O país assinala o 46º aniversário da Independência. Roberto António Víctor Francisco de Almeida, um dos angolanos que participou na luta de libertação nacional, foi entrevistado pelo único diário do país. Nessa conversa, o nacionalista fala, entre outros assuntos, dos sacrifícios consentidos pelo povo angolano para se livrar do colonialismo.
O país assinala, hoje, mais um ano de Independência. O que este dia representa?
O 11 de Novembro foi o culminar de uma longa luta armada pela libertação do nosso país, que exigiu muitos sacrifícios da parte, não só dos combatentes, mas, também, de muita população civil, de muitos homens, mulheres e crianças, que tiveram que abandonar o território nacional, as suas casas e os seus bens. Os filhos tiveram que deixar de ir à escola, para salvarem as suas vidas, atravessando a fronteira do nosso país para outros países vizinhos, porque a repressão colonial ceifou muita gente em Angola.
Quantas pessoas terão perdido a vida nessa altura?
Os números variam. Segundo a óptica dos portugueses, os números são uns. Claro que nós, os angolanos, temos os nossos números, mas, neste momento, não posso mencionar números. É melhor não mencionar nada, para não errar, mas não há dúvida de que foi um grande número de pessoas que perdeu a vida. A repressão estendeu-se, também, no capítulo de prisões, desterros, famílias desfeitas e dispersas. Mesmo aquelas que ficaram dentro do país, da Angola colonizada, algumas tiveram que se separar. Uns foram para uma terra distante, outros ficaram noutra terra, perderam-se os circuitos de ligação. Tudo isto representou um grande sacrifício que o culminar do 11 de Novembro foi a grande vitória para todos os angolanos. E todos sentiram isso, como sendo uma vitória, porque punha-se termo a 500 anos de colonização de domínio português em Angola e, naturalmente, isso é um facto que trouxe grande alegria e satisfação para todo o povo.
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Que reflexões se impõe fazer, neste dia, tendo em conta a descrição que acaba de fazer?
Primeiro, temos que honrar a memória de todos os heróis, até os anónimos, cujos nomes não ficaram registados na história, mas que desempenharam um papel importante na luta pela libertação do país. Portanto, a nossa primeira reflexão deve ser, exactamente, a de venerar a memória daqueles que deixaram tudo, deram a própria vida para que esta libertação, esta Independência, se tornasse uma realidade, como se tornou, efectivamente, depois de muitos mais sacrifícios ainda até ao dia de hoje.
Acha que a geração actual venera, como deve ser, os angolanos que se bateram para a Independência?
De uma maneira geral, sim, embora algumas consciências, talvez mais jovens, que não viveram muito de perto os cenários do que se passou no nosso país, não tenham muito presente esta necessidade de venerar os nossos mortos e heróis. Haverá alguma negligência e displicência em relação a isto, dado que todo o angolano devia prestar não só por altura do 11 de Novembro, mas em todas as ocasiões esta homenagem, porque, realmente, há alguma coisa que ficamos a dever a esses todos que perderam a vida na luta de libertação nacional.
Este será o 46º aniversário da nossa Independência. Que balanço pode fazer desses anos todos?
A Independência foi proclamada no dia 11 de Novembro de 1975, mas, infelizmente, não significou o fim da guerra e dos sacrifícios. Tivemos um período bastante longo ainda, para continuar a defender a integridade territorial do nosso país, que, felizmente, foi salvaguardada e podemos dizer que, hoje, o segundo momento alto na história do nosso país foi, em 2002, quando se pós termo à guerra fratricida que campeava ainda no nosso país desde 1975. Portanto, fazer um balanço desse período é bastante exaustivo e há dados que não me podem ocorrer assim do momento, relativamente não só à morte, mas também à destruição de bens estratégicos do país. Nós perdemos, nesta guerra, muito do nosso poderio em termos de recursos, de recursos humanos, também. Muitos quadros foram perdidos nessa guerra, muitos estudantes deixaram de estudar e de se formar, para servirem o país com as valências que o país não possuía. Enfim, há um grande rosário de perdas em que incorremos devido à situação de guerra que flagelou o nosso país.
Já é possível vislumbrar o modelo de país que o levou a aderir à luta pela libertação nacional?
