e os ânimos dos cidadãos consumidos pelo desejo de mudança e pela lei do menor esforço.
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Entre o desespero, a frustração ou a ignorância de muitos cidadãos, o oportunismo e o populismo de alguns apresentam-se como vozes e certezas de mudança. É preciso algum discernimento neste momento crítico de transição no país, para que os angolanos se encontrem numa visão comum, que tenham como objectivo o bem de Angola, e possam ultrapassar, com sabedoria e solidariedade, a falta de visão e a incapacidade das lideranças actuais.
Certamente poucos entendem que o barulho de Tchizé – a maior influenciadora digital na agitação política – pouco ou nada tem a ver com as dificuldades por que os angolanos passam. É uma luta pessoal de quem perdeu o lugar à mesa da pilhagem do país. É verdade que o banquete continua, como o caso flagrante do edifício comprado pelo ministro dos Transportes, Ricardo Viegas D’Abreu, ao amigo Rui “Ruca” Van-Dúnem, por 91 milhões de dólares, quando este não o conseguiu vender no mercado nem por 22 milhões de dólares, conforme últimos dados. Mas é importante lutarmos para que a justiça seja extensiva a todos, impedindo que seja substituída pelos maniqueísmos da chantagem política, o chorrilho de insultos e o populismo.
Vejamos então o caso da empresa de Tchizé.
A SEOP foi constituída a 31 de Janeiro de 2008, com um capital social correspondente a 13 600 dólares. A ACAPIR – Sociedade de Empreendimentos e Negócios Limitada passou a deter 51 por cento das acções, tornando-se accionista principal. Antes disto, Tchizé dos Santos e o marido, Hugo André Nobre Pêgo, haviam criado a ACAPIR, a 10 de Junho de 2004, com a primeira outorgante a deter 80 por cento do capital social de 150 mil dólares, enquanto o cônjuge ficou com 20 por cento das acções.
Ivan Leite de Morais subscreveu 17 por cento do capital da SEOP. À data, o seu pai, José Pedro de Morais Júnior, era o ministro das Finanças. Orlando Rodrigues Maiato Carneiro – filho do general Higino Carneiro, à data ministro das Obras Públicas – também firmou 17 por cento das acções. O advogado Walter Virgínio Rodrigues – testa-de-ferro de Tchizé dos Santos em vários negócios – assinou por outros 17 por cento. Finalmente, ao então administrador da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), António de Jesus Castelhano Maurício, coube cinco por cento das acções.
Temos, então, um casamento perfeito de interesses dos filhos dos então titulares da Presidência da República, Ministério das Finanças, Ministério das Obras Públicas e FESA.
Fica feito o primeiro resumo.
Através do Despacho n.º 710/2008, o então ministro das Obras Públicas, general Higino Carneiro, adjudicou o contrato de reabilitação de 170,6 quilómetros de estrada (Namibe-Cruzamento Lubango/Lucira), pelo valor de 80 milhões de dólares. Na qualidade de director do Instituto Nacional de Estradas de Angola, Joaquim Sebastião assinou o referido contrato, a 23 de Abril do mesmo ano, enquanto Walter Virgínio Rodrigues representou a empresa de Tchizé dos Santos.
Três meses após a sua criação, com um capital de 13 mil dólares, a SEOP conseguiu a sua primeira grande obra, no valor de 80 milhões de dólares.
As investigações realizadas pelo Maka Angola permitem acrescentar a adenda feita ao contrato, no valor de 54,2 milhões de dólares, para a reparação da referida estrada. Assim, segundo documentos em nossa posse, o valor total do contrato foi de 134 milhões de dólares, pagos integralmente.
A SEOP nunca dispôs de mão-de-obra, equipamentos ou estaleiros próprios. Subcontratou a empresa chinesa Jiangyuan para executar a obra. Iniciada em Agosto de 2008 e tendo um prazo de conclusão de 18 meses, a obra foi paralisada em 2015.
Já a reparação básica de 95 quilómetros da estrada Namibe-Tômbwa, cujo contrato inicial era de 37,1 milhões de dólares, sofreu também uma adenda de mais 21,4 milhões de dólares, elevando o preço total para 58,6 milhões de dólares. A esse valor, foram adicionados 810 mil dólares, para intervenção na ponte sobre o Rio Curoca. Também aqui a empreiteira Tchizé dos Santos subcontratou a chinesa Jiangyuan, sem alguma vez ter mobilizado mão-de-obra própria. Logo, não investiu na qualificação de mão-de-obra nacional. Foram os chineses que concluíram esta obra.
