Inquilinos do Estado estão a vender os apartamentos na centralidade- Kilamba lidera



Contratos de transferência de titularidade de imóveis nas centralidades construídas pelo Estado são celebrados por inquilinos, sem condições de continuar a pagar a renda resolúvel, com o auxílio de funcionários do Fundo de Fomento Habitacional (FFH), revelam intermediários.

Moradores das centralidades do Kilamba, Sequele, Vida Pacífica e da recém-inaugurada Zango 8.000, em regime de renda resolúvel, continuam a efectuar transferência de titularidade, ou seja, venda de apartamentos. A justificação é a mesma: falta de condições para continuarem a cumprir com os pagamentos em decorrência da crise financeira e do desemprego.



A divulgação e publicidade são feitas integralmente nas páginas de redes sociais e sites de venda de imóveis. Há quem prefira deixar a venda a cuidado de imobiliárias, inclusive registadas e associadas à Apima.


Segundo quatro intermediários, cujos nomes são reservados, consultados pelo Valor Económico, é uma prática reiterada desde 2015, período em que se acentuou por conta da crise financeira. Em semanas “boas”, chegam a fechar entre quatro e cinco contratos de transferência de titularidade com a devida boa-fé do cartório. Apesar de se tratar de uma prática ilegal, visto que os moradores só podem fazê-lo com liquidação total do imóvel, revelam que têm recebido facilitação de funcionários do Fundo de Fomento Habitacional (FFH) e do Cartório.


“Acontece nas vistas de todos, é um esquema que se consegue fazer. É um mercado muito concorrido, também há os malfeitores, o pessoal do Fundo é que facilita”, revela a intermediária, salientando que, em questão de desconfiança do comprador, “vão ao Fundo saber se houve pagamento”.


Uma outra intermediária confidencia que, em situações em que o negócio é fechado ao sábado ou domingo, funcionários do Fundo “correm” à instituição para “tirarem informações.” “É do conhecimento de todos”, insiste.


“Os prazos de pagamento são de 20 a 30 anos, as centralidades não têm estes anos. Muitos não conseguem manter os imóveis, uns querem abandonar o país, não sabem se vão fechar, outros estão sem condições financeiras”, justifica, defendendo a criação de mecanismos que possibilitem os inquilinos sem condições de pagar os imóveis a transferir a titularidade a quem está habilitado a fazê-lo, já que, na ausência de um instrumento, procuram fazer o que bem entendem.


Neste esquema, existem moradores que nunca fizeram qualquer pagamento da renda. Estes acabam por fazer a passagem de titularidade a preços mais reduzidos, mesmo se o apartamento tenha sofrido bem-feitoria.


FFH NEGA ENVOLVIMENTO


Em reacção às acusações, o porta-voz do Fundo de Fomento Habitacional, Valdir Sousa, nega “categoricamente” o envolvimento de funcionários na facilitação de transferência de titularidade, mas reconhece a existência de “actos ilegais” dos vários inquilinos do Estado.  O FFH não recusa, entretanto, que os contratos sejam reconhecidos no cartório.


“Muitos não fazem na modalidade trespasse, criam outro artifício, porque, na base de dados, não sai o nome do primeiro beneficiário. Este só sai após o pagamento total do imóvel”, observa, explicando que os contratos são passíveis de nulidade. “Quem fizer trespasse do imóvel e disser que o cartório assume o novo ente há uma ilegalidade do próprio cartório. Pode haver nulidade do contrato,” adverte a direcção do Fundo.


DISTRAÇÃO DO ESTADO FACILITA ILEGALIDADES


A realização persistente à luz do dia destes contratos ilegais é, no entender do jurista Aldmiro Quintas, sinal de clara “distracção do Estado” em controlar os imóveis de forma eficiente. “Parece-me que o Estado não cumpriu cabalmente com as suas obrigações de criar um mecanismo de controlo ou sistema de venda eficaz que permita a monitorização de todos os imóveis ao seu alcance, de modo a não permitir que o promitente-comprador faça o trepasse a terceiros”, repara, esclarecendo que o reconhecimento da figura do trespasse pelo notário não confere valor jurídico-legal à aquisição do imóvel. “Até porque as cláusulas contratuais são claras quanto a isso. Logo, o locatário, ao fazer isso, estará a agir de má-fé, pelo que o locador (Estado) pode anular o contrato celebrado entre as partes, alegando vício”.


Por outro lado, face à incapacidade de pagamento dos moradores, o jurista sugere ao Estado, na qualidade de ente de bem, a abrir mão à negociação sendo que o acesso à habitação é um direito constitucional. “O Estado pode anular o contrato com esses promitentes-compradores ou encontrar uma outra forma para negociar as dívidas, prestações em mora, uma vez que as falhas constantes decorrem da excessiva burocracia das instituições estatais, salvo raras excepções, por falhas de mecanismo de controlo eficiente”, sentencia.


50 porcento em dívida


Diversos empresários no ramo do imobiliário têm defendido insistentemente e desaconselhado o Estado a construir centralidades. Em vez disso, criar condições para que os privados o façam no sentido de evitar perdas de investimento e o que consideram concorrência desleal. De acordo com os dados do princípio deste ano do FFH, os inquilinos das 23 centralidades espalhadas pelo país devem ao Estado acima de 2,5 mil milhões de dólares.


A centralidade do Kilamba lidera a lista dos ‘kilapeiros’, com 50% dos moradores a não pagar renda, alguns apenas fizeram o pagamento da entrada.



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