Nós temos vários modelos e é possível, até, que, não digo já cada angolano, mas cada cabeça, tem o seu pensamento. Eu não posso falar por todos os angolanos. Há angolanos que idealizam um país diferente, com outras valências, referências e, então, temos que discutir, porque, no meu entender, Angola deve ser um país único, um todo que engloba todos aqueles que sejam angolanos e queiram contribuir para o engrandecimento da sua terra. Não pode ser um modelo único, talvez, por isso mesmo, é que eu disse que os angolanos têm os seus vários modelos, mas esse modelo tem que se firmar, ter os alicerces na unidade nacional, em primeiro lugar, e na integridade do país. Nós temos exemplos de vários países que se fragmentaram, se dividiram e constituíram os territórios que foram balcanizados e, cada um, quis ficar no seu pedaço de território. Bom, esse modelo, para nós, não pode servir. Eu penso que Angola deve ser una, que conquistou a Independência, em 1975, e devemos manter o nosso território intacto, com todas as pessoas diferentes, entre si, mas que devem ser unas em relação aos objectivos a atingir, no pensamento relativamente à sua maneira de estar e de pensar Angola. Depois coloca-se o problema do desenvolvimento, da criação de bases para a satisfação das necessidades do povo, condição essencial para garantir o bem-estar e a harmonia na sociedade.
Este modelo de país, a que se refere, já é uma realidade, no contexto actual?
Estamos a caminhar para aí, mas ainda temos muito trabalho a fazer e, neste momento, não se pode dizer que já somos aquela Angola totalmente unida. Há várias ideias que se ensaiam e há pessoas até que podem pensar em vias prejudiciais ao país. Podemos pensar em modelos que vão resultar em fragmentação, em divisões internas, que vão resultar em criação de grupos, unidades menores que se queiram firmar também como entidades nacionais, próprias, com o seu viver diferente, num círculo muito mais restrito. Evidentemente, esses modelos, do meu ponto de vista, não podem vingar aqui no país, porque a luta foi nacional, em todo o território, e isso é que nos deve caracterizar e guiar sempre. Um filho de Cabinda foi tombar no Cunene, um filho de Malanje tombou no Lobito ou em Benguela, um filho da Huíla tombou em Luanda, um filho do Bengo, dos Dembos, tombou no Cuanza-Sul, portanto, tudo isto serviu para caldear uma identidade nacional única. Eu devo dizer, também, que a repressão colonial firmou-se na prisão de muitos nacionalistas e até de muitas pessoas inocentes, que nem sabiam muito bem ainda o que era o nacionalismo e o que se pretendia com a luta, aqui em Angola. O colonialista, sem o saber, ajudou a forjar a unidade nacional.
De que forma?
Nas prisões coloniais, por onde eu também passei, havia gente proveniente de todos os cantos de Angola e todos nos dávamos bem ali e conhecíamos pormenores da vida, do que se foi fazendo aqui e ali, em parcelas do território em que a gente nunca tinha pisado, porque fomos trocando informações e muitos dos prisioneiros que estavam ali, muitos dos quais inocentes, foram forjando a sua consciência nas prisões. Começaram a reflectir, a sentir que, realmente, havia uma coisa muito grande capaz de juntar gente de tantas origens, de tantas proveniências, para um fim único. Claro que eles começaram a pensar já, que se tratava de um bem maior para todos, capaz de juntar tanta gente. Os de Cabinda estão aqui, os do Moxico, Lundas, Cunene, Cuando Cubango, Malange. Tudo isso ajudou, sem o colonialista pensar nisso e, talvez, sem saber que estava, exactamente, a dar mais fermento para a luta nacionalista crescer e congregar os angolanos nesse quadro.Não estou a vangloriar ou a querer glorificar a repressão feita pelos portugueses, mas temos, dentro dessa repressão, que liquidou também muita gente, uma parte que, até, foi benéfica. Permitiu a união entre os angolanos.
Sente falta dessa união entre os angolanos, no contexto actual?