Em Abril de 2011, teve início a obra de reabilitação de 42,5 quilómetros da Estrada do Namibe (Sacomar)-Desvio do Lubango. Mais uma vez, tendo um contrato no valor de 40 milhões de dólares, a empreiteira Tchizé dos Santos socorreu-se dos serviços da Jiangyuan. A SEOP, conforme investigação deste portal, apenas mantinha um representante junto da subcontratada chinesa. Não se servia de qualquer mão-de-obra nacional. A SEOP recebeu integralmente o valor do contrato, mas executou apenas pouco mais de metade da obra, a qual até hoje nunca mais conheceu avanços por parte de quem recebeu o dinheiro.
A construção da nova ponte sobre o Rio Giraul, no Namibe, com uma extensão de 600 metros, teve um valor contratual de cerca de 42 milhões de dólares. A construção teve início em Agosto de 2010 e foi concluída. Fiel à sua prática, a SEOP subcontratou a empresa chinesa de sempre, mantendo-se livre de quaisquer encargos com mobilização de mão-de-obra, equipamentos ou estaleiros.
A Segunda Circular de Luanda, troços no Uíje e Cunene
O maior projecto de estradas entregue à Tchizé dos Santos foi a construção da Segunda Circular Luanda-Kifangondo-Funda-Catete, com uma extensão de 34 quilómetros. O valor do contrato era de praticamente 250 milhões de dólares. A SEOP recebeu, como adiantamento, 58,3 milhões de dólares e não mexeu um palmo de terra na obra, conforme dados em posse do Maka Angola. Em Junho de 2014, a empresa da influenciadora digital apenas tratou do projecto e da mobilização para a obra. Nada mais aconteceu até à data.
Para a reabilitação de 84 quilómetros do troço Sanza Pombo-Cuilo Pombo-Quimbianda (Estrada Nacional 150), na província do Uíje, a SEOP firmou um contrato de cerca de 67 milhões de dólares. Em Outubro de 2014, a costumeira Jiangyuan deu início às obras, como subcontratada da empresa de Tchizé dos Santos. A SEOP recebeu um adiantamento arredondado de 27 milhões de dólares, tendo abandonado a obra após a execução de trabalhos em apenas 4,4 quilómetros do troço.
No mesmo mês de Outubro de 2014, a SEOP saltou para o Cunene, com um contrato de 64,5 milhões de dólares destinados à reparação de 92 quilómetros do troço Xangongo-Calueque, na Estrada Nacional 295. A SEOP recebeu 30 milhões de dólares adiantados e apenas tapou buracos em 11 quilómetros, conforme os mapas de execução de obras consultados pelo Maka Angola.
Resumindo, a recomendação estratégica do governo de José Eduardo dos Santos para o estabelecimento de parcerias entre empresas chinesas e angolanos, como forma de transferência de conhecimentos e competências, bem como para a promoção e qualificação dos recursos humanos angolanos, foi totalmente ignorada pela filha do então chefe de Estado.
A Jiangyuan, conforme dados recolhidos pela nossa investigação, utilizava exclusivamente mão-de-obra chinesa.
Em resumo, a SEOP operava apenas como captadora de grandes contratos, totalizando mais de 650 milhões de dólares só em estradas.
A selectividade da justiça
Os factos aqui apresentados, em termos jurídicos, colocam-se em dois planos: no plano da probidade pública e no plano criminal.
Primeiro, no plano da probidade pública e procedimento administrativo, é claro e evidente que não houve a preocupação de respeitar a Lei da Probidade Administrativa (Lei n.º 3/10 de 5 de Março). Esta lei, datada de 2010, abrangeu algumas das contratações adjudicadas à SEOP. Recorde-se que esta Lei proíbe a intervenção directa ou indirecta de agentes públicos relativamente a seus familiares em procedimentos contratuais públicos.
Por sua vez, em termos criminais, os factos indiciam crimes de burla, peculato, tráfico de influências, corrupção e branqueamento de capitais, nas várias redacções legais que foram atribuídas ao longo do tempo nos diferentes códigos e legislação avulsa.
Tanto quanto se sabe, não existe qualquer processo judicial contra a referida “empreiteira” no âmbito deste tresloucado esquema de pilhagem. Mas não há dúvidas de que estamos perante matéria de investigação para a Procuradoria-Geral da República. É por estas e por outras que a justiça é considerada selectiva em Angola, sobretudo pela própria Tchizé dos Santos, que é afinal umas das principais beneficiárias desta mesma selecção.
Maka Angola
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