Pular para o conteúdo principal

Postagem em destaque

1.° De Agosto em risco de descer de divisão por dívidas

A DPA implica alteração da CRA?



(O cientista político Sérgio Dundão entende que, em obediência, ao princípio da proporcionalidade, uma reconfiguração político-territorial do país exigiria, necessariamente, ajustes à Carta Magna. Opinião diametralmente oposta tem a constitucionalista Mihaela Webba, para quem na actual Constituição já há espaço para novos entes territoriais).

1. A minha perspectiva de que a nova proposta Divisão Política Administrativa (DPA) implicaria, de facto, uma revisão da CRA de 2010 decorre da interpretação de que esta proposta coloca em causa os princípios da representação proporcional, unidade nacional e de representação nacional ou real, ou seja, de uma representação democrática.



2. O legislador ordinário não pode alterar ou afectar o princípio da proporcionalidade, através da criação de novas províncias. Para ser mais preciso, as províncias angolanas são unidades eleitorais, de acordo com o artigo 144.º, n.º 2, alínea b) da CRA de 2010. Assim, quando é criada uma nova província, logo atribui-se-lhe 5 deputados, sem ter em consideração a sua população. O que acaba por violar a realização do princípio da proporcionalidade, porque este princípio obriga a uma relação directa entre o número de população e o número de assentos. Por exemplo, em Portugal, onde figura esse princípio de representação de proporcionalidade (artigos 116.º, n.º 5, 152.º, n.º 2, 155.º, n.º 1, 290, alínea h) da CRP de 1976), o distrito de Portalegre apenas pode eleger dois deputados, tendo em conta a sua população. Se fosse, em Angola, o distrito de Portalegre elegeria 7 deputados (5 deputados provinciais e 2 do seu peso populacional ou proporcionalidade).


3. A bem da clareza histórica, devemos frisar que esta situação de atribuir representação aos círculos eleitorais angolanos (sem ter em consideração o seu efectivo populacional) surgiu no quadro dos acordos de Bicesse e foi, posteriormente, constitucionalizada na Lei Constitucional de 1992. Como explícita Raul Araújo (2001: 83), “a distribuição demográfica existente em 1992 [apresentava-se como um] risco de algumas províncias não terem qualquer representante no parlamento, nomeadamente, as províncias do Cuando-Cubango, Cabinda, Zaire, Lunda-Norte e Lunda-Sul”. Ao ser contemplada um princípio de representação proporcional e uma atribuição de 5 deputados por província, em 1992 e 2010, criou-se, desde logo, uma contradição entre dois princípios representativos. Isto é, um princípio de representação proporcional que atende o peso populacional, por um lado. Outro, um princípio de representação paritária que trata de forma igual todas as províncias, através da concessão de 5 deputados (este tipo de representação é típico nos EUA e no Brasil, onde cada Estado elege dois senadores, respectivamente).  


Consequentemente, qualquer círculo elege 5 deputados, independentemente da sua população efectiva, o que acaba por beneficiar os círculos mais pequenos e prejudicar, eleitoralmente, os círculos mais fortes. A exemplo, o círculo do Bengo acaba por beneficiar, deste facto, para eleger 5 deputados provinciais e 2 do círculo nacional, elegendo, deste modo, 7 deputados. Espera-se, assim, que os 7 círculos a serem constituídos tenham, também, direito aos 5 deputados, independentemente do seu efectivo populacional, que de certeza será inferior à sua população real.



No actual contexto, qualquer círculo elege 5 deputados, independentemente da sua população efectiva, o que acaba por beneficiar províncias como o Bengo, que, mesmo tendo população infinitamente inferior, coloca no Parlamento o mesmo número de deputados da Huíla ou Huambo


4. A estruturação do sistema eleitoral angolano em 1992 teve como objectivo político-institucional impedir que um grupo etnolinguístico dominasse per se o poder político. Provocando, por outro lado, uma óbvia contradição entre o princípio da proporcionalidade e a magnitude dos círculos fixada nas próprias Constituições. Devemos, por conseguinte, admitir que o legislador constituinte de 1992 e o legislador constituinte ou constituído de 2010 cometeram essa contradição que vigora até ao ensejo.


5. No entanto, o legislador ordinário não tem força normativa suficiente para agravar essa lesão de plena violação de um princípio constitucional, através da criação de mais províncias. Porque, ao ser admitido esse poder ao legislador ordinário, o princípio da proporcionalidade passaria a ser um princípio constitucional nominal ou apenas formal, deixando, assim, de vigor com força normativa a representação proporcional em Angola. Realizando, assim, uma alteração de um princípio constitucional sem a devida alteração da CRA de 2010.