Sim, mas claro que, no contexto actual, a vida já dispersou muitos sentimentos que eram favoráveis à unificação dos angolanos, como um povo que tinha os mesmos objectivos, ainda têm os mesmos objectivos hoje, mas nem todos comungam, já, das mesmas ideias, porque há divergência, interesses que se sobrepõem e que entendem que são superiores e que podem levar o país a um outro destino. Claro que, nessa situação, é natural que haja pessoas a pensar diferente. É natural, mas devemos ter uma direcção bem vincada, o nosso pensamento não pode divergir a ponto de querer criar clivagens muito grandes e fracturas dentro do corpo único que deve ser Angola.
Na sua opinião, a Independência de Angola levaria ainda mais tempo a chegar, se não houvesse o golpe de Estado em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974?
Bem, este facto ocorre pelas condições criadas pela luta. O 25 de Abril é uma consequência da Luta de Libertação que se travou na Guiné, em Angola e Moçambique. Portanto, custa dizer que se não houvesse o golpe não chegaríamos à Independência, pois as condições que o colonialismo enfrentou, levaram-no a ter que terminar ali no dia 25 de Abril o regime de Salazar, porque a consciência dos portugueses também se acelerou com o desenvolvimento da luta. Eram estudantes universitários que eram arrancados das universidades em Portugal, eram operários que eram jogados para as prisões, eram muitas famílias, muitos homens que tiveram que se exilar, fugir de Portugal. Então, todo esse quadro, ajudou a formar esse fenómeno que se desencadeou com o 25 de Abril de 1974. Não era uma condenação perpétua Angola ser colonizada, seja por Portugal, seja por quem fosse. Mais tarde ou mais cedo nós teríamos que alcançar a nossa independência.
Como é que se dá a sua adesão à Luta de Libertação Nacional?
Bem, a minha adesão tem vários ângulos pelos quais se observar essa adesão. No circuito familiar, no círculo de amizades, quando mais jovem ainda, enfim, depois no circuito, digamos, assim mais amplo de Angola, também, da nossa observação dos males que o colonialismo causava na vida dos angolanos, a repressão, os obstáculos sociais que se criavam à ascensão do angolano, para se firmar na vida, enfim, vários fenómenos que foram formando, nas nossas cabeças, enquanto jovens, um pensamento estruturado para que tudo isso se pudesse, um dia, alterar. E, assim, a gente começou a trabalhar para, dentro das nossas limitações que existiam na altura, poder contribuir com alguma coisa, para alterar todo esse quadro reinante.
Quantos anos tinha nessa altura?
Tinha 16 ou 17, porque, por exemplo, nós, eu e alguns colegas do Liceu, com quem lidávamos mais de perto, porque tínhamos características em comum, era aí naquele período de 56 a 60, quando Portugal, no quadro das Nações Unidas, foi confrontado com a sua política colonial e, também, quando a União Indiana, que tinha ascendido à independência, em 1948, reivindicou a posse dos seus territórios que eram dominados por Portugal, que era Goa, Damão e Diu. Nessa altura, nós éramos estudantes no Liceu Salvador Correia. Os portugueses arregimentavam pessoas, faziam manifestações e procuravam levar todos os alunos para o Palácio do Governo (aí onde está, hoje, o Presidente João Lourenço. Não tinha essas dimensões que tem hoje). Procurava-se arrebanhar os alunos, estudantes para irem ao Palácio gritar "Goa, Damão e Diu são portuguesas e têm que continuar a ser território português, abaixo a União Indiana, abaixo Nehru”, que era, na altura, o primeiro-ministro indiano. E nós, já naquela altura, fugíamos, procurávamos escapar para não ir a essas manifestações. Perguntávamo-nos o que é que tínhamos a ver com aquilo, se nos dizia respeito a nós, como angolanos?. Por que é que tínhamos que ir lá gritar que "Goa, Damão e Diu são nossas, são nossas, são nossas?” Esse era o slogan. Nós nos perguntávamos o que tínhamos a ver com isso. A nossa consciência foi-se formando aí e fomos vendo que, realmente, os portugueses é que mandavam em Angola e nós tínhamos o sonho de um dia ver angolanos a governar Angola, a serem, por direito próprio, os governantes, aqueles que deviam dirigir os destinos daquela então, na altura, colónia de Portugal. Tinha que se tornar independente. Foi a partir daí que fizemos pequenos grupos, entramos na elaboração e distribuição de panfletos, etc. Actividade política inicial.
Quem coordenava essas actividades políticas iniciais?
