KANGAMBA 2000: A BATALHA PELA SOBREVIVÊNCIA DA “RESISTÊNCIA POPULAR GENERALIZADA” NO MOXICO



Kangamba é uma vila heróica que foi palco de grandes batalhas na década 80. Até, existe um filme de atores Cubanos que retrata os grandes combate havidos naquela época. Das batalhas da década 80 só ouvimos as suas façanhas, não fomos testemunhas porque naltura éramos petizes. Somos do tempo da batalha de Kangamba de Setembro do ano 2000, um dos combates mais “espectaculares” das FALA pela forma como feito, um combate que proporcionou um reabastecimento em munições e bombas que permitiram a UNITA “sobreviver” militarmente mais um ano nas matas do Moxico. 



Recuemos um pouco no tempo…


No dia 19 de Outubro de 1999 a UNITA perdia o seu último Bastião – a vila do Andulo, e toda a logística (grandes paióis foram abandonados entre as localidades Tchipeio e Tchomba, no município do Andulo), uma logística que fez muita falta às frentes de combate, pois quando solicitada dificilmente era disponibilizada… Mas essa é uma outra história. 


Em Dezembro do mesmo ano, depois de 45 dias de grandes combates entre Enyama e Manañge, uma barreira que permitiu a construção de uma ponte sobre o rio Kunyinga, as FALA atravessaram o rio Kunyinga nas áreas de Manañge. Todo aparato bélico (BMP’s, Lança-rockets, Canhões auto-propulsados e outros canhões pesados) das FALA ficou estagnado nas áreas do Songue por falta de combustível. Nem mesmo o Judeu (o indicativo do único tanque de guerra a nossa disposição, um T55) podia se mover. A ínfima reserva de combustível que existia foi atribuída apenas ao  BM-27 (URAGAN), que permitiu esta arma atravessar o rio Kwanza até ao Lwandu, de onde não mais avançou por esgotamento do precioso líquido, e ali foi encontrada pelas FAA em Abril de 2000. 


As Brigadas de Infantaria Mecanizada das FALA (a Kwame Nkruhman, a 3 de Agosto e a Ben-Ben ) passavam assim, em Dezembro de 1999, da táctica de guerra convencional para a guerra de guerrilha, uma adaptação dificílima agravada pela falta de logística.


Em Julho de 2000 dá início a ofensiva das FAA denominada “Operação Hexágono”, uma ofensiva composta de 6 eixos de progressão. Para mim, foi a maior ofensiva das FAA depois da Operação Restauro que culminou com a tomada dos bastiões da UNITA (Bailundo, Mungo e Andulo). A Operação Quissonde tem ecoado mais por causa do desfecho que teve, mas em termos de envergadura em meios humanos e materiais, a Operação Hexágono foi de longe superior. 

 

Não sei se as forças governamentais tinham conhecimento da localização da direcção da UNITA, mas a verdade é  que os 6 eixos da Operação Hexágono confluiriam exactamente para as áreas do Ndungue (a Leste da província do Bié, ou seja, entre Kamakupa e Kuemba) onde se encontrava o Velho Jonas.  As matas do Ndungue são riquíssimas em mel, para quem conheceu sabe que lá dificilmente se conseguia tomar banho num riacho durante o dia devido a quantidade de abelhas à beira dos riachos.


A Operação Hexágono foi desbaratada por completo em um mês, as FALA saíram-se bem na defesa da integridade física do seu Alto Comandante. Os protagonistas desta proeza foram os generais Abreu Ukwatchitembo “Kamorteiro” e Arlindo Samuel Kapiñala “Samy” (de feliz memória). Foi esta a ofensiva que consumiu boa parte dos efectivos das Brigadas 3 de Agosto e Ben-Ben. Preciosos e valorosos jovens entregaram as suas vidas ao altar da pátria e na defesa da integridade física do seu Alto Comandante, cumprindo assim com um dos trechos do seu juramento… (A Operação Hexágono é uma outra história por contar).


Se a Logística das FALA era quase inexistente a partir do Songue, com a Operação Hexágono a situação ficou mais difícil ainda. Mas imponha-se resistir!... Foi então que os Serviços de Inteligência Militar das FALA determinaram que as FAA estavam a concentrar homens e enormes quantidades de material bélico na vila de Kangamba, para servir de base para lançar outra ofensiva de grande envergadura contra as posições da UNITA na província do Moxico. Não se podia esperar que as FAA tomassem a iniciativa de movimento, era preciso agir rápido! Mas com que meios, se depois da Operação Hexágono cada soldado sobrevivente dispunha apenas de 10 munições no máximo? Como enfrentar com apenas 5 a 10 munições uma Brigada recompletada e fortemente armada? A responsabilidade era ainda maior porque estava em causa a sobrevivência da “Resistência Popular Generalizada”. Kangamba tinha ser tomada a qualquer preço!


Dada a responsabilidade que a missão encarnava (de alto risco e de elevadíssima importância), o Velho Jonas incumbiu o comando da Batalha de Kangamba ao General Artur Santos Vinama “VIGS”. E a tropa que entraria em acção era a Brigada 3 de Agosto do Brigadeiro Morais Tchali. 


Na verdade, no ano 2000 a Krhuman, a 3 de Agosto e assim como a Ben-Ben, de Brigada  só tinham nomes porque o desgaste de 22 meses de renhidos combates tinha reduzidos essas unidades em efectivos comparáveis à Batalhões Regulares (não passavam de 600 homens cada). Foi assim que apenas 300 soldados (aproximadamente) da Brigada 3 de Agosto “abordou” o município de Kangamba. 