6.  Em Portugal (um Estado unitário e com a representação proporcional), por exemplo, estabeleceu-se que a criação de um novo círculo só pode ser feita através de uma lei aprovada por 2/3 deputados (vide os textos dos constitucionalistas de José Canotilho, 1998 e de Paulo Otero, 1998). Essa interpretação resulta de uma leitura que a criação de novos círculos deve respeitar o princípio da proporcionalidade para não transformar uma representação proporcional em representação maioritária. Como escreve o constitucional português Paulo Otero (1998: 302), “a Constituição portuguesa não assumiu uma posição imperativa sobre a criação de um círculo eleitoral nacional, resolveu deferir para o legislador ordinário a resolução da questão, negando, porém, qualquer possibilidade de uma maioria governamental poder instrumentalizar o sistema eleitoral ao seu capricho. [Devido] à exigência de aprovação da referida lei ordinária por uma maioria reforçada de 2/3 dos deputados”.


7. No caso angolano, se um legislador ordinário for autorizado a criar novas províncias ah doc haverá uma fragmentação da unidade do território nacional por intermédio da criação de províncias para fins meramente eleitorais. A actual proposta parte para a criação de 7 novas províncias, que representarão 35 deputados, número claramente superior à representação conjunta dos círculos provinciais de Luanda, Huíla, Benguela, Huambo e Kwanza, que só conseguem eleger 25 deputados, ambora possuem mais de 60% do eleitorado e da população angolana. 


8. Legislador ordinário propõe a criação de 7 províncias e amanhã não poderão ser 30. Qual será o limite máximo e mínimo de províncias em Angola, por proposta do legislador ordinário? Qual será a sua oportunidade temporal de criação, por proposta do legislador ordinário? Estas questões só podem ser respondidas com uma interpretação dos princípios estabelecidos na CRA de 2010. Caso contrário, o legislador ordinário não estaria a ser regulado pelos princípios constitucionais. Com efeito, a unidade do Estado seria posta em causa, por exemplo, pelas seguintes situações:


8.1. Um líder político de um determinado grupo étnico poderá decidir pela criação de diversas províncias para multiplicar o seu peso representativo;


8.2. Um líder político de um determinado grupo religioso poderá, futuramente, estabelecer mais províncias para multiplicar o seu peso representativo; e


8.3. Um líder de um partido ou governo poderá, igualmente, multiplicar o número de províncias para ampliar o seu peso representativo.


9. As três situações descritas supra passariam a ser possíveis caso essa actual proposta de DPA fosse admitida sem limites constitucionais claros, porque o legislador ordinário passaria a ter um poder de reforçar a sua representação mesmo sem ter um crescimento populacional ou de votos numa eleição. Por conseguinte, os três princípios que estariam a ser violações seriam os seguintes: 


9.1. Oprincípio da proporcionalidade representativa que estabelece uma relação entre o peso populacional e o número de deputados (que vigora em contradição na CRA de 2010), porque os círculos menos populosos teriam um maior peso na representação do que os mais populosos, aspecto que já ocorre e seria bastante agravado pelas 7 províncias;


9.2. O princípio da unicidade nacional do Estado dentro de um Estado Unitário, passando a vigorar lógicas locais ou interesses provinciais para terminar a oportunidade de criação de novas províncias. Por isso, a sustentação segundo a qual o processo de auscultação a decorrer serve para justificar a oportunidade criação de novas, contraria o estabelecido na CRA de 2010 sobre o princípio da unidade nacional. Estando mesmo vedada pela CRA de 2010 e pela Lei dos Partidos a possibilidade de ser criado um partido para defender ou lutar pelos interesses locais ou provinciais que possam colocar em causa a unidade nacional (artigo 17.º, n.º 1 da CRA de 2010). Ou seja, os partidos devem velar pela unidade nacional que é uma matéria de reserva absoluta da Constituição, constando como um limite material (artigo 236.º, alínea, c) da CRA de 2010). Porque, em vez de existir um interesse e unidade nacional, o Estado unitário passaria a ser regido pelos interesses localizados em certas geografias do país, originando, por conseguinte, um número ilimitado de províncias para responder às necessidades locais.    


9.3. Por último, a violação do princípio da representação real representativa para o estabelecimento de uma representação fictícia, na medida em que a criação das novas províncias irá gerar uma representação fictícia de deputados. Passando, assim, uma minoria representativa a liderar uma maioria sociológica de cidadãos nos círculos mais populosos. Contrariando, assim, por completo o princípio reitor de uma democracia representativa proporcional e prevista na CRA de 2010, conforme escreveu o filósofo inglês John Stuart Mill (1998: 38): “em qualquer democracia realmente igual todo ou qualquer sector deve estar representado, não desproporcionalmente, mas proporcionalmente. Uma maioria de eleitores deve ter sempre uma maioria de representantes; uma minoria de eleitores deve ter uma minoria de representantes”.



M. Webba: “Não é necessário mexer na CRA”



“A Constituição já prevê 5 deputados para cada um dos círculos eleitorais. Assim sendo, se forem criadas 5 novas províncias, por imperativo constitucional, se essa medida for tomada antes das eleições, teremos em 2022 mais 25 deputados para além dos actuais 220, sem qualquer necessidade de se alterar a CRA”



Correio Angolense 



Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação 

Comentários