Nós não tínhamos alguém que se firmasse como um coordenador. Conhecíamos Tínhamos algumas pessoas com quem colaborávamos, pela facilidade que tinham. Tínhamos, por exemplo, alguém que trabalhava num escritório onde havia máquinas de policopiar. Não eram ainda fotocopiadoras. Naquele tempo, não havia isso. Era papel químico, stencil, para reprodução de documentos. Então, fazia-se isso.
Qual foi a reacção dos seus pais, quando se aperceberam que estava envolvido em actividades políticas?
Nós não fizemos nenhuma proclamação no seio da família, pelo menos eu não, não fiz nada disso, mas os pais viam que nós estávamos no caminho certo, embora com receio do que nos pudesse atingir, prisões, repressão portuguesa, etc. Mas, no meu caso, pelo menos, não nos punham restrições. Não nos impediam de fazer nada. Só nos recomendavam a ter cuidado, mas não nos impediam de nada. Nós, também, nem sempre dizíamos o que estávamos a fazer. Eles, às vezes, suspeitavam, desconfiavam, porque viam amigos entrar e sair, a conversar, mas sem nunca dar a entender muito abertamente que estávamos a trabalhar em qualquer coisa.
Sabe-se que o colonialismo foi algo muito aterrorizador para os angolanos, mas houve, dentro desse mesmo sistema, alguma situação, em concreto, que mais terá marcado a vida dos angolanos, pela negativa, claro?
Eu não posso distinguir nada. Para eu fazer isso, teria que dizer que partes do colonialismo eram boas e outras eram más. Não posso fazer essa separação. O colonialismo é o colonialismo. Não há colonialismo bom. Não havia colonialismo bom. Mesmo na fase posterior, em que o colonialismo foi forçado a fazer concessões, introduzindo em Angola a chamada política psico-social. Mesmo aí, os benefícios que se fizeram eram a favor do colonialismo e da repressão. Ou quando se abriu o leque para se permitir que alguns angolanos fossem assimilados, deixassem de ser indígenas, que era o estatuto que havia para os angolanos. Havia a Lei do Indigenato, tinham regras próprias. Por exemplo, quando se admite a assimilação, a assimilação, parecendo um bem para os angolanos, era para favorecer o regime colonial português, para deixar de ser fustigado nas instâncias internacionais, porque Portugal sentia que podia passar a dizer que não tratava mal os angolanos, com o argumento de que até tem este aqui que está na universidade, tem aquele que é funcionário não sei de que nível. Então, esses eram os artifícios que os colonialistas usavam para mascarar a sua política colonial. Mais nada. Não eram benefícios mesmo para a ascensão dos angolanos, porque eles sabiam que quanto mais angolanos instruídos, enfim, que tivessem uma ascensão social, mais perigava a sua dominação sobre o território colonizado, que era Angola.
Ainda se lembra do lugar em que se encontrava quando a Independência estava a ser proclamada?
Estava cá em Luanda, no Largo 1º de Maio. Isso foi em 75 e, nessa altura, eu morava no bairro Cassenda. Anteriormente, eu morava na Vila Alice, no Largo Cesário Verde, mas, eu e a minha família, já estava casado e tinha o primeiro filho, tivemos que fugir dali, porque no Largo Cesário Verde era, exactamente, a trajectória do tiroteio entre a sede da FNLA, na Avenida Brasil, ou seja, a trajectória das balas passava, exactamente, em cima da nossa casa, dali para a Vila Alice, na Rua da Liberdade, onde está, ainda hoje, o MPLA. E muitos dos estilhaços caiam no nosso quintal. Então, vimos que aquela situação era muito perigosa. Consegui alugar uma residência no bairro Cassenda, onde ficamos pouco mais de um ano, porque em 76, depois, eu e a família mudamos para o Maculusso, onde ficamos muito mais tempo.
Sabe-se que a Independência foi proclamada debaixo do troar de canhões, já que, em Kifangondo, forças da FNLA e aliados, tentavam atingir Luanda. Em algum momento teve receio de que o acto não se efectivasse?