Abro aqui um parêntesis para em nome de muitos homenagear o Mano Chitumba, um jovem forjado nas lides da JURA, que tombou lutando com a patente de Tenente Coronel na 3 de Agosto. Ele também fez parte do combate de Kangamba, faleceu em combate um ano depois. Quem não se lembra dele quando declamava, quando encantava com voz de fúria em jograis na Jamba?


Quando o AC ordenou assalto à vila de Kangamba, o chefe das Operaçoes da 3 de Agosto – o comandante Mutuyakevela encontrava-se adoentado, foi preciso esperar mais uma semana até ele se recuperar. O mano Mutu (como o tratamos carinhosamente) pediu ao AC e ao comando da Operação na pessoa do General Vinama que dado o peso da missão, aliada a falta de material de guerra e desgaste da sua tropa, não gostaria de colocar os seus homens debaixo de um poderosíssimo fogo sem a sua presença, e foi aceite. E pediu mais: para não pôr muito em risco os seus soldados, ele em pessoa tinha de fazer parte da equipa de reconhecimento táctico-operacional das posições das FAA em Kangamba, e foi aceite.


Parece um episódio de Hollywood, mas não! É real! O comandante Mutuyakevela penetrou a vila de Kangamba, ficou lá 2 dias, determinou devidamente as posições das FAA e o seu poderio. Chegou mesmo a conviver com alguns soldados das FAA… Foi um reconhecimento táctico-operacional feito com toda perícia de um comando especial temperado na luta desde os anos 80, um reconhecimento que, na minha  opinião, determinou 30 senão mesmo 40% da batalha. 


Abro aqui mais um parêntesis: Durante muito tempo eu pensava que Mutuyakevela era sua alcunha de guerra para buscar inspiração da sua veia guerreira, depois de 2002, já em Luanda, ele relevou-me que na sua linhagem materna ele era mesmo trisneto do lendário Mutuyakevela do Reino de Bailundo, portanto é seu mesmo seu xará!


O Gen. VIGS e o Brigadeiro Morais analisaram cuidadosamente o relatório do T.C Mutuyakevela, e dada a incomparável superioridade numérica em meios humanos e materiais das FAA, determinaram que a única forma de vencer, o fogo tinha de começar dentro do dispositivo das FAA para fora e o combate não podia durar mais de 20 minutos. De outra forma seria impossível! Um enfrentamento virado para os para-peitos das trincheiras, para as linhas de defesa dos dispositivos das FAA seria desastroso! Mas havia uma grande desvantagem, maior parte dos soldados para o combate não dispunham de um treino de penetração que os permitisse começarem o fogo a partir do interior do dispositivo das FAA. Apenas o comandante Mutuyakevela e uns poucos comandantes de companhias tinham tal formação que adquiriram nos cursos de Comandos Especiais, isto é, antes de ingressarem nas Brigadas de Infantaria Mecanizada. No entanto, a missão não podia ser adiada e nem falhar, e cada hora que passava as FAA podiam alterar a sua organização táctico-operativa no terreno e isso podia agravar ainda mais a desvantagem das FALA.


Apesar desta pressão, o general Vinama preferiu não apressar-se para o combate porque a responsabilidade era grande, pois estavam em jogo a vida de todos soldados e o cumprimento da missão que no fundo era a “Resistência Popular Generalizada” que estava em jogo. O general VIGS orientou que os soldados fizessem um treino de penetração de dois dias, em função da maquete apresentada pelo mano Mutuyakevela. O próprio Comandante Mutu encarregou-se de treinar a tropa, foi um treino específico para aquele combate.


DIA "D"!!!

Na madrugada do dia 27 de Setembro de 2000, sob comando do general Vinama, a tropa parte para o interior do dispositivo da FAA. Uma penetração altamente discreta como mandam as regras dos comandos especiais, cada soldado sabia que a sua pontaria tinha de ser 80% efectiva, ou seja, só podia falhar apenas uma munição, de contrário seria desastroso. O ataque começou como planeado, era o QTB (início do fogo) com aqueles gritos de HURRRRA (só os que treinaram na Negritude conhecem), mas por um triz o combate ficaria comprometido porque logo no início a PKM com mais munições encravou, mas valentia dos soldados jogou mais alto e em aproximadamente 16 minutos os cerca de 300 homens da 3 de Agosto puseram em debandada uma Brigada fortemente armada. Enormes quantidades de material de guerra foram capturadas e muitos kwanzas também. 


O material capturado em Kangamba foi tanto que chegou a ser distribuído para outras Frentes vizinhas da província do Moxico. Foi esse material de guerra que permitiu às FALA fazerem manobras defensivas durante um ano mais. 


Kangamba foi mesmo “espectacular”, as FALA não tiveram nenhuma baixa nesse combate, apenas um ferido ligeiro. Foi em Kangamba onde sobrevivi do accionamento de uma mina anti-pessoal do tipo POM-12, isto 5 dias depois da tomada daquela vila.


A vitória de Kangamba revigorou as FALA naquela parcela do território nacional e motivou o ataque ao município do Lumbala Nguimbo em Dezembro do mesmo ano, com objectivo de expandir o território livre e termos uma pista de aterrissagem  de aeronaves sob o nosso controlo (havia planos maiores). O ataque à Lumbala Nguimbo resultou num fracasso devido a uma fuga de informação (os traidores começaram há muito tempo…). Sobre isso falaremos algum dia, por hoje fiquem apenas com a batalha de Kangamba.


JOSÉ CHIUMBO PAIVA




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