AS OLIMPÍADAS DE ANGOLA: Continuamos a chuchar no dedo



Com as olimpíadas de Tóquio já perto de correr as cortinas, sou tomado por enorme frustração. Apenas os outros estão lá a competir para conquistar medalhas e para bater recordes mundiais, nacionais, continentais, regionais e... até pessoais. Já a nossa Angola, pelos vistos, continua a chuchar o dedo, figurando no rol das nações que foram ao Japão apenas para participar por participar. Sem grandes ambições competitivas. 


Na verdade, os nossos atletas e dirigentes desportivos voltam com zero em termos de conquistas, e isto, bem analisado, será o reflexo do estádio em que se acha o desporto em Angola. Geralmente apostamos alguma coisa nas modalidades colectivas e pouquíssimo, ou nada mesmo, nas modalidades por regra de competição  individual -- como são os casos do atletismo e das lutas em geral. Os países que figuram no topo do quadro de medalhas são bastante competitivos em disciplinas como estas. Até Portugal está a facturar nestes "JO" por conta exactamente do seu pecúlio nas provas de atletismo. 

O que mais me aflige é saber que houve uma época em Angola em que o atletismo era uma modalidade que fervilhava, mobilizando a atenção da juventude. Não era apenas o futebol ou o basquetebol a cativar os jovens. E o mais espantoso é que isto foi exactamente nos primeiros anos de independência, altura em que não havia condições materiais e estruturais por aí além. O grande palco das provas de atletismo era mesmo o velhinho  Estádio dos Coqueiros -- então, ainda com a sua pista de atletismo de cinza e não em tartan como é hoje. 

O tempo passou e hoje já quase nada sabemos em termos de nomes que estão no atletismo. Perdoem-me porventura a ignorância. Mas depois do fundista João Ntiamba se ter reformado das pistas e das estradas, nem da tradicional prova de fim de ano São Silvestre me dou conta.

Agora, nas vésperas dos Jogos Olímpicos, apercebi-me que havia uma atleta de nome  Neide (nem sei se é mesmo assim que se chama a rapariga), apenas devido ao escândalo em que ela esteve envolvida. 

No entanto, até 1980, não havia em Angola --  pelos menos nos grandes centros urbanos e entre os jovens de cultura mediana -- quem não conhecesse os nomes de Alfredo Melão e de Mota Gomes. O primeiro era, salvo o erro, recordista nacional dos 100 e 200 metros, com um tempo relativamente bom para a época. Gomes electrizava os espectadores a correr os 400 e 800 metros lisos nos Coqueiros. Representaram-nos bem nos primeiros jogos africanos em que Angola participou. 

Mas não eram os únicos. Eram às centenas, senão milhares, os jovens praticantes de atletismo no país. E conhecíamos outros craques da modalidade. Até meados da década de 80, tínhamos o Orlando Bonifácio "Gira" a fazer bem o salto em altura; acho que já andava pelos 2.05m, feito alcançado num dia em que a Cidadela Desportiva quase ia aos ares. 

Havia mais nomes do atletismo, entre os quais destaco o António Dias dos Santos, no salto em comprimento; o António Reais "Caveira" no lançamento de disco e no martelo. Acho que o já citado Alfredo Melão fazia igualmente o triplo salto.

Enfim, eram tempos em que o atletismo fervilhava realmente em Angola. E acredito que toda aquela pujança e espírito olímpico advinham ainda da era colonial, em que as grandes agremiações desportivas tinham todas um departamento de atletismo bastante dinâmico. 

Já imediatamente depois da independência, este entusiasmo não decresceu. Pelo contrário, aumentou. No grande clube militar 1ro de Agosto, os departamentos mais dinâmicos não eram apenas os de futebol e basquetebol. O atletismo não ficava atrás, liderado pelo veterano António Andrade, que também fez nome em provas de fundo já desde a era colonial, ao lado por sinal do ícone Bernardo Manuel. 

O atletismo do D'Agosto participava frequentemente com grandes embaixadas em competições como as do SKDA, que agrupava os grémios desportivos dos exércitos do antigo Pacto de Varsóvia. Ao longo do ano era normal ver os atletas do Rio Seco competirem em certames que se realizavam em cidades como Praga, Bucareste, Berlim e outras.

São competições que proporcionavam enorme endurance e experiência aos atletas angolanos, ajudando-os a pulverizar as suas próprias marcas pessoais e nacionais. Naquela altura, tínhamos, aqui ao lado na Namíbia, o grande exemplo de Frankie Fredericks, um velocista e recordista de nível mundial. De modo que não me custa nada acreditar que se Angola tivesse mantido a grande dinâmica e entusiasmo daqueles tempos, provavelmente sairíamos de Tóquio com algumas medalhas a tilintar nos pescoços dos nossos atletas.

Severino Carlos 



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