Nós ficámos com algum receio e dúvida, entre cinco e oito de Novembro, se ia ser proclamada a independência ou se não, porque aí é que se ia decidir se as forças invasoras iam conseguir ultrapassar Kifangondo e avançar até Luanda. Nessa altura, até, recorda-se bem, houve um dirigente da FNLA, que ainda está vivo, que espalhou pânico. Foi à Emissora Oficial de Angola e disse "nós estamos a chegar e vamos atingir Luanda, vai-se acabar com tudo aí”. Fez umas declarações bombásticas. Essas declarações provocaram pânico na população, porque anunciava que estava a chegar a Luanda e que, enfim, iam regular as contas, iam fazer prestação de contas, mas, felizmente, nada disso se concretizou e, no dia 11 de Novembro de 1975, foi, realmente, proclamada a Independência de Angola.
Do seu ponto de vista, o que terá falhado para a falta de entendimento entre os movimentos de libertação, após a assinatura do Acordo de Alvor, que definia o quadro jurídico da transição para a Independência?
Em Janeiro de 75, quando se formou o Governo de Transição, foi assim que se chamou, era um Governo desigual, porque havia duas forças contra uma. Portugal, que, em princípio, devia ser o moderador, a força que ia estabelecer equilíbrio entre movimentos políticos de génese diferente, não assumiu o seu papel, verdadeiramente. Abandonou o país em condições que a gente sabe muito bem, à meia noite do dia 10 para 11. Embarcaram num barco as forças portuguesas, o Alto Comissário que estava aqui, penso ter sido Leonel Cardoso. Claro que o MPLA teve que segurar o poder para que ele não caísse na rua, como se diz, e houvesse alguma força para dirigir um país novo, ainda em guerra, com destruições, com todos esses males da guerra que a gente conhece. Havia documentos que estabeleciam o papel de cada movimento, a formação do Governo de Transição, com um primeiro-ministro rotativo, o que também não ajudava muito, o papel de moderador ou de conciliador, que Portugal devia desempenhar, não chegou a desempenhar, enfim, tudo isso contribuiu para que, realmente, o Governo de Transição não vingasse.
Segundo o relatório oficial da Força de Defesa da África do Sul (SADF), sobre a sua intervenção em Angola, citado pelo académico Justin Pearce, no livro "A Guerra Civil em Angola: 1975-2002”, Jonas Savimbi começou a receber armamento da África do Sul logo em Outubro de 1974, três meses antes da assinatura do Acordo de Alvor, quando só no final de Agosto de 1975 é que o MPLA começou a receber auxílio de Cuba. Que comentário pode fazer sobre isso?
Eu não posso me debruçar muito sobre isso, mas é evidente que as ajudas, aí fala na ajuda da África do Sul, mas os Estados Unidos já davam ajuda à FNLA e à UNITA muito antes disso, assim como o MPLA recebia ajuda dos países socialistas e de alguns países nórdicos como a Suécia, Noruega, Dinamarca. Então, quer dizer que essa divisão começou muito antes de 1975. Os apoios já vinham de há muito tempo. E podemos dizer que se incrementaram nesse período, depois do 25 de Abril.
O Acordo de Alvor era a melhor solução para o quadro que se vivia na altura?
Não sei se seria possível fazer muito melhor, perante as forças em presença. Não nos esqueçamos que isso tudo foi feito no tempo da Guerra Fria e alguns dos compromissos que se assumiram pouco depois eram desfeitos. Sabemos do encontro de Mobutu, Spínola, Holdem Roberto e outras coisas semelhantes que se foram fazendo. Claro, tudo isso obedecia a planos que já estavam arquitectados e que se destinavam a levar a água ao seu moinho. Era preciso impedir que Angola se tornasse um país que viesse contribuir muito mais para a libertação de África. Em Angola estava-se a combater a defesa dos últimos bastiões do colonialismo na Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe, e a África do Sul, que era o bastião do Apartheid, onde tudo se concentrava ali, com bênção da Grã-Bretanha, sem falarmos na Namíbia, que era completamente dominada pela África do Sul, na altura. Portanto, esse era o quadro que a Guerra Fria tinha forjado e que era necessário não permitir que Angola se libertasse, porque, com a libertação do Congo ex-Belga e Angola temia-se, como depois veio a verificar-se realmente, que a guerra nos restantes territórios sob dominação do mundo europeu teriam grandes dificuldades para sobreviver. Exactamente o que se passou depois é que Angola passou a apoiar a libertação desses territórios. O Acordo de Alvor baseava-se em forças desiguais, sendo duas forças contra uma, com apoios diferentes, exactamente com o objectivo de manter a dominação no cone Sul do continente africano.
De acordo com o Almirante Rosa Coutinho, para Portugal colonial, a perspectiva do MPLA tornar-se poder, em 1975, em detrimento dos outros dois movimentos, era mal menor. Que comentário pode fazer sobre isso?
É difícil descodificar pensamento alheio, mas penso que achava que Angola correria menos riscos se o MPLA estivesse no poder. Acho que é isso que ele queria dizer, mas é sempre muito delicado comentar pensamento de outras pessoas e eu não gosto muito de fazer isso, porque posso errar. Cada um tem a sua cabeça e sabe o que está a dizer.
Que memória guarda do dia 11 de Novembro de 1975?
Foi um dia grandioso para os angolanos, porque, apesar de a situação não estar muito calma, com uma guerra ainda em andamento, digamos assim, mas os angolanos puderam gozar a proclamação da independência. Havia muita euforia, havia muita esperança, também, de que os tempos iam melhorar e que, enfim, Angola e os angolanos podiam ter vidas diferentes, respirar de outra maneira, sob o céu de liberdade.
«Quando a pessoa diz que em minha casa não há pão, está a fazer política»
Durante o período de partido único, chefiou a Secretaria do Comité Central do MPLA para a Esfera Ideológica. Até que ponto o partido desviou-se dos princípios programáticos do MPLA movimento?
Desviou-se não é bem o termo que eu ia empregar. O MPLA, na conjuntura internacional do momento, decidiu que tinha de fazer a abertura do partido, aderindo ao multipartidarismo. Aceitando, portanto, a alteração do seu sistema político, até então estabelecido, para abrir-se a outras formações políticas partidárias, que, no quadro do panorama político angolano, pudessem surgir. E foi assim que, depois de discussões, o MPLA achou conveniente abrir-se, aderindo ao multipartidarismo, alterando o sistema de economia planificada para uma economia na base do mercado livre, enfim, todas as outras alterações que se imprimiram. Não foi um desvio. Desvio dá a entender que foi inconsciente. Não foi nada inconsciente. Foi uma decisão tomada colectivamente pelo MPLA para não ficar à margem das transformações políticas que se adivinhavam já iam-se criar no mundo.
Como é que vê, hoje, a entrada e postura da nova geração na política?
É de todo desejável, porque a política alimenta-se, também, de ideias novas. Não quer dizer que os mais velhos não possam ter ideias novas, mas os jovens mais abertos ao mundo, talvez com mais possibilidades de adquirir novos conhecimentos, podem, também, dar uma contribuição muito mais válida à política. Eu penso que não é mau e indesejável que os jovens entrem na política. É sangue novo que trazem para uma lida que diz respeito a todos. A Política é uma ciência que deve preocupar a todos. Quando a pessoa diz que em minha casa não há pão, está a fazer política; quando diz que eu não tenho emprego, por isso e por aquilo, está a fazer política. Portanto, não se pense que a política é só para os políticos. Quanto à postura da nova geração na política, deve ser uma postura dentro dos cânones das próprias formações políticas em que eles se integram. Creio que a maior parte das formações políticas, em Angola, defende o patriotismo, a ética, embora nem todos pratiquem, mas, em princípio, esses são os princípios que todos proclamam. A justiça social, o humanismo, claro que nem sempre se pratica, mas são os princípios que estão na base da maior parte dos partidos políticos.
Face à experiência que carrega, como político, há alguma mensagem que gostaria de deixar para a nova geração de políticos do país?
A mensagem é que devem laborar para o bem maior de Angola, defendendo a liberdade, em primeiro lugar, nossa Independência, a unidade nacional, a integridade do solo pátrio e, sobretudo, procurando fazer com que os irmãos angolanos se entendam, todos em Angola se entendam, mesmo com pensamentos diferentes, e possam contribuir para o bem comum que é o engrandecimento de Angola, o nosso país.
Defende-se, nalguns círculos da nossa sociedade, que as reivindicações e manifestações dos jovens, hoje, são um reflexo da herança recebida ou testemunhada da geração dos mais velhos. Que comentário pode fazer sobre isso?
É uma interpretação, mas penso que o testemunho foi bem passado, porque o bem maior, que era a Independência, foi conquistado. Claro que havia, também outro objectivo que era a Independência económica, essa que, digamos assim, foi torpedeada. Não se conseguiu materializar a independência económica num país em guerra, mesmo depois da proclamação da Independência. Agora, como eu já disse, há alterações, a conjuntura internacional e mundial fez com que todos nós tivéssemos outras oportunidades e, dentro dessas oportunidades, também, se alteraram princípios filosóficos, políticos, o materialismo cresceu bastante, os idealistas mudaram também o seu rumo, a maior parte deles. Então, as condições que os jovens encontraram e a que aderiram não são as mesmas condições que a nossa geração encontrou e que teve que combater.
As próximas eleições no país estão previstas para o próximo ano, mas, nesta altura, já se começa a sentir a ansiedade da parte dos políticos em relação ao evento. Como é que está a olhar para todo este cenário?
As eleições estão previstas na nossa Constituição, é um acontecimento que deve ocorrer de cinco em cinco anos e achamos que, desde que o país tenha as condições necessárias para o efeito, elas devem ser cumpridas. Devemos, realmente, esperar que essas condições se concretizem, cada vez mais, e conduzam para esse objectivo, que é a realização das eleições. Agora, no quadro da preparação das eleições, há comportamentos que não se coadunam muito bem com a vida que devemos levar em Angola. Há várias formas de conseguir os objectivos. Temos várias formações políticas no país, algumas, talvez, não concordem muito com as vias de conseguir esses objectivos, mas é a luta que é normal e natural que exista entre formações políticas diferentes, entre seres humanos diferentes. Muitas vezes cada um quer impor a sua ideia, outros não aceitam e, dessa discussão, pode surgir a luz, pode haver o surgimento de uma via consensual, mais consentânea entre todos. Isto é que nós pensamos que devemos procurar cultivar o mais rápido possível.
«Não há grande desenvolvimento em Caxicane»
Além do parentesco, que influência directa ou indirecta recebeu de Agostinho Neto e que relação manteve com ele, durante os anos como Presidente?
Eu não tinha nenhuma relação particular ou especial com o Presidente Agostinho Neto e até devo dizer que eu, praticamente, estive com o Presidente Agostinho Neto em Dezembro de 59, quando ele veio depois da sua formação. Nos primeiros tempos, esteve a viver na mesma casa onde eu estava, que era a casa da mãe do Dr. Agostinho Neto, portanto da minha tia Dona Maria da Silva Neto, ali no bairro Operário, onde se criou, depois, o Centro Cultural Agostinho Neto. Antes disso, praticamente, não o conhecia. Ouvia falar, via as fotografias dele lá em casa da mãe. Praticamente, não tinha privado com ele, nem conhecia muito bem, mas já conhecia os escritos dele, alguns poemas, etc. Mas foi um tempo de pouco contacto, porque, apesar de vivermos na mesma casa, nós tínhamos as nossas ocupações, saíamos para estudar, ir para o Liceu e, ao voltar para casa, ele já não estava. Poucos contactos havia, além de que a nossa diferença de idade também não era assim muito favorável para muitos contactos. Eu, nessa altura, devia ter 18 anos e Agostinho Neto, já formado, tinha 37 ou 38 anos. E também o estatuto que ele já tinha como político, sua formação também em Medicina. Ele tinha outras preocupações. Lembro-me que, nessa altura, ele estava a procurar abrir um consultório para ajudar as populações, etc. Ele só esteve de Dezembro de 59 a Julho de 60, porque depois é preso novamente.
Como escritor, sob o pseudónimo de Jofre Rocha, que contributo deu para a Luta de Libertação Nacional, com a caneta?
Bem, eu acho que não devo ser eu a dizer que contributos dei, mas entendi que tinha alguma capacidade para me debruçar sobre aspectos da vida dos angolanos e registar algumas situações, vivência dentro do país, naquele período colonial, sobretudo. Devo dizer que comecei a escrever, praticamente, não foi totalmente, na prisão, porque eu fui preso aos 20 anos, em 1961. E, na prisão, tinha muito tempo. Então, para ocupar parte desse tempo, procurava escrever qualquer coisa, histórias, situações ou que tinha vivido ou de que tinha tido conhecimento apenas, contadas por outras pessoas. E foi assim que comecei a pensar em escrever alguns livros.
E antes da prisão, não se dedicava à escrita?
Não, antes da prisão também já tinha. Havia um jornal no Liceu, "O Estudante”, onde os alunos podiam mandar alguma colaboração, qualquer coisa que fizessem e que a direcção do jornal considerasse digna de publicação. Foi aí que eu comecei a escrever. Escrevi um poema, em 59 ou 60. Também tinha uma outra publicação na Missão Evangélica de Luanda, que era "O Estandarte”, onde publiquei alguns poemas. Portanto, foi aí o início. Bom, com a prisão, já disse que tinha muito mais tempo e, também, podíamos lembrar de outras coisas passadas, rememorar cenas, histórias antigas, etc. Sempre que tive oportunidade, eu pegava e escrevia alguma coisa. Devo dizer que alguns dos poemas que escrevi eram escritos em papel higiénico, porque não tinha papel, às vezes (risos).
É natural de Caxicane, Icolo e Bengo. Tem visitado a sua terra natal com frequência?
Regularmente não posso dizer, mas também devo dizer que sou do Bengo, naturalmente, como podia ter nascido em outro lugar. Tinha um irmão que nasceu em Samba Caju, tenho uma irmã que nasceu em Catete. Eu nasci em Caxicane. Não é menosprezar a nossa terra. Já ouvi alguém dizer que eu tinha que fazer alguma coisa por Caxicane. Não sei se por eu ter nascido em Caxicane sou a pessoa indicada para elevar Caxicane a um plano de vila ou cidade, que não é pouca coisa. Não é um ser humano, como eu, que vai elevar Caxicane a um patamar diferente do que tem hoje. Podia ser melhor, sim senhor. Há esforços que o Governo está a fazer. Construiu-se aquela nova Caxicane. Há pessoas que têm o seu sentimento arraigado ali naquele pedaço da velha Caxicane, porque enterraram os seus antepassados ali e/ou porque têm lavras ali e, por isso, não se querem transferir para outra localidade. Mas não penso que isso seja obra de uma pessoa. Tem que ser um colectivo, um Governo inteiro a fazer alguma coisa para elevar Caxicane.
Vou algumas vezes a Catete. Vou menos vezes a Caxicane, porque tenho que ter um objectivo. Não é só ver as palmeiras e o rio. Tem que ter um objectivo para ir a Caxicane. Posso ir lá para conversar com algumas pessoas. A maior parte das pessoas que estão, hoje, em Caxicane, são pessoas completamente diferentes, muitas até nem me conhecem. O objectivo em ir a Caxicane não é me tornar conhecido. É de levar alguma coisa a Caxicane. E isso é que é mais complicado. Uma coisa que satisfaça as pessoas que vivem lá. Eu não vou a Caxicane de mãos a abanar.
Qual foi a última vez que esteve em Caxicane?
Não me lembro. E não penso que isso seja o mais importante. O mais importante não é ir à terra natal. Eu saí de Caxicane com três ou quatro anos de idade. Eu mal me lembro de Caxicane naquele tempo. Claro que não digo que não nasci ali, mas, agora, me cobrarem que eu sou de Caxicane e, por isso, devo elevar Caxicane, não. Não se pensa nisso e nem eu tenho posses para isso. Nem tenho condições para isso, mas posso colaborar num esforço organizado e colectivo.
A última vez que visitou a sua terra natal, gostou do que viu?
Não gostei do que vi, porque não há grande desenvolvimento em Caxicane. Isso não pode agradar, mas sei que mesmo no quadro da comemoração do centenário do nascimento do Presidente António Agostinho Neto, há algumas acções que estão previstas.
Jornal de Angola
Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação
2 Comentários
Este conterra é intrujão só agora é que ele viu que não há nada em Caxicane ?
ResponderExcluirma ma ma ma só éyé ueme in dime ya mulato
Este conterra é intrujão só agora é que ele viu que não há nada em Caxicane ?
ResponderExcluirma ma ma ma só éyé ueme in dime ya mulato